O streaming não gira, capota: por mais atento que se pense estar ou viciado em binge-watching que se pense ser, pisca-se um olho e a nova série do momento muda. Adolescência surgiu discreta, a fazer lembrar outras estreias com pés de lã, e foi de boca em boca até ao topo das mais vistas da Netflix. O que mais surpreendeu, no entanto, não foi a velocidade com que o conseguiu mas a qualidade que entregou na escalada até ao cume da montanha.
No formato minissérie, Adolescência tem apenas quatro episódios de 50 a 60 minutos - cada um filmando num único plano-sequência (ou seja, sem cortes) -, e começa com a detenção de um adolescente de 13 anos, perante o olhar chocado dos pais e da irmã, e sob as ordens de uma equipa de operações especiais. Com a casa e a vida reviradas, o jovem, Jamie Miller, interpretado por Owen Cooper, é acusado de um homicídio violento - a morte de uma adolescente, Katie Leonard, com uma faca de cozinha.
Com um carimbo de 100% de aprovação no site agregador de críticas e opiniões sobre séries e filmes Rotten Tomatoes e uma nota de 8,4 no banco de dados sobre filmes, séries de televisão, atores, realizadores e outros profissionais da indústria do entretenimento Imdb, poder-se-ia dizer que Adolescência tinha conquistado o Olimpo - mas o que é o verdadeiro sucesso, em 2025? Adolescência estreou há cinco dias, o ano começou há menos de quatro meses, e esta já é considerada a série do ano.
Para isso contribuem vários factores: tecnicamente, Adolescência parece uma proeza sem falhas. O plano-sequência é quase gabarolice - uma opção de realização como esta seria impossível sem uma absoluta confiança na equipa, de atores a técnicos, e na sua capacidade de coordenação. Gravados em apenas um take, os quatro episódios são praticamente imersivos - com a câmara a seguir a ação a todo o momento, somos levados por ela para dentro da história.
E se da equipa de produção pouco se sabe, do elenco é fácil falar: Stephen Graham (Snatch - Porcos e Diamantes, Boiling Point e Peaky Blinders), que interpreta o papel de pai de Jamie, Eddie Miller, é também o argumentista da série - escreveu-a com Jack Thorne (As Nadadoras e Joy). Sobre o que o levou a criar esta minissérie, tem sido bastante vocal: as notícias de jovens rapazes a matarem jovens raparigas - em particular a de um, Axel Rudakbana, que matou três raparigas numa discoteca de Southport, uma cidade costeira do Reino Unido - não lhe saíam da cabeça.
Ao Los Angeles Times, explicou: "Lembro-me de pensar ‘O que está a acontecer? O que está a acontecer com a sociedade para isto estar a acontecer? Não é uma coisa de uma vez. É chocante. E é angustiante para nós como nação e como sociedade." A grande angústia de Stephen Graham sente-se toda em Adolescência. E a vontade, também expressa em várias entrevistas, de que este tema - rapazes que odeiam raparigas ao ponto de as matarem - se transformasse num tema central das conversas dos britânicos também.
Com as audiências que alcançou na primeira semana disponível (segundo a Variety, 25 milhões de pessoas já viram a minissérie em todo o mundo), Stephen pode ficar descansado: milhões de homens (porque as mulheres já sabiam) estarão, neste momento, a confrontar-se com a dura realidade: Andrew Tate e o seu ódio pelas mulheres não é bizarria, é uma tendência - e ela pode estar a espalhar-se pelas escolas, infiltrando-se nestas via telemóveis e redes sociais.
De resto, a revelação do código de emojis usado pelos adolescentes é um momento que marca Adolescência (e faz pensar quantos adultos desconhecem a linguagem que os jovens falam, ficando excluídos das suas vidas sem sequer se darem conta). Depois há outros momentos de pura mestria da arte de contar histórias. A canção de Sting, Fragile, cantada por um coro de crianças a fechar o segundo episódio, ou a tensão da hora em que Jamie está sozinho com uma psicóloga - é difícil dizer que momentos mais contribuíram para este estado de graça de Adolescência.
O tema - a masculinidade frágil, a sexualidade, os papéis de género - com certeza é central na razão de ser do sucesso de Adolescência. Agora, uma ideia é unânime: para lá de uma minissérie-fenómeno, Adolescência é uma opotunidade. Pais de adolescentes, agarrem-na.