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Portugal estuda modelo que vai dar dinheiro aos trabalhadores para formação

Em vez de serem as instituições a receber os fundos europeus para as formações ao longo da vida, Portugal tem um grupo de trabalho para aplicar as Contas Individuais de Aprendizagem. A SÁBADO falou com Pedro Martins, o perito designado pela Comissão Europeia para apoiar o grupo onde estão os ministérios do Trabalho e da Educação e os parceiros sociais (CIP, CCP, UGT, CGTP).

Imagine que pode escolher um mestrado ou formação técnica que quer fazer e recebe diretamente esse financimento, em vez de estar dependente das ofertas da sua empresa. Esse mecanismo de financiamento ao trabalhador são as chamadas Contas Individuais de Aprendizagem (CIA) que já são aplicadas em alguns países e cuja implementação está a ser estudada em Portugal. Para tal, foi criado um grupo de trabalho onde estão os ministérios do Trabalho e da Educação e os parceiros sociais (sindicatos e associações empresariais). O grupo conta ainda com o acompanhamento de um perito designado pela Comissão Europeia, Pedro Martins, professor catedrático da Nova SBE e diretor do Economics for Policy Knowledge Center.

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As CIAs resultam "de uma recomendação do Conselho da União Europeia para que os Estados-Membros considerem estas contas individuais de aprendizagem ou contas individuais de formação", começa por explicar Pedro Martins, à SÁBADO. "A ideia é poder facilitar o acesso à formação por parte de um conjunto alargado de indivíduos. Fazer uma formação que venha da escolha das pessoas, com grande autonomia, com grande orientação em relação àquilo que serão os seus interesses, em contraponto a uma lógica mais, digamos assim, da oferta a decidir que formação é que deve ser feita", justifica.

Em Portugal, o grupo de trabalho já reuniu três vezes desde que foi criado, em março. O seu objetivo é "desenvolver uma proposta para o futuro governo em Portugal à volta de um projeto piloto. Este projeto pretende aumentar o nível de formação contínua dos individuos, nomeadamente daqueles que tendem a receber menos formação nas suas carreiras. Um aspeto importante neste projeto piloto (ou projeto de projeto piloto) é a interação com a norma legal que estabelece que os empregadores devem proporcionar pelo menos 40 horas de formação por ano aos seus trabalhadores". O prazo para estar concluída esta proposta é o final de 2025 e Pedro Martins gostaria de ver o modelo aplicado logo em 2026 "ou nos anos seguintes".

Para fazer essa proposta estão a ser analisados os vários modelos que já existem não só na União Europeia como noutros países (como Singapura e Coreia do Sul). "Atualmente temos modelos na França, na Áustria, na Escócia. Em alguns casos há mais restrições, em outros há mais liberdade. Em alguns casos os pagamentos já são mais numerosos. No caso francês estamos a falar de pagamentos de cerca de 500 euros por pessoa por ano, que são cumulativos ao longo de vários anos. Nos modelos, por exemplo, da Escócia é cerca de 200 euros", exemplifica o professor catedrático de Economia.

Em Portugal, pode vir a ser proposto um modelo como o francês tanto em financiamento anual como na sua possibilidade de poder ser acumulado alguns anos para se usar, por exemplo, para pagar uma formação especializada mais cara, um mestrado, doutoramento ou prós-graduação. Formações que podem ser encontradas em instituições de ensino superior ou empresas de formação. "Há muitas entidades que são certificadas, nomeadamente aquelas que desenvolvem formação financiada por fundos europeus", aponta.

O acesso a esse financiamento deverá ter também algum critério. "Poderemos ter uma lógica mais transversal, poderemos ter uma lógica mais focada em determinados públicos, por exemplo, pessoas com qualificações académicas mais baixas, pessoas que trabalhem em setores mais expostos às mudanças atuais, com inteligência artificial, com automação, pessoas com mais idade, eventualmente com maiores dificuldades em termos de requalificação, de upskilling, de reskilling."

A ideia é uma formação que venha da escolha das pessoas, em contraponto a uma lógica mais da oferta a decidir que formação é que deve ser feita

Pedro Martins, perito indicado pela Comissão Europeia para apoiar o grupo de trabalho das CIAs

Depois de definido o público da formação, "pode haver um mecanismo de transferir para contas eletrónicas um determinado valor, que depois a pessoa mobiliza quando quiser adquirir uma formação junto de uma entidade formadora certificada". Outra solução pode ser a "lógica de copagamento", como existe na Áustria, em que por cada euro investido pela pessoa, o Estado investe outro euro e aí há uma "transferência exclusiva desses montantes".

Além de colocar a pessoa no centro da decisão, estas contas são também flexíveis, acompanhando as suas mudanças de emprego ou de setor e até as mudanças no mercado de trabalho.

Aumentar a produtividade com formação

"Portugal tem um modelo muito cristalizado no sentido de ser mobilizado financiamento público europeu para determinados atores proporcionarem formação aos trabalhadores e a outros indivíduos", começa por diagnosticar Pedro Martins. Logo, "este novo modelo implicaria algumas mudanças. Temos desafios muito grandes em termos de mercado de trabalho. Temos muitas mudanças a acontecer e penso que a formação é muito importante para aumentar a produtividade".

Nesse campo, o perito apontado pela Comissão Europeia dá como exemplo: "Há muitas restrições, nomeadamente financeiras, para que as pessoas possam ter mais formação. Se pensarmos, por exemplo, nos trabalhadores em empresas de menor dimensão, de um a nove trabalhadores, temos apenas cerca de 14 por 100 dos trabalhadores a receber formação. Há muitas pessoas em Portugal que não recebem formação nas suas atividades. Isto é negativo e poderá explicar, numa parte muito significativa, o nível de tão baixa produtividade que temos no País".

As causas serão variadas, mas Pedro Martins aponta algumas. "Penso que muitos empresários poderão não acreditar na formação. Temos também que reconhecer que fazer formação de qualidade é difícil. É preciso conhecer muito bem as atividades, é preciso conhecer boas práticas, é preciso ter a capacidade de envolver as pessoas. A formação é cara, há custos diretos, o custo dos formadores, o custo das salas, o custo do equipamento, e há também custos indiretos, quando uma pessoa está a fazer formação, não está a produzir. Portanto, há aqui um desfasamento entre os custos que são enfrentados logo à cabeça, digamos assim, e os benefícios que só vêm mais tarde. Obviamente há alguma incerteza sobre se os trabalhadores continuarão na empresa além do período da formação. Isso torna o investimento na formação ainda menos atrativo, numa lógica de curto prazo."

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