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Discurso de ódio e fact-checking. O que muda no Facebook e Instagram?

Sofia Parissi
Sofia Parissi 12 de janeiro de 2025 às 10:00
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Mark Zuckerberg anunciou mudanças que, para já, se aplicam nos EUA. Meta "foge da consciência de que tudo aquilo que fizer tem um impacto", considera especialista.

O novo código de conduta de ódio anunciado pela Meta permite que os comentários de utilizadores de redes sociais como o Instagram e o Facebook defendam limitações no acesso a determinadas profissões com base na orientação sexual, e façam alegações de doença mental ou anormalidade com base no género ou orientação sexual.

Além disso, foram removidas alíneas que "proibiam" comparar ou referir-se a "mulheres como objetos domésticos ou propriedade" e "chamar pessoas transgénero e não-binárias de 'isto'". 

A política de supervisão do discurso de ódio foi reforçada no Facebook em 2020, depois de vários funcionários da empresa, marcas e utilizadores pedirem uma maior regulação deste tipo de conteúdos. No entanto, em janeiro de 2025 foram implementadas novas regras que se aplicam às redes sociais que pertencem à Meta: Facebook, Instagram e Threads, para já apenas nos EUA. As atualizações na política de supervisão foram anunciadas esta semana pelo CEO da empresa, Mark Zuckerberg, num vídeo publicado nas redes sociais  em que começa por explicar que está "na hora de voltarmos às nossas raízes em torno da liberdade de expressão no Facebook e no Instagram". 

"É culturalmente e socialmente perturbador assistirmos a este tipo de desresponsabilização sobre o tomar partido acerca do discurso de ódio. E há aqui outra dimensão: estamos a partir do pressuposto que todos os agentes nas plataformas são humanos, mas não são", diz à SÁBADO Paulo Nuno Vicente, investigador da Universidade Nova de Lisboa e fundador e coordenador do iNOVA Media Lab, que se dedica à investigação da inovação e transformação digital. "Este ambiente de desresponsabilização sobre o discurso de ódio irá facilitar também a disseminação deste discurso de ódio por contas e agentes de inteligência artificial", afirma. 

Além disso, o investigador admite a possibilidade de existir uma relação entre acontecimentos políticos e a tomada de posição da Meta. "Porquê agora? Porque provavelmente não havia um ambiente de favorecimento político a este tipo de iniciativas (...)".

Sobre a cooperação com o governo norte-americano, o CEO da Meta afirmou: "Vamos trabalhar com o presidente Trump para fazer frente aos governos do mundo que estão atrás de empresas americanas a fazer pressão para uma maior censura". Zuckerberg referiu também que a Europa tem um número cada vez maior de leis que promovem a censura e que "os Governos e os meios de comunicação têm pressionado para censurar mais e mais". 

O futuro presidente dos EUA afirmou em 2020 que as redes sociais "silenciam completamente as vozes conservadoras". E até chegou a ameaçar colocar-lhes restrições severas: "Vamos aplicar regulações severas ou fechá-las [as redes sociais] antes que isso aconteça". Em 2021, Donald Trump foi banido de redes sociais como a X [antigo Twittter] e o Facebook, após o ataque ao Capitólio, a 6 de janeiro. E em 2022 criou a sua própria rede social, a Truth Social. 

"Há claramente uma correlação com o facto de termos Elon Musk na administração americana, não é surpreendente nesse sentido, mas o problema deste anúncio (associado a outros) é que estas plataformas, neste caso a Meta, foge da consciência de que tudo aquilo que fizer tem um impacto, quase como uma jurisprudência", alerta Paulo Nuno Vicente.

Em novembro de 2024, após vencer as eleições norte-americanas, Donald Trump anunciou que iria nomear Elon Musk [CEO da Tesla e dono da rede social X] como chefe de um novo departamento de eficiência governamental.

No anúncio feito esta semana, Zuckerberg referiu ainda que a verificação de factos [em vigor desde 2016, e utilizada como meio para reduzir a desinformação] vai deixar de existir e vai ser substituída por "notas da comunidade" [correções feitas pelos utilizadores], semelhante ao que acontece na rede social X. 

Paulo Nuno Vicente acredita que este "ato de desresponsabilização, de dizer que a Meta não tem de verificar [o conteúdo], ao contrário do que o próprio Mark Zuckerberg pretende, é na verdade o maior atestado de incapacidade para se operar na esfera pública". O especialista relembra que "a saúde da democracia depende da qualidade da informação que temos".

Nos últimos anos, movimentos digitais como o dos anti-vacinas durante a pandemia da Covid-19 motivaram a criação de códigos de conduta nestas plataformas na UE. Em 2018, foi criado o Código de Conduta sobre Desinformação da UE [reforçado em 2022], que funciona como "um instrumento eficaz para limitar a propagação da desinformação em linha, nomeadamente durante os períodos eleitorais, e para responder rapidamente a crises, como a pandemia de COVID-19 e a guerra na Ucrânia", pode ler-se no site oficial da Comissão Europeia.   

"A desresponsabilização por parte da empresa claro que pretende criar uma política de ambiguidade, que é mais permeável à polémica. A polémica é favoravel às métricas que são conducentes à venda de publicidade", explica o investigador da Universidade Nova.

Apesar destas alterações, as políticas relativas ao discurso de ódio continuam a não permitir comentários que apelem, por exemplo, a "estereótipos prejudiciais historicamente ligados à intimidação ou violência" ou à segregação de um grupo de pessoas. Sobre a possibilidade das novas regras chegarem à Europa, Paulo Nuno Vicente refere: "Não é uma realidade os europeus deixarem de ter acesso às plataformas. O que pode acontecer é que a empresa tenha de garantir que as funcionalidades estejam em conformidade com os regulamentos europeus". 

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