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Privatização da ANA não salvaguardou o interesse público, diz TdC

Leonor Riso
Leonor Riso 05 de janeiro de 2024 às 20:01
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Auditoria do Tribunal de Contas acusa Estado de ter entregado dividendos indevidamente à VINCI e de desconformidades graves em documentação.

O Estado não salvaguardou o interesse público na privatização da ANA – Aeroportos de Portugal, alerta o Tribunal de Contas (TdC) na sua auditoria ao processo. De acordo com os juízes, que analisaram a privatização decorrida entre setembro de 2012 a outubro de 2013, a entrega da concessionária do serviço público aeroportuário à VINCI não cumpriu os seus objetivos. 

ANA Aeroportos
ANA Aeroportos

Apesar de ter privilegiado "o potencial encaixe financeiro com a venda da ANA, no curto prazo, em detrimento do equilíbrio na partilha de rendimentos com a concessão de serviço público aeroportuário", o Estado acabou por receber menos €71,4 milhões do que o valor oferecido e aceite de €1.198,5 milhões. Uma das razões foi a entrega dos dividendos de 2012 à VINCI, apesar de nessa altura a gestão da ANA ainda ser pública, acusa o TdC. Na auditoria, o valor dos dividendos fixa-se em €28,5 milhões.

Além disso, os juízes apontam que "o contrato de concessão não estava consolidado até ao dia da entrega das propostas vinculativas, conferindo o risco de, neste processo, os valores da empresa não terem sido maximizados". 

A decisão de venda integral da ANA foi tomada "em contexto adverso (com urgência, em situação recessiva), enquanto a maioria dos países da União Europeia manteve participação no capital social das entidades gestores aeroportuárias", lamenta o TdC. "A urgência em concluir a privatização fez iniciar e aprovar o respetivo processo sem todas as condições necessárias à sua regularidade, transparência, estabilidade, equidade e maximinzação do encaixe financeiro."

Tal fez com que não fossem "introduzidos os benefícios da concorrência". 

Outra acusação é a de não terem sido esclarecidas várias "desconformidades e inconsistências no relatório previsto no caderno de encargos", sobre os quais a Parpública, que gere as participações em empresas do Estado português, "não tem explicação": "são graves e revelam risco material de falta de fidedignidade de documentação processual que foi determinante para a escolha do comprador". 

O TdC considera que a "falta de controlo público" se manteve na "primeira década da ANA privada". 

ANAC foi gestora e reguladora 

O TdC assinala que a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) exerceu dois papéis ao mesmo tempo entre março de 2020 e janeiro de 2023: "Foi reguladora e gestora dos contratos de concessão de serviço público aeroportuário, pondo em causa a sua independência e a independência da regulação económica desses contratos". 

A situação "levantou riscos materiais relacionados com ética, entre os quais limitações ao exercício de funções por falta de cobertura legal e limitações ao exercício de funções por situações de conflito de interesses, visto que o presidente e o vice-presidente do conselho de administração da ANAC tinham transitado da principal regulado por este organismo, o grupo ANA". 

Para o TdC, com a privatização a ANA Aeroportos não se tornou mais competitiva, não cresceu nem se tornou mais eficiente, o que acabou por não beneficiar a economia nacional e os seus utilizadores.

Segundo o jornalPúblico, a ANA pagou em dez anos a concessão dos aeroportos que durará 50, como indica o contrato de concessão. A VINCI tem agora 40 anos para acumular mais valias, mesmo que a partir do décimo ano tenha que pagar uma percentagem que vai crescendo até 10% sobre o valor da receita bruta.

Em dezembro de 2023, uma resolução publicada em Diário da República estabeleceu que a ANA tem 120 dias para apresentar projetos para obras no aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa. No mesmo mês, o presidente do conselho de administração da ANA, José Luís Arnaut, considerou que as escolhas da comissão técnica independente para o novo aeroporto tinha "erros", "problemas" e "dados pouco precisos", ao mesmo tempo que não resolvia o problema de "curto prazo" que Portugal atravessa.

A comissão técnica independente considerou que o campo de tiro de Alcochete e Vendas Novas eram viáveis para um novo aeroporto, juntamente com o aeroporto Humberto Delgado, antes de ser possível ter só um: Alcochete ou Vendas Novas.

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