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Quem está a atacar os barcos no Mar Vermelho e porquê?

Ana Bela Ferreira 19 de dezembro de 2023 às 21:02

Grandes transportadoras e petrolíferas anunciaram o desvio das suas rotas, o que pode causar atrasos no comércio internacional e o aumento de preços. Responsáveis pelos ataques, que ainda não afundaram nenhum navio, são os Hutis que exigem fim dos ataques israelitas em Gaza.

As cadeias de abastecimento estão novamente ameaçadas. Agora, são os ataques a navios no Mar Vermelho por parte do grupo Hutis em retaliação pelos bombardeamentos de Israel na Faixa de Gaza. Os mísseis e drones dirigidos aos navios que cruzam esta ligação marítima já levaram empresas a alterar rotas e governos ocidentais a criar uma força naval internacional.

Houthi Military Media/Handout via REUTERS

O que está a acontecer?


Nas últimas semanas, o grupo de rebeldes Hutis, do Iémen, tem atacado navios comerciais no sul do Mar Vermelho, no estreito Bab al-Mandab. O grupo já disparou vários mísseis navais e drones causando danos em navios, tendo havido mesmo um caso de um navio que foi tomado de assalto quando um helicóptero aterrou no convés. 

Apesar da intensidade destes ataques - um ataque por dia desde 9 de dezembro - não há ainda vítimas ou danos de maior a registar. Porém, o receio da intensidade dos ataques já levou transportadores e grandes empresas a mudar as suas rotas.

Porquê que estão os Hutis a atacar navios?


Segundo estes rebeldes, o objetivo é, ao mexer com as rotas de abastecimento global, forçar Israel a um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza. Os Hutis, que tal como o Hamas e o Hezbollah são financiados pelo Irão, dizem defender os palestinianos e garantem que só vão parar quando puderem entrar medicamentos e alimentos na Faixa de Gaza.

Os Hutis começaram por garantir que estavam a atacar navios com ligações a Israel e alertaram que os restantes navios deviam evitar passar por esta zona. Porém, alguns dos ataques acabaram por atingir navios com bandeiras de países que não parecem ligados ao conflito Hamas-Israel, como a Libéria e a Noruega.

Segundo othink-tankamericano Instituto para o Estudo da Guerra, os Hutis são parte do chamado Eixo da Resistência iraniano, que está "a explorar a guerra entre Israel e o Hamas para demonstrar a sua capacidade de controlar uma rota marítima chave e um ponto de estrangulamento no Médio Oriente".

Quais os impactos económicos?


A verdade é que a economia global já está a olhar com apreensão para estes ataques. Já que por aqui se faz a ligação com o Canal do Suez, por onde passa 12% do comércio global, incluindo 30% do trânsito de contentores. Na memória dos mercados está ainda o navio encalhado no Suez que bloqueou a passagem por uma semana e causou problemas na cadeia de abastecimento em todo o mundo, em 2021.

Em resposta a estes ataques, quatro das cinco maiores empresas de transporte naval - Maersk, Hapag-Lloyd, CMA CGM Group e Evergreen - anunciaram que vão colocar em pausa a rota pelo Mar Vermelho. Na segunda-feira foi a vez da BP anunciar que irá fazer o mesmo - o que já levou a um aumento dos preços do gás e do petróleo. 

Estes anúncios significam que os navios vão levar mais tempo a fazer a ligação a partir da Europa, já que terão de contornar África. Outro impacto é o aumento dos preços dos seguros para as cargas e navios. Há quem já esteja a aplicar aos consumidores um valor de 50 a 100 dólares por contentor pelo chamado risco de guerra. 

"O impacto será de tempos de viagem mais longos, mais combustível gasto, mais navios necessários, possíveis perturbações e atrasos, pelo menos nas primeiras chegadas à Europa", enumerou, à CBC News, Simon Heaney, diretor sénior de investigação de contentores na consultora marítima Drewry. Resumindo: vai aumentar o custo do transporte marítimo. Porém, o especialista não acredita que os valores cheguem ao que se verificou durante a pandemia.

Quem são os Hutis?

O movimento Huti, também conhecido como Ansarallah (Apoiantes de Deus), são um dos lados da guerra civil do Iémen, que dura hà praticamente uma década. O movimento começou na década de 1990, quando o seu líder, Hussein al-Houthi, criou a "Juventude Crente", um grupo religioso revivalista de uma corrente secular do islão xiita chamado Zaidismo.

Os zaidistas governaram o Iémen durante séculos até serem marginalizados pelo regime sunita que tomou o poder após a guerra civil de 1962. O grupo Huti acabou por ganhar poder nos anos 1990 durante a presidência de Ali Abdullah Saleh, que apoiava a Juventude Crente. Até que a retórica anti-governo do movimento começou a ganhar força e Saleh decidiu, em 2003, apoiar a invasão do Iraque, pelos EUA, algo a que a maioria dos iemenitas se opõs.

Al-Houthi viu aqui uma oportunidade de aumentar o seu poder e conquistar de vez a opinião pública. Depois de manifestações em massa e meses de desacatos, acabou por ser emitido um mandado de detenção sobre al-Houthi. O líder dos Hutis acabaria assassinado pelas forças iemenitas em setembro de 2004, mas o seu movimento sobreviveu. Durante os protestos da primavera árabe de 2011, os Hutis conquistaram o norte do Iémen e decretaram o fim do regime de Saleh.

Com o governo entregue ao vice-presidente Abd-Rabbu Mansour Hadi, os Hutis tentaram novamente tomar o poder em 2014, depois de controlar partes da capital, Sanaa. A tomada do palácio presidencial no início do ano seguinte levou o vice-presidente a fugir para a Arábia Saudita, que lançou uma guerra contra os Hutis. Finalmente, um cessar-fogo chegou em 2022, depois de mais de 200 mil pessoas terem morrido, segundo as estimativas da ONU.

Desde o cessar-fogo, que durou apenas seis meses, que os combates perderam intensidade, mas os Hutis mantém o controlo do norte do país e têm tentado um acordo com os sauditas para serem reconhecidos como os governantes do Iémen.

Qual foi a resposta internacional a estes ataques?

Israel já avisou que está pronto para responder a estes ataques se a comunidade internacional não o fizer. Na segunda-feira, os EUA anunciaram uma nova task force naval internacional - Operação Guardião da Prosperidade - que inclui o Reino Unido, Bahrein, Canadá, França, Noruega, Espanha, entre outros países, de forma a "enfrentar o desafio colocado por este ator não estatal" que "ameaça o livre fluxo do comércio, põe em perigo marinheiros inocentes e viola o direito internacional".

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