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Trump e Bibi, os amigos desavindos que se voltam a encontrar

"Fuck him", disse Donald Trump após Netanyahu felicitar Biden. Agora, reúnem-se pela primeira vez desde a tomada de posse e após o acordo de cessar-fogo. O que significa isso para a Palestina?

"Fuck him". Foram estas as palavras escolhidas por Donald Trump para mandar uma mensagem ao seu amigo de longa data, Bibi Netanyahu, durante uma entrevista ao jornalista israelita Barak Ravid em 2021, depois de o primeiro-ministro de Israel ter felicitado Joe Biden pela vitória "mais cedo do que muitos". Na altura, o presidente norte-americano revelou que desde então, ambos não tinham comunicado. 

Manuel Balce Ceneta/AP

Mais recentemente, e dias antes da sua tomada de posse do segundo mandato, Trump partilhou através da Truth Social um vídeo do professor Jeffrey Sachs a culpar Netanyahu por ter arrastado os Estados Unidos para vários conflitos no Médio Oriente, nomeadamente na Síria, no Irão e no Iraque. "Netanyahu tem desde 1995 até hoje, a teoria de que a única forma de se ver livre do Hamas e do Hezbollah seria derrubar os governos que os apoiam, o Iraque, a Síria e o Irão", explica. "O tipo é obsessivo, ele continua a querer que entremos num conflito com o Irão", afirmou, acusando-o de ser uma pessoa "sombria" que "já nos envolveu em demasiadas guerras". 

Esta terça-feira, Trump e Netanyahu encontram-se pela primeira vez desde que o presidente dos EUA voltou ao cargo. Mas apesar das relações tremidas, o mais provável é que se unam contra o Irão e a solução dos dois Estados seja mais desvalorizada. 

Irão, o elemento unificador

Para Joana Ricarte, especialista em Relações Internacionais e investigadora da Universidade de Coimbra, Trump e Netanyahu "são aliados de circunstância": é uma relação que pode servir para favorecer as suas agendas políticas em que existem "interesses comuns e uma lógica transacional", nomeadamente, o interesse em "desmantelar o projeto nuclear do Irão". 

É incerto o que "levou ao desbloqueio do acordo de cessar-fogo" mas para a especialista, talvez Trump tenha "prometido apoio para [que Netanyahu conseguisse] prosseguir com a sua política de ocupação". O facto de Trump ter apostado num embaixador para Israel, Mike Huckabee, com uma ideologia "de que Israel tem de ocupar toda a região", reforça esta ideia.

A investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa (IPRI-NOVA) Diana Soller acredita que será uma relação positiva, uma vez que "são líderes fortes e têm entendimentos semelhantes do papel do Estado em relação à segurança nacional". Mas o mais importante assenta, em última análise, no "entendimento profundo e sintonizado entre o que ambos querem para o Irão".

Desde o início da guerra que "Israel tem feito algo que é importante para os EUA, enfraquecer as proxies [grupos aliados] do Irão e o próprio Irão". A incursão e os ataques israelitas ao Irão provaram que o país liderado pelo aiatola Ali Khamenei "não está tão salvaguardado ou forte como se poderia pensar". 

Já Joana Ricarte acredita que poderá haver um "caminho de expansão do conflito para o Irão". Após o anúncio do acordo do cessar-fogo entre Israel e o Líbano a 27 de novembro, que se seguiu à vitória presidencial de Trump, a especialista recorda que o líder israelita indicou que "estava na altura de olhar para o Irão". 

Outra questão assenta no facto de Trump sempre ter visto o "Médio Oriente de uma forma particular", o que levou a que fizesse um esforço "para levar a cabo os acordos de Abraão", diz Soller, numa referência aos acordos assinados a 15 de setembro de 2020 e apoiados por Donald Trump, que levaram os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein a normalizar as relações com Telavive. 

A aliança Israel, Egito, Jordânia e Arábia Saudita tem uma certa importância porque para Trump, é a única "frente capaz de conter o Irão e de se tornar uma potência regional". Ao "criar relações mais estáveis entre Israel e a Arábia Saudita", país que ainda não integra os acordos, estará a criar uma coligação que "poderia conter o Irão sem que os EUA se envolvam diretamente".

A questão dos dois Estados

Outro sinal do apoio inabalável de Trump a Israel deu-se durante o primeiro mandato, quando o agora presidente dos EUA reconheceu Jerusalém como a capital oficial mudando a embaixada dos EUA de Telavive para lá. Jerusalém situa-se na zona da Cisjordânia, mas é controlada pelo governo israelita. Durante os quatro anos de Joe Biden, a decisão não foi revogada e segundo Diana Soller, a "tendência é manter-se". 

Para além disso, "Donald Trump tem dado sinais fortes de que a ideia dos dois Estados não lhe faz grande sentido". A especialista diz que neste momento, dado às condições políticas na região, "a solução [dos dois Estados] será sempre uma questão que não é exequível". Não é do interesse de Trump "compatibilizar os interesses" de Israel e da Palestina, como a administração de Biden pretendia, prefere portanto "favorecer o Estado que lhe dá mais garantias de segurança na região", Israel. 

Joana Ricarte concorda e defende que "Trump nunca olhou para a Palestina como um ator individual" e que o Deal of the Century de Jared Kushner - plano anunciado pela administração Trump em 2020 para resolver o conflito israelo-palestiniano e que dava soberania limitada à Palestina - representou a ideia de que, para o presidente norte-americano, não está em causa "uma normalização das relações ou a coexistência com palestinianos" mas "uma pacificação, que a situação se acalme". 

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