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ChatGPT: Inteligência artificial usada em julgamento na Colômbia

Diogo Barreto
Diogo Barreto 03 de fevereiro de 2023 às 13:28
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Um juiz colombiano pediu ajuda ao programa para decidir sobre um caso de um menor. Mas garante que não deixou que o robô decidisse por si (apesar da decisão final ter sido a sugerida pelo ChatGPT).

"O propósito de incluir estes textos produzidos por inteligência artificial (IA) não tem qualquer intenção de substituir as decisões tomadas pelos juízes", pode ler-se numacórdão de um tribunal de Cartagena, na Colômbia. O juiz relator recorreu a um programa de inteligência artificial - oChat GPT- para escrever parte da decisão, acreditando que este mecanismo pode ajudar a acelerar a justiça colombiana.

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O juiz foi chamado a decidir sobre se o seguro devia cobrir todos os custos do tratamento de uma criança com um transtorno do espectro autista. Além de procurar precedentes legais que pudessem ajudar à decisão, Juan Manuel Padilla pediu à ferramenta de IA que o ajudasse a responder a algumas questões legais. No final concluiu que o seguro devia pagar a totalidade dos custos dos tratamentos da criança, já que os pais não tinham como os pagar.

As quatro perguntas que Padilla deixou à ferramenta informática foram as seguintes:

- Um menor autista está exonerado de pagar taxas moderadoras na sua terapia?

- As ações de proteção nesses casos devem ser deferidas?

- Exigir, nesses casos, taxa de moderador é uma barreira ao acesso a serviços de saúde?

- O Tribunal Constitucional tem proferido decisões favoráveis em casos semelhantes?

Dos vários mecanismos de "conversa inteligente" disponíveis na Internet, recorreu ao mais badalado do momento: o Chat GPT, da OpenAI. Depois de obter as respostas geradas pela inteligência artificial, o juiz analisou-as e concordou com as conclusões a que havia chegado: "Segundo a lei colombiana, os menores diagnosticados com autismo estão isentos de pagar os custos de terapia".

A OpenAI é uma das empresas mais visíveis no desenvolvimento de inteligência artificial das últimas décadas. Foi criada por Sam Altman, Ilya Sutskever e Greg Brockman em 2015. Todos tinham um percurso no mundo da tecnologia e o apoio financeiro de Elon Musk e Peter Thiel. Recentemente lançou a mais recente versão do Chat GPT que se tornou num fenómeno global. O Chat GPT é uma aplicação que utiliza o programa GPT-3.5 para "responder" a perguntas. Com uma capacidade computacional bastante alargada, consegue procurar respostas "lógicas" (tem muitas falhas ainda) a perguntas feitas pelos utilizadores. E as respostas podem ir desde traduções, a pesquisas rápidas e resumos, bem como sugerir correções. O juiz colombiano usou o Chat GPT para responder a dúvidas legais, mas a sua decisão não foi pacífica.

Advogados colombianos vieram criticar a decisão de Padilla, lembrando que o ChatGPT, em várias situações, se engana no significado de um determinado artigo de legislação, confunde artigos (o mesmo acontece na lei portuguesa: a SÁBADOpediu ao ChatGPT que providenciasse o texto de um artigo do Código Civil e o programa respondeu com o texto de um artigo diferente). Além disso, há situações em queo mecanismo inventa mesmo informação(por exemplo, sobreOs Maias, de Eça de Queirós, diz o ChatGPT: "O romance segue a vida dos três irmãos Maia - Carlos, Ega e Maria").

Mas Padilla defende-se, afirmando que não colocou a decisão do caso nas respostas do programa, apenas usou a sua ajuda para escrever texto com o qual o mesmo concorda. E no acórdão justifica mesmo: "O que procuramos é otimizar o tempo despendido na redação de sentenças", acrescentando ainda que a própria lei colombiana promove a utilização de tecnologias para ajudar a acelerar a justiça.

Numprograma de rádio colombiano, o juiz defendeu que "ao fazer perguntas à aplicação, não deixamos de ser juízes, continuamos a pensar".

Padilla defendeu o uso da tecnologia, sugerindo que ela poderia tornar o sobrecarregado sistema jurídico da Colômbia mais eficiente. O juiz disse que o ChatGPT e outros programas semelhantes podem ser úteis para "facilitar a redação de textos", mas "não com o objetivo de substituir" juízes. Também insistiu que, "ao fazer perguntas à aplicação, não deixamos de ser juízes, seres pensantes".

Octavio Tejeiro, juiz do Supremo Tribunal da Colômbia, disse ao jornal britânicoThe Guardian, que a princípio a utilização da IA causou pânico, mas que acredita que venha a ser uma ferramenta útil aos tribunais. "A justiça deve aproveitar a tecnologia como ferramenta", afirmou.

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