Sábado – Pense por si

Europa pode acabar com a mudança de hora. "Espero que na primavera já não mude"

A neurologista Teresa Paiva concorda que nos devemos manter sempre no horário de inverno porque "é aquele em que estamos mais alinhados com as horas de luz natural”.

Na próxima madrugada, 26 de outubro, Portugal vai atrasar os relógios uma hora, dando assim início ao horário de inverno. Assim quando forem 2h00 os relógios vão regressar à 1h00, uma realidade vivida na maior parte dos países da União Europeia (UE). Porém, pode ter os dias contados, já que no início desta semana, o primeiro-ministro espanhol afirmou que iria apresentar uma proposta em Bruxelas para acabar com a mudança da hora.

Europeus ponderam fim das mudanças de hora sazonais.
Europeus ponderam fim das mudanças de hora sazonais. Bruno Colaço/Correio da Manhã

Teresa Paiva, neurologista especialista em sono, concorda com o fim da alteração da hora e que devia ser mantido durante todo o ano o horário de inverno, começando por justificar à SÁBADO: “Se pensarmos na linguagem coloquial dizemos sempre oito da noite, nove da noite, o que significa que já não deve haver luz neste horário. O pôr do sol deve ocorrer antes da hora do jantar, por isso é que dizemos sete da tarde e oito da noite”.

Em termos técnicos, a especialista defende que “o horário de inverno é aquele em que estamos mais alinhados com as horas de luz natural, que esteve na base da nossa vivência durante duzentos ou trezentos mil anos, só a eletricidade é que alterou essa necessidade”. A mudança para o horário de verão é vista pela especialista como a mais prejudicial para a nossa saúde, uma vez que, argumenta, no inverno estamos mais alinhados com a nossa saúde e que no domingo “vamos apenas dormir mais uma hora”.

“Na mudança de hora na primavera ocorre um aumento do risco de doenças cardiovasculares, autoimunes, infeções e acidentes.” Além disso, Teresa Paiva alerta que “Portugal é dos países mais tardios do mundo, o que gera um risco muito sério para o cancro e para a demência”, e este fenómeno é agravado durante os meses de horário de verão.

No seu anúncio Pedro Sánchez referiu: “Os relógios vão mudar novamente esta semana e, francamente, não vejo sentido nisso. Em todas as investigações que os espanhóis e europeus foram entrevistados, a maioria mostrou-se contra a mudança de horário”. O líder espanhol alertou também para “evidências científicas que mostram que dificilmente ajuda a economizar energia e tem um impacto negativo na saúde e na vida das pessoas”.  

Representantes dos países do norte do Bloco, como a Finlândia e a Polónia, têm levantado preocupações sobre a forma como a mudança de horário tem efeitos físicos ou mentais negativos em cerca de 20% da população da Europa. A realidade é que 84% dos 6,4 milhões de europeus que participaram numa consulta pública da Comissão Europeia, realizada em 2018, sobre a mudança de horário disseram que a UE deveria acabar com o horário de verão.  

A mudança sazonal de horário foi introduzida pela primeira vez durante a Primeira Guerra Mundial, numa tentativa de conservar o carvão, mas foi abandonada depois do fim do conflito. No entanto, preocupações energéticas levaram a maioria dos países a reintroduzir o sistema durante a Segunda Guerra Mundial e mantiveram-na até hoje, também devido à crise global do petróleo da década de 1970. 

Em 1980 a então Comunidade Europeia emitiu a sua primeira diretiva para garantir que todos os membros da UE seguissem a mesma prática e realizassem a mudança semestral no mesmo dia e hora. As regras atuais datam a 2001 e especificam que os países devem adiantar os seus relógios uma hora à 1h00 do último domingo de março e atrasar uma hora no último domingo de outubro. 

Teresa Paiva partilha que existem vários especialistas que consideram que a Europa deveria ter quatro fusos horários “o de Leste, o Central, o Tempo Médio de Greenwich e  o GMT – 1, onde se encontram os Açores e a Islândia”. A questão é que estes investigadores defendem que “no horário do Tempo Médio de Greenwich devem estar não só Portugal e o Reino Unido – como já acontece – mas também Espanha, França, Bélgica e Países Baixos”, o que Teresa Paiva acredita que seria muito positivo para todos, especialmente para Espanha. “Se pensarmos que Espanha é o país mais prejudicado porque é aquele que está mais próximo do Meridiano de Greenwich, para as pessoas que vivem na Galiza, diretamente a norte do Minho, ainda é pior”, continua. 

Sánchez considera que é o momento de colocar em prática a proposta que, em 2018, Jean-Claude Juncker, enquanto presidente da Comissão Europeia, fez no Parlamento Europeu. Na altura, o primeiro-ministro português António Costa, atual presidente do Conselho Europeu, rejeitou a ideia e citou especialistas que afirmaram que a mudança seria prejudicial para os cidadãos portugueses. A Grécia foi outro dos países que se opôs.   

Teresa Paiva explica que o relatório em questão foi elaborado por um ex-presidente do Observatório Astronómico de Lisboa que “citava razões fundamentalmente económicas e sobre o número de horas de exposição solar”, ora a especialista não concorda com os motivos elencados e considera: “Essas justificações não são verdadeiras porque a luz é a mesma, o horário é o mesmo. As diferenças no número de horas de exposição solar são provenientes da alteração do inverno para o verão e não da mudança de hora”. “As pessoas têm de perceber que temos melhor humor no verão porque há mais horas de sol, não por ser dia até mais tarde”, atira.  

Por outro lado, Teresa Paiva considera que a questão económica já não é verdadeiramente relevante uma vez que “atualmente a adaptação é uma questão muito simples, existem muitos mecanismos e muitas pessoas que durante o mesmo dia trabalham tendo em conta diferentes fusos horários”.

Para garantir que a proposta espanhola é aprovada é preciso conseguir o apoio de uma maioria qualificada dos Estados-membros, ou seja, é preciso reunir o apoio de 15 dos 27 países que fazem atualmente parte da UE.

Artigos Relacionados