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Navalny. De ultranacionalista a líder da oposição a Putin

Lusa 16 de fevereiro de 2024 às 13:26

Chegou ao fim o caminho do líder da oposição russa. Antes de ser preso, Navalny afirmou esperar uma pena "longa, estalinista". Morreu aos 47 anos.

A morte na prisão do opositor russo Alexei Navalny encerrou hoje uma vida de ativismo político que começou no ultranacionalismo mas derivou para a luta à corrupção e à guerra, que o Kremlin condenou como "extremismo".

REUTERS/Evgenia Novozhenina/File Photo

Na véspera da sua condenação a 19 anos de prisão em agosto passado, afirmou esperar uma pena "longa, estalinista" e exortou os russos a continuarem a "resistir" ao regime.

Alexei Navalny, que morreu com 47 anos na colónia penal ártica de Yamal-Nenets, tinha sobrevivido a um envenenamento em 2020 pelo qual responsabilizou o Kremlin.

O irregular percurso político de Alexei Navalny, definido como o principal crítico do Kremlin e do Presidente Vladimir Putin, permitiu-lhe alcançar notoriedade quando se concentrou no combate à corrupção nos círculos do poder.

Ao contrário de muitos opositores, forçados ao exílio após as medidas repressivas da liderança do Kremlin após a designação de Vladimir Putin em 2000, Navalny, de 47 anos, decidiu permanecer em Moscovo com a mulher e os dois filhos. A avalanche de processos, penas de prisão, residência fixa ou multas, também aplicadas a muitos colaboradores, não o dissuadiram.

Em 2003, o jovem advogado juntou-se ao partido Iabloko, uma formação liberal da década de 1990 hoje quase extinta. Será expulso em 2007, devido a fricções internas pelo poder e pelas suas posições consideradas nacionalistas e violentas.

Na década de 2000, e dirigente do pequeno grupo Narod (O Povo), participou na Marcha russa, um desfile que juntou todos os movimentos ultranacionalistas. Nos seus discursos públicos, atacou os imigrantes, os caucasianos, apoiou a intervenção militar russa na Geórgia em 2008 e afirmou-se defensor dos interesses do "povo russo".

Estas posições ostracizaram-no durante vários anos entre diversos dirigentes da oposição, incluindo em 2011 e 2021, quando se impõe durante as manifestações que denunciam fraudes eleitorais.

Após uma passagem, em 2010, pela Universidade Yale de New Haven (Estados Unidos), Navalny muda de posição e impõe-se nos protestos, ao considerar a Rússia Unida de Putin um partido de "escroques e ladrões", uma palavra de ordem que passa a dominar os protestos.

Este percurso permite-lhe afirmar-se como o líder da oposição, face a concorrentes com audiências muito reduzidas. Assim, prescinde de apresentar um programa político e centra-se em duas frentes: o combate à corrupção -- uma prática já corrente na anterior Presidência de Boris Ieltsin -- e a defesa de eleições livres e justas.

No início dos anos 2000, o jovem advogado e antigo conselheiro de um governador denuncia um blogue e depois uma página digital designada Rospil (abreviação que indica "pilhagem da Rússia") evasões fiscais, desvios de dinheiro, irregularidades financeiras.

Esta atividade permite-lhe revelar diversos escândalos (empresa Transneft, banco público VTB, Aeroflot) e a "pilhagem dos recursos e da riqueza nacional". Os inquéritos, bem documentados e que revelam corrupção massiva ao mais alto nível, inquietam o Kremlin.

Navalny decide elevar a fasquia ao fundar em 2011 o Fundo de Luta Contra a Corrupção (FBK), que se destaca de início numa investigação relacionada com Dmitri Medvedev, antigo Presidente e primeiro-ministro e um delfim de Putin.

Nesta fase, começa a ser designado de "Julian Assange russo". Foi autorizado a apresentar-se às eleições municipais de Moscovo em 2013 (obtém uns significativos 27% dos votos), mas impedido de concorrer às presidenciais de 2018, apesar de a campanha mobilizar 200.000 ativistas em cerca de 100 delegações por todo o país.

É neste período que emite um apelo ao "voto inteligente", ao pedir aos seus apoiantes para votarem nos candidatos da oposição parlamentar mais bem colocados para derrotarem o partido Rússia Unida de Putin.

A situação precipitou-se após ter acusado o Presidente russo de ordenar o seu envenenamento com um agente neurotóxico do tipo Novitchok em agosto de 2020.

Após longa convalescença na Alemanha, regressou à Rússia em meados de janeiro passado, de imediato detido e condenado a dois anos e meio de prisão num caso de fraude ocorrido em 2014 e que denuncia como politicamente motivado.

Detido na colónia penal IK-2 na região de Vladimir, 85 quilómetros a leste da capital russa, o crítico do Kremlin anunciou em 31 de março de 2021 uma greve de fome em protesto contra as suas condições de detenção, acusando a administração penitenciária de lhe recusar cuidados de saúde e de "tortura" por privação do sono. Será hospitalizado devido à deterioração do seu estado de saúde.

Apesar de nunca ter constituído uma ameaça séria para o regime, pelo facto de a sua popularidade ainda ser limitada, Navalny permaneceu o último opositor de envergadura a Vladimir Putin.

Em 20 de outubro de 2021, o opositor recebe o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, atribuído pelo Parlamento Europeu.

Acusado e julgado por "fraude" e "desrespeito ao tribunal", é condenado em 22 de março de 2022 a nove anos de prisão e transferido para um estabelecimento prisional a 250 quilómetros a leste de Moscovo, de onde continuou a denunciar e criticar a invasão russa da Ucrânia.

Na sua mais recente intervenção pública, tinha proposto aos russos que se opõem ao Presidente Vladimir Putin para votarem à mesma hora nas eleições de março: "Gosto da ideia de que aqueles que votam contra Putin vão às urnas à mesma hora, ao meio-dia. Meio-dia contra Putin", afirmou nas redes sociais.

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