É enquanto sociedade que devemos agir?
Totalmente. Não acredito que venham leis regular estas redes. Não vale a pena esperar. E a minha sugestão é que nós possamos atuar individualmente e coletivamente. Individualmente em nossas casas. Coletivamente, junto dos nossos amigos, das famílias, das escolas.
Vou dar um exemplo, enviámos mensagens a toda a nossa comunidade [da escola da parentalidade positiva e seguidores da página de Instagram], a alunos da escola, mas também de seguidores, pedindo às pessoas para verem esta série. Além disso, temos feito campanha para a remoção dos ecrãs nas escolas.
Escrevi uma mensagem para a escola e pedi novamente que vissem esta série e pedi que tudo o que fosse tecnologia fosse retirado. Porque muitos usam tablets nas aulas. É verdade que retirar só o acesso aos ecrãs não resolve tudo, mas dá-lhes acesso àquilo que eles deixaram de ter: ao contacto uns com os outros. Coisas simples como falarem uns com os outros, brincarem, irem ao bar e ficarem na conversa na fila. Enfim, fazerem trabalhos em conjunto na sala.
Depois há outros aspetos a ter em conta como a agressividade na escola, o desamparo de alguns miúdos, a normalidade da família, o pai que quis ser diferente do seu próprio pai e pergunta-se se terá feito bem. O facto é que não está tudo nas mãos dos pais, mas de todos nós. Esta última mensagem é fundamental. É individualmente e em coletivo que devemos atuar.
Os pais têm de estar vigilantes daquilo que os filhos fazem na Internet?
Claro que sim. E parece-me que é fundamental também que os pais possam fazer o seguinte, que é verem a série com os filhos e que seja um ponto de partida para começar esta conversa que é absolutamente necessária. Se eu até sei qual é o autocarro que os meus filhos apanham e em que paragem saem, expliquem-me porque razão não posso saber onde andam online. Se há dificuldade em abordar o assunto, ver a série em conjunto pode ser um ponto de partida para introduzir o tema no debate.
Temos de ensinar melhor os papéis de género?
Muito sinceramente, aquilo que nós precisamos de ensinar é o respeito pelo outro. Porque é a partir do momento em que os miúdos dizem que a "mulher tem que estar no seu lugar, a cozinhar" e "que não deve pensar", "que não deve estudar", temos de reagir. Temos que trabalhar não só a questão da igualdade de género, como a do respeito pelos seres humanos. Portanto, é necessário empatia, respeito, consideração, um discurso mais moderado e menos radicalizado.
Vou dar um exemplo que gostei muito de um professor da minha filha. Uma vez fez um exercício que era perguntar à turma o que era o amor e pediu a cada um dos alunos para fazer um ensaio sobre o amor. Foi muito lindo ler aquilo que os miúdos escreveram e perceber que alguns deles, ainda que não tenham a experiência de amar alguém de outro sexo ou do mesmo sexo, sabiam exatamente o que podia ser o amor. E então, este tipo de temas de reflexão, de contacto com as emoções boas, precisam de estar em cima da mesa. Claro que a igualdade de género é importante e que temos de falar da sexualidade também, mas vamos começar pelo básico porque por vezes é o básico que nos falta.
Os sinais a que os pais devem estar atentos são a mudança de discurso, ou seja, um discurso mais radicalizado ao falar de mulheres e um discurso de descaracterização
Magda Gomes Dias
A série é baseada na realidade, este tipo de crimes está a aumentar?
A série é baseada em casos reais. Portanto, o autor e ator Stephen Graham, viu duas histórias de rapazes que assassinaram raparigas, e perguntou-se: "porquê é que isto está a acontecer?" Então foi explorar. E está a aumentar. Há um caso, também em Inglaterra, de um rapaz que matou a filha de um apresentador inglês. Ela era a sua ex-namorada. Ele matou a rapariga, a irmã e mãe desta, só ficou o pai [o apresentador da BBC John Hunt]. Então está a aumentar e com mais violência.
E uma das coisas que começo a ver em sessões são mães que têm dificuldades com os filhos rapazes. Mas estas dificuldades não são só de comportamento. Não são aqueles embates de adolescentes de: "não me deixam sair". Mas de violência verbal e psicológica dirigida à mãe. Dirigirem-se às mães como "filha desta", "filha daquela", "tu és burra", "não tens moral para me falar".
Acompanho uma senhora, que é divorciada há um ano, e o filho tem este comportamento. Estamos a falar de um miúdo que vai fazer 16 anos. Tenho também um outro caso muito semelhante mas mais novo com 13 anos. Não podemos descartar que estes miúdos - não estou a dizer que estejam envolvidos nestas redes – mas que tenham tido contacto com pessoas que estão envolvidas nestas redes.
A que sinais devem estar atentos os pais?
Acrescentaria também os professores, porque isto acontece na escola. Conheço casos de miúdos que se viram para as professoras e lhes dizem: "A professora não sabe nada". E quando as professoras são jovens e bonitas, alguns deles fazem outro tipo comentários. Parece-me que estamos a levar isto com alguma leviandade ou naturalidade. Podem dizer uma primeira vez, nós corrigimos, mas não podem repetir uma coisa destas uma segunda vez.
Enquanto adultos temos de pôr aqui um travão. Os sinais a que os pais devem estar atentos são a mudança de discurso, ou seja, um discurso mais radicalizado ao falar de mulheres e um discurso de descaracterização. Passar a ter um discurso focado no poder do homem. É preciso estar atento a este tipo de músicas que ouvem, a que youtubers seguem e que podcasts ouvem. Enfim, é necessário estar atento.