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O lado negro do Facebook: de assédio sexual à relação com regimes autoritários

A Meta está, mais uma vez, a enfrentar alegações por parte de uma antiga funcionária que alega que a cultura de fazer crescer a empresa, custe o que custar, criou danos a nível de direitos humanos e da democracia.

O livro Careless People (pessoas descuidadas em português), escrito por uma antiga funcionária do Facebook Sarah Wynn-Williams expõe as verdades obscuras da empresa tecnológica. Nele, a whistleblower, descreve um caso de assédio sexual, o papel da rede social no genocídio em Myanmar e uma potencial colaboração com o governo chinês.

Desde 2011, e durante sete anos, Sarah Wynn-Williams trabalhou no Facebook, agora Meta, como diretora de Políticas Públicas Globais, depois de ser diplomata pela Nova Zelândia em Washington D.C. Em 2017 foi despedida, e no livro revela que acredita ter sido uma retaliação por parte da empresa depois de ter denunciado uma situação de assédio sexual por parte do seu chefe, Joe Kaplan. No livro, descreve o momento em que Kaplan lhe perguntou, depois de um parto, "de onde é que estás a sangrar?" e de lhe ter dito, num evento da empresa, que ela estava "sensual". 

No entanto, segundo um comunicado emitido pela Meta no domingo, tratam-se de "falsas acusações sobre os nossos dirigentes". A empresa confirmou que Wynn-Williams tinha acusado Kaplan de assédio sexual, mas esclareceu que uma investigação realizada em 2017 o ilibou.

Quanto ao seu despedimento, a Meta recusa as alegações de ter sido por retaliação, e diz ter sido por "mau desempenho e comportamento tóxico". Um dos seus supervisores na altura, Elliot Schrage disse também que a tinha despedido "com base nas suas repetidas falhas" em resolver problemas de desempenho como "indecisão, mudança de foco e a incapacidade de executar contratações" dentro da equipa de liderança de políticas.

Wynn-Williams acredita que muitos dos erros cometidos pela Meta nos últimos anos poderiam ter sido evitados, alegando que o Facebook ignorou avisos internos sobre possíveis danos causados aos direitos humanos e à democracia à medida que a empresa registou um crescimento, nomeadamente na China.

A denunciante expõe que em 2014, o CEO da empresa criou um plano de três anos para tornar a plataforma de rede social acessível da China, onde tinha sido bloqueada pelo governo. Segundo o e-mail enviado aos seus funcionários, Zuckerberg afirmou que a expansão era necessária para a "missão da empresa de ligar o mundo", apelando a um maior envolvimento do governo chinês. 

Livro Careless People
Livro Careless People Flatiron via AP

Três anos mais tarde, o Facebook considerou uma estratégia para entrar de novo nos telemóveis chineses, que envolvia uma parceria com uma empresa chinesa que iria censurar e entregar os dados dos utilizadores em nome do governo chinês. Segundo Sarah Wynn-Williams, pouco tempo depois, os engenheiros da plataforma começaram a construir "novas ferramentas de censura" para esta colaboração. No fim, a empresa acabou por não levar a cabo o plano e continua sem operar na China. 

Pouco tempo depois da oferta pública da empresa em 2012, Wynn-Williams descreve que na altura os seus dirigentes identificaram Myanmar como uma possível fonte de crescimento com dezenas de milhões de potenciais utilizadores. Contudo, este investimento resultou em que a plataforma fosse utilizada para alimentar a divisão política e a violência no país durante o genocídio do grupo minoritário predominantemente muçulmano, Rohingya. 

Em 2018 a Facebook admitiu que podia ter utilizado mais ferramentas para travar esta disseminação de ódio e violência e desde então, a Meta diz ter tomado medidas para garantir a segurança das suas plataformas em Myanmar. Como a criação de uma equipa exclusivamente dedicada ao país, a colaboração com parceiros no terreno para combater e remover a desinformação, a contratação de revisores de conteúdos e a proibição de figuras de apelaram ao ódio, dos militares e dos meios de comunicação social estatais. 

Além do livro, a antiga funcionária disse que no ano passado apresentou uma queixa à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, alegando que a Meta tinha enganado investidores. 

Mas Wynn-Williams não foi a primeira ex-funcionária a expor os bastidores da Meta. Em 2021, uma antiga gestora de produto, Frances Haugen, enviou centenas de documentos internos da empresa ao governo, revelando as dificuldades do Facebook em gerir o tráfico humano nas suas plataformas e as falhas na proteção dos utilizadores jovens. Ao Congresso, disse acreditar que a empresa colocava os seus lucros acima do bem da sociedade. No mesmo ano, uma cientista de dados, Sophie Zhang, alegou que a empresa não estava a fazer o suficiente para prevenir a propagação de ódio e desinformação, especialmente em países em desenvolvimento. 

Dois anos mais tarde, um diretor de Engenharia, Arturo Bejar, testemunhou perante o Congresso que a Meta promovia uma cultura de "não ver o mal, não ouvir o mal" e que ignorava provas de danos. Disse ainda que Zuckerberg tinha ignorado durante vários anos avisos sobre os danos que as suas plataformas infligiram aos seus utilizadores adolescentes. 

Esta obra aparece numa altura delicada para a Meta, que está envolvida em tensões relacionadas com a sua regulação quer na União Europeia, quer na Índia, num momento em que o seu CEO orientou as políticas internas da empresa para a direita, de forma a alinhar-se com o presidente dos EUA, Donald Trump. 

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