Novos crimes e reforços nas penas para infrações tecnológicas estão nos planos espanhóis. Em Portugal, estamos atrasados no debate, e a restrição dos telemóveis nas escolas é "simplista".
A série de êxito da Netflix Adolescência trouxe de volta para o centro do debate público o uso das redes sociais para crianças e adolescentes, e o potencial perigo de serem expostos a conteúdos sexuais e discriminatórios. Coincidentemente, o tema marca também o debate político em vários países, à medida que reforçam legislação para proteger os menores de um ambiente digitalcada vez mais desregulado.
MediaLivre
No passado mês de novembro, a Austrália aprovou a proibição do uso de redes sociais a menores de 16 anos, tornando-se no primeiro país do mundo a impor este tipo de proibição em prol da salvaguarda da saúde mental das crianças. Esta semana, Espanha prepara-se para seguir pelo mesmo caminho, aprovando em Conselho de Ministros uma lei que seguirá, agora, para o Congresso espanhol.
Caso seja aprovada, a Lei Orgânica para a Proteção de Menores nos Entornos Digitais prevê que os jovens só possam aceder às redes sociais a partir dos 16 anos, e que todos os dispositivos digitais com ligação à internet passem a ser comercializados com controlo parental - uma obrigatoriedade imposta aos fabricantes desses produtos. Além disso, a lei determina uma regulação mais apertada dos aparelhos nas escolas - não só nas salas de aula, mas também nos intervalos e restantes atividades.
As novas normas representariam um reforço no atual código legal relativo ao uso de tecnologias por menores, que hoje proíbe o uso a menores de 14 anos, mas cuja eficácia é mínima ou inexistente: de acordo com o Ministério da Presidência espanhol, 98% das crianças com menos de 11 anos já tiveram algum tipo de contacto com redes sociais. Se a generalidade das tecnologias é proibida a menores de 16 anos, a barreira dos 18 é estabelecida para o acesso a jogos ou plataformas com as chamadas caixas de recompensa, que dão direito a prémios online.
Entre as novidades, estão ainda novos crimes digitais, como a criação de deepfakes - conteúdo audiovisual manipulado com recurso a inteligência artificial -, que passa a dar direito a pena de até dois anos, com agravamento caso o conteúdo seja disseminado através das redes sociais ou cometido "contra meninas, meninos ou adolescentes", e o aumento de penas de crimes já existentes, como o grooming - avanços sexuais a menores por parte de adultos pela internet, por vezes fazendo-se passar por crianças.
Segundo relata o jornal El País, a lei implicará a alteração do Código Penal espanhol para que infratores condenados passassem a ser impedidos de aceder a/ou comunicar através de redes sociais, fóruns ou outras plataformas de comunicação, bem como de aceder a qualquer dispositivo ou tecnologia virtual durante o cumprimento da sua pena.
Ainda como parte da lei estão novas formas de identificar a dependência tecnológica em crianças e jovens: além dos exames habituais em consultas psiquiátricas, o país quer implementar uma triagem na qual se avalia o uso problemático destas tecnologias, e quaisquer problemas de saúde que lhes possam estar associados.
"Estamos a atacar o problema da forma mais simplista"
As medidas são o resultado de um conhecimento cada vez mais completo dos efeitos nefastos das redes sociais em jovens e adolescentes: de acordo com um estudo publicado este mês, um em cada 12 menores já foi vítima de alguma forma de agressão sexual através da internet, revela a revista científica The Lancet.
O problema não se resume a este tipo de agressões, como explica Tito de Morais, fundador do projeto Miúdos Seguros na Net e representante do StopCyberBullying em Portugal. "Estamos a falar do desenvolvimento cerebral dos jovens", diz o especialista, que explica que, antes dos 24 anos, "o córtex pré-frontal não está desenvolvido", o que os deixa "vulneráveis ao conteúdo com que se confrontam, porque não têm desenvolvida a capacidade de medir consequências".
O perigo é amplificado pelo facto de "quer para jovens, quer para adultos, existir um mecanismo de recompensa, que incentiva ao uso contínuo e reforço do prazer", uma tendência humana que é "explorada pelas aplicações de redes sociais" e que "algumas tecnológicas levaram mais longe através de práticas de design enganador, ou dark patterns" - interfaces que procuram levar o utilizador a agir contra a sua vontade, proibidas pela UE.
O combate a estas tendências nas camadas mais jovens, afirma Tito de Morais, está ainda numa fase muito incipiente em Portugal: "Estamos a atacar o problema da forma mais simplista e menos eficaz, proibindo estas ferramentas na escola, o que não vai surtir efeito porque, lá fora, estes conteúdos vão continuar a existir." É preciso, defende, "atacar o problema na fonte".
Salienta, para isso, a importância de "proibir determinado tipo de conteúdos manifestamente ilegais", de que são exemplos as publicações "racistas, xenófobas ou misóginas", e criar "mecanismos de verificação de idade para se poder aceder a conteúdos para adultos", alguns dos quais, nota "já existem para jogos de azar" e podem, portanto ser igualmente aplicados à "pornografia e redes sociais".
Além destas vertentes, considera fundamentais a "abordagem parental" - "Os pais têm que perceber que, por muito conveniente que seja dar o telemóvel a uma criança num restaurante, estão a começar a criar um hábito com uma idade muito precoce, e que, depois de enraizado, é muito difícil de resolver", podendo envolver até "internamentos e tratamentos do domínio da psicologia e psiquiatria" - e a "abordagem educacional", com as disciplinas de TIC e Cidadania a cobrir "estas temáticas de forma mais abrangente e intensa".
Refere, no entanto, que permanecem "sérias dúvidas sobre a eficácia" de uma medida semelhante à australiana ou espanhola. Sublinha que o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) limita o acesso a maiores de 13 anos, mas "verificamos que basta mentir na idade para se abrir uma conta numa rede social". Tito de Morais defende que devem ser implementados "mecanismos de verificação de idade", mas lembra que ainda não há consenso sobre o modo de aplicação destas restrições, que poderão ser feitas "ao nível do sistema operativo ou das próprias aplicações".
Afirma que as organizações que representa estão "a tentar que o tema seja debatido em Portugal", e que as empresas tecnológicas são parte essencial da solução: "Têm de começar a por a carteira onde só tinham posto a boca, e promover e divulgar as ferramentas de controlo parental que já têm nas suas aplicações".
Para poder adicionar esta notícia aos seus favoritos deverá efectuar login.
Caso não esteja registado no site da Sábado, efectue o seu registo gratuito.
O humor deve ser provocador, desafiar convenções e questionar poderes. É um pilar saudável da liberdade de expressão. Mas quando deixa de ser crítica legítima e se transforma num ataque reiterado e desproporcional, com efeitos concretos e duradouros na vida das pessoas, deixa de ser humor.
O poder não se mede em tanques ou mísseis: mede-se em espírito. A reflexão, com a assinatura do general Zaluzhny, tem uma conclusão tremenda: se a paz falhar, apenas aqueles que aprendem rápido sobreviverão. Nós, europeus aliados da Ucrânia, temos de nos apressar: só com um novo plano de mobilidade militar conseguiríamos responder em tempo eficaz a um cenário de uma confrontação direta com a Rússia.
Até porque os primeiros impulsos enganam. Que o diga o New York Times, obrigado a fazer uma correcção à foto de uma criança subnutrida nos braços da sua mãe. O nome é Mohammed Zakaria al-Mutawaq e, segundo a errata do jornal, nasceu com problemas neurológicos e musculares.