Ferramentas como o ChatGPT são cada vez mais utlizadas para ajudar a escolher presentes de Natal. Em breve, poderão fazer a maior parte do trabalho - inclusive gerir o nosso dinheiro.
Colocamos ao ChatGPT uma questão que todos os anos assola milhares de portugueses ao aproximar-se a época de festas: "O que raio hei de comprar ao meu tio no Natal?" Há uma certa falta de espontaneidade, um esvaziamento de sentimento, em relegar a tarefa a um algoritmo de processamento de dados, mas, em matéria de processar variáveis e alcançar resultados, não há método mais eficaz, e, na hora do aperto, pedimos que nos acuda.
A resposta vem, célere: Quem é ele? O que gosta de fazer? Quanto quer gastar? Ele gosta de receber presentes pragmáticos ou sentimentais? Já tem alguma ideia do tipo de presente que quer dar? Preenchemos o questionário, e logo chegam as recomendações para uma prenda pragmática, mas única: para a sua melomania, uma coluna portátil ou leitor de discos de vinil; para as atividades ao ar livre, um canivete suíço, caneca térmica ou rede portátil; para o gosto por cozinha, um kit de ervas aromáticas ou um avental customizado.
Mas não se fica por aí: pergunta se, em vez de categorias de produtos, queremos sugestões específicas, e quando respondemos que sim, retorna-nos uma lista de produtos destas categorias, com estimativa de preço e uma breve descrição das suas especificações. Quais são os melhor avaliados em plataformas de venda digital? A lista fica um pouco mais curta, e está encontrado o presente ideal. Só faltou mesmo fazer a encomenda por nós: "Não tenho a capacidade de fazer compras", responde o ChatGPT, seguido de um passo-a-passo de como fazê-lo numa das plataformas de compras.
Processos como este têm sido cada vez mais comuns, diz à SÁBADO Luís Paulo Reis, diretor do laboratório de Inteligência Artificial (IA) e Ciência de Computadores da Universidade do Porto e diretor da licenciatura de Inteligência Artificial e Ciência de Dados na mesma instituição. "Introduzindo o perfil de um destinatário incluindo hobbies, estilo de vida, a relação com a pessoa, aquilo de que gosta, numa IA generativa, conseguimos que gere sugestões personalizadas, e até que nos diga os lugares mais baratos", refere o professor.
Não é só neste sentido que esta tecnologia, crescentemente utilizada pelos portugueses no dia a dia profissional, pode vir a revolucionar os nossos Natais. "Um dos propósitos para os quais utilizo mais a IA é na parte da culinária", diz Luís Paulo Reis, "no sentido de criar novas receitas com base no que queremos, os produtos que temos, e até o gosto das pessoas que vão comer". Acrescenta que "mesmo dentro do ChatGPT existem aplicações treinadas para ter grandes conhecimentos de culinária e até para criar sugestões de empratamento - é mais fácil variar a ementa de Natal".
Um Natal cada vez mais inteligente
É o prenúncio de um futuro em que estaremos cada vez mais ligados a estas ferramentas. Como poderá ser um Natal daqui a 10 anos? "O óbvio é termos presentes hiper-personalizados através do diálogo com a IA, que poderão até ser impressos através de impressoras 3D de acordo com as especificidades de cada presenteado", além de "assistentes pessoais mais desenvolvidos, inclusivamente robôs": Luís Paulo Reis explica que "já existem modelos de IA que funcionam em computadores pessoais e que podem ser treinados com os nossos dados", e que esses modelos poderão ser, no futuro, "embarcados em robôs físicos que teremos em casa para nos ajudar com tarefas como estas".
Uma fronteira que falta ultrapassar, no entanto, é a do acesso da inteligência artificial à nossa carteira. Tal requereria o acesso da população geral àquilo que a indústria chama de "agentes IA", inteligência artificial capaz de tomar decisões por nós e agir no mundo real, por oposição à limitação de chatbots como o ChatGPT à linguagem. Esta tecnologia já existe no mundo empresarial, e estudos indicam que é cada vez mais prevalente: um inquérito conduzido pela Langchain a 1.300 profissionais concluiu que mais de metade já utiliza agentes IA no processo de produção, e a Gartner prevê que, já em 2028, pelo menos 15% das decisões profissionais do dia a dia serão tomadas por esta ferramenta.
Neste cenário, as compras de Natal seriam ainda mais simples: decidiríamos, com a ajuda da IA, que presentes comprar, e esta faria automaticamente a encomenda junto da plataforma mais em conta, preenchendo as nossas referências bancárias e dados pessoais. O acesso de inteligência artificial a dados financeiros levanta, no entanto, questões pertinentes, principalmente tendo em conta a propensão da tecnologia para cometer erros e "alucinar" - dar respostas convincentes e internamente coerentes, mas factualmente erradas.
Luís Paulo Reis tem, no entanto, uma visão otimista do encontro entre a IA e o dinheiro. Afirma que "as alucinações são, neste momento, um problema do passado", vincando que "qualquer problema de alucinação deve-se ao facto de as pessoas não saberem comunicar corretamente com a IA", e acredita nos benefícios de delegar à IA o nosso dinheiro - "podemos fazer uma melhor gestão das nossas finanças e pagamentos mais inteligentes" -, mas reconhece que a IA pode estar mais sujeita a "vulnerabilidades cibernéticas" e "alguma perda de controlo humano".
Acredita, portanto, que este passo tem de ser tomado com "bastante cuidado, sempre com total transparência e limitação clara daquilo a que pode aceder, certificação prévia de que funciona e, sobretudo, cibersegurança avançada". Acredita que, com estas salvaguardas, a confiança na IA deverá crescer com o tempo: "Já há muita confiança na IA em áreas como o diagnóstico médico, em transportes autónomos como carros e comboios, na defesa e na indústria. Delegar tarefas importantes à IA é inevitável, mas deve ser feito com responsabilidade, transparência e supervisão."
Portugueses com mais adesão, mas menos entusiasmo
O aumento do uso de ferramentas de IA como o ChatGPT em Portugal é corroborado por estudos como o Consumer Sentiment Survey 2024, do Boston Consulting Group (BCG), que indica que o número de utilizadores frequentes da tecnologia está em tendência crescente: 52% dos inquiridos declararam ter utilizado IA pelo menos uma vez por mês em 2024 (mais 9% do que no ano passado), e 31% disseram fazê-lo mais de uma vez por semana, um aumento de 8% em relação a 2023.
Ainda de acordo com o estudo, baseado em entrevistas a 1.000 portugueses no território continental, 26% dos inquiridos declarou já ter experimentado IA, mas não usufruir dela consistentemente, e apenas 22% ainda não utilizou estas ferramentas - um decréscimo de 16% em relação ao ano passado. A utilização frequente entre jovens dos 18 aos 24 anos disparou para 64%, enquanto que a de idosos - com mais de 64 - diminuiu para 29%.
No entanto, as conclusões refletem ainda uma diminuição da crença na importância da tecnologia no País. Apenas 20% dos portugueses acredita que a IA terá um impacto significativo nas suas vidas, num decréscimo de 13%, e um total de 23% acredita que a IA terá pouco ou nenhum impacto. Também o interesse e o entusiasmo pela IA diminuiu: 42% dos portugueses comunicaram estes sentimentos, menos 5% do que em 2023, e 41% admitiu sentir cautela ou preocupação com a proliferação da tecnologia.
Para Luís Paulo Reis, os sentimentos são uma consequência da relativa desinformação da população portuguesa sobre IA. "Mais de dois terços [72%] dos inquiridos disse que precisam de mais formação em IA, e têm razão, porque vai ser cada vez mais prevalente", aponta. Conversamente, "poucas pessoas disseram que temiam que os seus empregos desapareceriam [8%], o que está errado, porque muitos vão desaparecer", prevê, e "muitos disseram que a IA não teria impacto nas suas vidas porque não têm a formação adequada".
Afirma ainda que "mesmo pessoas com boa formação em engenharia informática não têm noção do que é a IA e do que será o seu futuro", preconizando que serão empregos desta área, como o de programador, os mais afetados: "A IA programa melhor do que um programador, e por isso a profissão em si está condenada ao desaparecimento". Mas não são apenas os programadores a estar em risco: "Em quase todas as áreas, o profissional mau ou mediano tenderá a ser substituído por IA, enquanto o profissional bom ou muito bom aprenderá a trabalhar com a IA".
Mais a salvo, de acordo com o especialista, ficarão os empregos "que impliquem mais contacto humano", numa espécie de "vingança da classe operária": "Se a robotização substituiu os trabalhos manuais, a nova revolução da IA vai substituir os trabalhos intelectuais". Nem tudo é negativo, no entanto: "As pessoas vão trabalhar menos e ter mais tempo para dedicar a tarefas mais estimulantes, e obviamente haverá uma reconversão no mercado de trabalho". A área mais promissora? "A robótica, que terá um crescimento exponencial nos próximos anos."
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