Como é que Trump vai fazer de Gaza a "Riviera do Médio Oriente"?
Benjamin Netanyahu reuniu com Donald Trump em Washington e o presidente dos Estados Unidos partilhou o seu plano para o futuro de Gaza.
Os Estados Unidos querem assumir o controlo da Faixa de Gaza, transferir palestinianos para os países vizinhos e reconstruir o território para que seja ocupado pelo "povo do mundo": são estas as principais conclusões da primeira reunião entre Donald Trump e Benjamin Netanyahu desde que o norte-americano voltou à Casa Branca. Estas ideias já foram rejeitadas por governos do Médio Oriente e pelo Hamas, levando ainda a outras reações.
O que quer Trump?
Trump afirmou que os Estados Unidos vão "tomar conta" e "possuir" a Faixa de Gaza a "longo prazo". Para tal, seria necessário que os palestinianos fossem transferidos para outro lugar, como Trump já havia sugerido, dando os exemplos do Egito e Jordânia, países que recusaram tal ideia.
Trump considerou que Gaza é um "símbolo de morte e destruição" e que a única razão pela qual os palestinianos lá querem permanecer é porque não têm outra opção. Para o republicano, os 1,8 milhões de palestinianos que vivem em Gaza devem ser colocados nos países vizinhos com "corações humanitários" e "grande riqueza": seriam divididos por vários locais.
O presidente norte-americano não esclareceu como é que seria tomado o controlo de Gaza, mas garantiu: "Nós vamos possuí-la e seremos responsáveis por desmantelar todas as bombas perigosas não detonadas e outras armas que existam no local". Os Estados Unidos querem assumir ainda a responsabilidade de "nivelar" os prédios destruídos e "criar um desenvolvimento económico que forneceria um número ilimitado de empregos e moradias para as pessoas da área".
Trump acrescentou que Gaza tem potencial para se tornar a "Riviera do Médio Oriente", um local onde "as pessoas do mundo" poderiam viver. Este é um desejo que já tinha sido expresso em 2023 pelo seu genro Jared Kushner, ex-conselheiro da Casa Branca, quando afirmou que Gaza poderia ser uma "propriedade costeira" muito valiosa.
O presidente dos Estados Unidos referiu ainda que já tinha falado sobre o plano com outros líderes mundiais que o apoiam, sem os identificar: "Esta não é uma decisão tomada levianamente, todos com quem falei amam a ideia de os Estados Unidos possuírem aquele pedaço de terra". Considera que este plano é uma forma de trazer "grande estabilidade para aquela parte do Médio Oriente". Trump garantiu ainda que os Estados Unidos vão anunciar uma posição sobre a soberania israelita na Cisjordânia durante o próximo mês, apesar de ainda não ter sido tomada uma decisão.
"Faremos o que for necessário", referiu, não descartando o envio de tropas dos Estados Unidos para o território palestiniano.
A posição de Netanyahu
"Acho que é algo que pode mudar a História." Assim reagiu Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelita, às ideias partilhadas por Donald Trump para o enclave bombardeado pelas Forças de Defesa de Israel (IDF) nos últimos 15 meses.
O líder israelita considerou também que Donald Trump é "o maior amigo que Israel já teve na Casa Branca: "Temos de terminar o trabalho em Gaza. Israel acabará a guerra com uma vitória".
Netanyahu elogiou ainda Trump por "pensar fora da caixa", trazer "novas ideias" e "mostrar disposição para furar o pensamento convencional".
O ministro das Finanças israelita Bezalel Smotrich, conhecido pelas suas posições de extrema-direita e por ter ameaçado sair do governo se a guerra não recomeçasse em Gaza, utilizou o X para agradecer a Donald Trump e deixou uma mensagem: "Juntos vamos fazer o mundo ótimo outra vez", uma referência ao lema da candidatura do republicano.
Itamar Ben Gvir, que saiu mesmo do governo israelita para protestar contra o cessar-fogo com o Hamas, também emitiu uma declaração a apoiar o plano: "O presidente Trump diz coisas muito importantes: a única solução para Gaza é encorajar a migração dos moradores. Quando eu disse isso várias vezes durante a guerra, duvidaram de mim. Agora está claro: esta é a única solução para o problema de Gaza, esta é a estratégia para o ‘dia seguinte’. Peço ao primeiro-ministro que anuncie a adoção do plano o mais breve possível e que comece o progresso prático de imediato".
As reações dos líderes do Médio Oriente
O Hamas, grupo considerado terrorista pelos Estados Unidos e pela União Europeia que controla a Faixa de Gaza, condenou os apelos de Trump a que os palestinianos saiam das suas terras como uma "expulsão" e considerou o plano como "racista", tendo o único objetivo de "eliminar a causa palestiniana". Já o enviado palestiniano às Nações Unidas disse que os líderes mundiais devem garantir o respeito pelo povo palestiniano e respeitar o seu desejo de continuar em Gaza.
O governo saudita já reagiu às declarações de Donald Trump, enfatizou a sua rejeição relativa a qualquer tentativa de deslocar palestinianos e garantiu ainda que não vai estabelecer qualquer relação com o estado de Israel sem que haja o reconhecimento de um estado palestiniano.
O ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Abbas Araghchi, considerou que as declarações de Trump são parte de uma política de "pressão máxima" ao Irão que terminará num "fracasso". O líder iraniano acrescentou ainda à Agence France-Presse (AFP) que o país está empenhado no seu plano nuclear. Já o porta-voz do governo iraniano Fatemeh Mohajerani referiu: "A nossa política externa sempre foi motivada pelos seguintes princípios: dignidade para o nosso país e povo, sabedoria e interesse. Sabedoria significa olhar para os bastidores e ter uma compreensão correta deles."
A proposta foi aceite pelos Estados Unidos?
Nos Estados Unidos, as afirmações de Donald Trump também já estão a ser criticadas especialmente por democratas. Chris Murphy, senador, considerou que Trump "perdeu totalmente o controlo": "Uma invasão dos Estados Unidos a Gaza levaria ao massacre de milhares de soldados norte-americanos e a décadas de guerra no Médio Oriente. Parece uma piada má e doentia". Já o membro da Câmara dos Representantes democrata Jake Auchincloss considerou a proposta "impudente e irracional" e alertou que as motivações de Trump tinham uma "conexão nepotista e egoísta".
No entanto, os democratas não são os únicos a deixar críticas à atuação do presidente: alguns republicanos também já se fizeram ouvir. Justin Amash, um ex-membro do Congresso cujo pai foi obrigado a sair de casa pelas forças israelitas em 1948, partilhou: "Se os Estados Unidos enviarem tropas para remover à força muçulmanos e cristãos - como os meus primos - de Gaza, então os Estados Unidos não só ficarão atolados noutra ocupação imprudente, mas também serão culpados do crime de limpeza étnica. Nenhum americano de boa consciência deve aceitar isso".
O enviado dos Estados Unidos para o Médio Oriente, Steve Witkoff, disse à Fox News que os planos de Trump para Gaza dão aos palestinianos "mais esperança" para um futuro melhor e afirmou que o enclave deverá estar "habitável" entre 10 e 15 anos: "Todos queremos ver paz na região. Uma vida melhor não está necessariamente ligada ao espaço físico em que se está hoje. Uma vida melhor é sobre melhores oportunidades, melhores condições financeiras, melhores aspirações para uma pessoa e para a sua família. Isso não acontece atualmente porque quando é montada uma tenda na Faixa de Gaza, fica-se cercado por 30 mil munições que podem explodir a qualquer momento. É um lugar perigoso para se viver".
E o que acontece à solução dos dois Estados?
Trump deu uma resposta vaga quando questionado sobre se apoia a solução de dois Estados: Palestina e Israel. Depois de um jornalista ter questionado se a sua visão de colocar os palestinianos noutros territórios era um sinal de que era contra a solução de dois Estados, afirmou: "Isto não significa nada sobre os dois Estados, um Estado ou qualquer outro Estado. Significa que queremos ter, queremos dar às pessoas uma chance na vida. Elas nunca tiveram uma chance porque a Faixa de Gaza tem sido um inferno para as pessoas que vivem lá. Tem sido horrível".
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