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Rui Costa reeleito: do padrinho Eusébio ao trunfo Mourinho

Vencedor à segunda volta, Rui Costa lamenta só ter sido campeão uma vez no seu anterior mandato. O antigo médio chegou ao Benfica pela mão de Eusébio, quis deixar o futebol quando o mandaram para o Fafe e aceitou ir para a Fiorentina para dar mais dinheiro às águias.

Três eleições, três vitórias. É essa a performance de Rui Costa como presidente do Benfica. No último sábado, 8 de novembro, atingiu 65,89% dos votos, batendo João Noronha Lopes (34,11%) na segunda volta das eleições para a presidência das águias, isto depois de já ter sido o mais votado a 25 de outubro, em que havia seis candidatos – aí, conseguiu 42,13%, seguindo-se Noronha Lopes (30,26%), Luís Filipe Vieira (13,86), Diogo Manteigas (11,48%), Martim Mayer (2,10%) e Cristóvão Carvalho (0,18%).

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Rui Costa consegue assim a sua terceira vitória, pois na anterior vez que se tinha candidatado, em outubro de 2021, tinha alcançado 84,5% dos votos, muito à frente do seu único opositor, Francisco Benitez, que se ficou pelos 12,24%.

O antigo futebolista lidera o Benfica, contudo, desde 9 de julho de 2021, quando Luís Filipe Vieira teve de deixar o cargo e ele, que era vice-presidente, ficou à frente das águias. Na altura, Vieira (presidente dos encarnados desde 2003) foi detido pelo Ministério Público, juntamente com o filho, Tiago Vieira, e os empresários Bruno Macedo e José António dos Santos, por suspeitas de montar um esquema para desviar dinheiro do clube, sendo que as suspeitas de fraude terão causado prejuízos à SAD encarnada, ao Novo Banco e ao Estado português, em negócios superiores a 100 milhões de euros.

“Só mesmo o Benfica para fazer história desta maneira, que grandeza, que alma. Como o Benfica não há igual”, disse Rui Costa no discurso de vitória, que fez logo às 7h30 da manhã. O presidente reeleito do Benfica convidou ainda todos os candidatos a estas eleições a juntarem-se a ele este domingo à noite para assistirem, da tribunal presidencial, ao jogo Benfica - Casa Pia.

Durante a campanha, Rui Costa apontou como temas estruturantes conseguir o 40.º título de campeão nacional no futebol masculino (atualmente são 38), chegar aos 500 mil sócios, criar o Benfica District, resolver a questão dos direitos audiovisuais e alcançar os 500 milhões de euros em receitas.

Quando decidiu avançar, após Vieira ter sido detido, há quatro anos, Rui Costa admitiu que os tempos eram “desafiantes”, mas seria necessário aos benfiquistas “unirem-se em prol daquilo que é mais importante: o Benfica”.

“Há quatro anos, o Benfica mergulhava numa situação muito complicada. Fomos os únicos que metemos a cabeça pelo Benfica, que demos a cara pelo Benfica. O resto, ninguém apareceu”, acusou Rui Costa, durante esta campanha.

Em quatro anos e três meses no poder Rui Costa conquistou quatro títulos no futebol masculino: um campeonato, uma Taça da Liga e duas Supertaças. Teve três treinadores (não interinos): Jorge Jesus, que “herdou” de Luís Filipe Vieira, Roger Schmidt, o primeiro que escolheu e o único que lhe deu um título nacional, Bruno Lage e, agora, José Mourinho.

"É um facto, não temos ganhado. Mas ao longo destes anos, o que não ganhámos, estivemos lá para ganhar. Falta-nos carimbar aquilo que temos feito, o trabalho que temos desenvolvido para chegar ao fim do ano com mais títulos daquilo que nós conseguimos fazer até agora. (…) Nesta época, aquilo que tínhamos para ganhar, ganhámos. E aquilo que temos para ganhar, vamos ganhar. É esta a minha convicção”, declarou, no discurso de apresentação da candidatura.

A saída de Bruno Lage e a chegada de José Mourinho, a 18 de setembro, foi visto como um trunfo eleitoral. Aliás, nas sondagens Noronha Lopes estava à frente de Rui Costa, mas a verdade é que o atual presidente do Benfica recuperou e acabou por vencer.

A questão de Mourinho ser visto como um trunfo eleitoral gerou celeuma na campanha, pois Rui Costa acusou Noronha Lopes de ter dito isso, quando na verdade ele não afirmou isso taxativamente, embora tenha validado a contratação, dizendo que se vencesse Mourinho seria o seu técnico, pois “é um treinador vencedor”. O mesmo, aliás, fizeram os outros candidatos, elogiando Mourinho e garantindo que em caso de triunfo o manteriam à frente da equipa do Benfica.

Rui Costa fica assim mais quatro anos na liderança do clube encarnado, ele que está desde miúdo ligado ao Benfica. “Praticamente acabei por nascer e crescer nas bancadas e nos pavilhões do estádio da Luz. Quando me lembro de ser eu próprio, já era fanático pelo clube”, contou, num documentário intitulado Maestro Rui Costa – Filho Pródigo do Benfica.

Do empréstimo ao Fafe a Maestro

Apaixonado por futebol e pelo Benfica, Rui Costa começou a jogar futsal com 6 anos, na Damaia. "Costumava dizer que ou ia ser jogador de futebol ou jogador de futebol", revelou numa entrevista à SÁBADO, em maio de 2014.

Aos 9 anos deu-se o momento-chave. Foi fazer testes ao Benfica, num dia em que estavam ali 500 miúdos e apenas um ficou: ele. Rui Costa recordou essa situação à SÁBADO na revista especial sobre Eusébio, por ocasião da morte do Pantera Negra, em janeiro de 2014.

"Eusébio foi o meu primeiro treinador. Eram 500 miúdos e todos queríamos jogar. Calhou-me ser extremo direito e as coisas correram-me bem nas duas ou três primeiras vezes em que toquei na bola. O Eusébio veio ter comigo e disse: ‘Tu, menino, já chega!". Eu fiquei a chorar porque achei que tinha sido mesmo muito fraco para não me deixarem ficar mais tempo. Afinal, as três vezes em que toquei na bola foram suficientes para o Eusébio gostar e mandar chamar o meu pai para me levar no dia seguinte e o choro passou de tristeza a alegria".

O pai de Rui Costa tinha jogado no Estrela da Amadora, mas na altura não teve condições para prosseguir a carreira. Já Rui Costa, e depois de ser sempre titular nos juvenis, começou a ver que havia alguma hesitação por parte do Benfica em mantê-lo, por ser pequeno e franzino. Terminada a etapa da formação (nos juniores já recebia 20 contos por mês), com 18 anos foi emprestado ao Fafe, um momento difícil para ele, como recordou à SÁBADO: "Fiquei de rastos e ponderei seriamente deixar de ser jogador. De Lisboa, filho único e depois via-me em Fafe. Eu vinha do Europeu de sub-18 e ambicionava muito mais, mas a verdade é que ou ia para o Fafe ou não tinha onde jogar".

"Decidi ir, mas nunca desfazia a mala, ia tirando os calções e as T-shirts para ir treinar porque não sabia se me ia adaptar. Vivia numa casa com dois jogadores que não conhecia, tinha de almoçar e jantar todos os dias fora, longe dos meus pais. A verdade é que ir para Fafe fez-me crescer enquanto jogador e homem. Acabei por ser campeão do mundo de sub-20 na seleção e fiz um grande Mundial graças ao ano no Fafe".

Por falar em Mundial sub-20 e sobre a gloriosa vitória sobre o Brasil, num estádio da Luz com mais de 120 mil pessoas, sabia que foi nessa final que Rui Costa marcou o golo mais saboroso da carreira?

"Senti-me mesmo o melhor do mundo e estou ligado a esse penálti até hoje. Podia ter tocado a qualquer um, mas calhou-me a mim. É um momento de emoção fora do normal, uma adrenalina total. Eu estava ao lado do Jorge Costa, a adivinhar os penáltis todos, e disse-lhe que o nosso colega ia marcar, o Brasil ia falhar e eu marcava o penálti decisivo. E aconteceu tudo como adivinhei".

Rui Costa ficou depois três épocas no Benfica, onde ganhou um campeonato e uma Taça de Portugal e ficou com a alcunha de Maestro, um título que, como reconheceu, o envaidece: "Deixa-me felicíssimo. É sinal de que deixei uma marca". Seguiu-se a transferência para a Fiorentina (1,2 milhões de contos, hoje 6 milhões de euros), apesar de a primeira opção ter sido o Barcelona. "Fui para Itália quase obrigado, porque o Benfica estava na falência e na Fiorentina pagavam mais".

Acabou por passar lá "sete anos maravilhosos", embora a nível de títulos apenas tenha conseguido duas taças de Itália e uma supertaça – e terminou quase prisioneiro na equipa viola, que nunca lhe facilitou uma transferência. Os títulos só surgiram quando se mudou para o AC Milan, em 2001, numa venda milionária (45 milhões de euros), que fez dele durante vários anos o jogador mais caro da história dos milaneses. Só em 18 meses ganhou um campeonato e uma taça de Itália, uma Liga dos Campeões, a Taça Intercontinental e a supertaça europeia (às custas do FC Porto de José Mourinho).

Curiosamente, na Fiorentina, num jogo de pré-época, em 1996, viveu uma situação antinatura, quase como um pai matar um filho. É que, ao serviço dos italianos, Rui Costa marcou um golo ao Benfica, o seu clube de coração, o que o deixou perturbado.

À SÁBADO, ele explicou o que sentiu: "Eu era para não jogar, mas como era com o Benfica queriam que jogasse. E eu, confesso, também queria jogar para poder matar saudades do estádio da Luz. Estive emocionado o tempo todo, mas a jogar como se fosse o último jogo da minha vida, como fazia sempre. Quando marquei o golo fiquei num estado de nervos que não conseguia parar de chorar".

Em 2006, com 34 anos, deu-se o regresso ao Benfica, onde ficou dois anos até acabar a carreira. Despediu-se sem ter ganhado qualquer título nas águias, o que levou a algumas críticas. Um deles foi o empresário Joe Berardo, que referiu que o Benfica se tinha transformado "num lar de terceira idade" e que se Rui Costa quisesse ajudar o clube "tinha voltado quando tinha 25 anos".

Uma situação que o levou a reagir, em 2020, numa entrevista ao Expresso: "O que me faz estar aqui é unicamente o amor que tenho por este clube. Deixei um contrato milionário em Milão para poder regressar ao Benfica, assinando em branco. Falam do meu salário como administrador, mas o meu salário de administrador é para aí um décimo daquilo que poderia estar a ganhar no estrangeiro, só que as pessoas têm pouca noção disso".

Nessa mesma entrevista, Rui Costa garantia que não era um yes man de Vieira. E reagia com veemência: "Não permito que me considerem um banana. Nasci numa cave na Damaia, lutei toda a minha vida e isto não se faz a ser usado". E aproveitava ainda para esclarecer que não estava escondido, apesar de o criticarem por aparecer pouco. Era, dizia, um homem dos bastidores – "mas nunca fugi às minhas responsabilidades".

"Estou no Benfica há 12 anos e participei ativamente em 19 títulos do clube. Agora, o que eu digo é que no futebol os protagonistas são os jogadores e os treinadores, não são os dirigentes, pese embora em Portugal se queira fazer o inverso. Hoje em dia há muita gente que não conhece os jogadores da própria equipa e conhece os dirigentes, o que é uma coisa absurda".

Na entrevista à SÁBADO, em maio de 2014, em que reconhecia que, apesar de já estar reformado desde 2008, ainda lhe custava "ver a equipa a treinar" e ele "de gravata", Rui Costa admitia que quando pendurou as botas não se via a ser dirigente (com 26 anos até pensava em ser treinador). "Só aceitei porque é o Benfica. Tive convites para jogar noutros clubes, nos Emirados, mas entendi que devia ficar no Benfica. E consegui uma coisa inédita, que foi passar de muito velho a muito novo num segundo: era muito velho para continuar a jogar e muito novo para ser diretor desportivo. A verdade é que estou a viver o que quis e a ver o Benfica nos patamares onde merece estar."

Aliás, esse seria o primeiro ano do histórico tetra (alcançado em 2017, um feito que o Benfica nunca tinha conseguido, embora tivesse somado cinco tricampeonatos), que acabou com a hegemonia do FC Porto, um reinado que os dragões mantinham há mais de 20 anos. Assim, perguntámos a Rui Costa como via ele o Benfica dali a 10 anos (ou seja, em 2024). Resposta: "Líder em Portugal e muito bem posicionado em termos europeus. Diz-se que o Benfica tem de voltar aos anos 60 em termos europeus e tudo se está a fazer para estar perto disso".

Para isso, Rui Costa forma uma equipa com várias caras que já o acompanhavam, mas também algumas novas, como Humberto Coelho. O antigo central do Benfica, selecionador nacional e vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol, de 75 anos, deverá ser o “vice” para as relações institucionais.

Tomás Barroso, ex-capitão da equipa encarnada de basquetebol, deverá ficar responsável pelas modalidades. E Nuno Catarino, atual diretor financeiro da SAD, está confirmado como primeiro vice-presidente, apenas abaixo de Rui Costa e com as pastas financeira, do Benfica District e do património.

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