O líder ucraniano respondeu ao pedido de Trump para se demonstrar disponíveis para conversações com a Rússia, mesmo enquanto os ataques continuam. Luís Tomé considera que Trump quis também "retirar o tapete aos europeus".
A publicação de Donald Trump nas redes sociais para pressionar a Ucrânia a iniciar imediatamente as negociações para a paz com a Rússia, deixando de lado a exigência europeia de umas tréguas de 30 dias para que decorressem as negociações, "veio baralhar as cartas", considera Luís Tomé, diretor do departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma.
ASSOCIATED PRESS
Volodymyr Zelensky foi rápido a responder e já garantiu que vai estar na Turquia amanhã, quinta-feira, "à espera de Putin", apesar de a sua proposta de cessar-fogo continuar em cima da mesa e a aguardar uma resposta russa: "Não faz sentido prolongar as mortes. Estarei à espera de Putin na Turquia na quinta-feira. Pessoalmente. Espero que desta vez os russos não arranjem desculpas".
O desafio do presidente ucraniano surge depois do presidente norte-americano ter pressionado Zelensky para aceitar a proposta de Moscovo para negociações em Istambul. Trump escreveu na Truth Social: "O presidente da Rússia não quer um acordo de cessar-fogo com a Ucrânia, mas sim uma reunião na quinta-feira, na Turquia, para negociar um possível fim ao banho de sangue. A Ucrânia deve concordar com isso, imediatamente. Pelo menos eles poderão determinar se um acordo é possível ou não, e se não for, os líderes europeus e os Estados Unidos saberão em que pé estão as coisas e poderão proceder de acordo!".
Luís Tomé considera que "Zelensky teve uma mudança de estratégia desde aquela trágica visita à Casa Branca, o que está a tentar fazer agora é mostrar-se o mais próximo possível de Trump, mostrando-se disponível a seguir os seus esforços diplomáticos para não perder por completo o apoio dos Estados Unidos e demonstrar que a guerra continua apenas por culpa de Putin".
Prova disso é que "a questão das tréguas de 30 dias começou por ser uma proposta americana que Zelensky entretanto assumiu como sua e ganhou também o apoio europeu".
Por outro lado, Vladimir Putin já referiu que só aceita negociar se as conversações forem centradas nas "causas profundas do conflito" e tem rejeitado os pedidos para um cessar-fogo de 30 dias. Apesar de ter anteriormente referido que as delegações dos dois países se deviam reunir na quinta-feira na Turquia ainda não respondeu ao repto deixado por Zelensky.
Não existem grandes esperanças de que Putin vá mesmo a Istambul, ou pelo menos não existiam antes de Trump ter referido que ele próprio poderia fazer um desvio na sua visita ao Médio Oriente e estar presente para mediar as negociações: "Os russos e os ucranianos são ótimos a jogar xadrez, mas Trump vai baralhar mais uma vez as cartas quando também se disponibiliza a ir a Istambul". Ao que parece a próxima jogada será a de Putin que está sem muitas opções para responder. E se optar por não marcar presença nas negociações, pode até ser positivo para a Ucrânia uma vez que "os estados europeus e a Ucrânia estão a tentar demonstrar que a Rússia não é um parceiro fiável e pressionar Trump a sancionar Putin", acredita o professor universitário.
Ainda assim, Luís Tomé acredita que estas negociações diretas são muito difíceis de acontecerem porque "se por um lado a Rússia não reconhece legitimidade a Zelensky porque o país deveria ter tido eleições o ano passado e não teve devido à lei marcial", o que até levou Trump a chamar Zelensky de ditador, "por outro o presidente ucraniano está legalmente impedido, por uma lei que ele próprio promoveu, de negociar a paz com a Rússia enquanto a ofensiva não terminar". O especialista refere que foi também por causa dessa lei que nas últimas negociações quem esteve presente foi a ministra dos Negócios Estrangeiros, "mas Zelensky decidiu passar por cima dessa lei para se demonstrar disponível".
Além das reivindicações territoriais sobre as regiões ocupadas, é esperado que Moscovo exija garantias sobre as futuras decisões políticas e militares ucranianas, incluindo "o fim do apoio militar ocidental e o desarmamento ucraniano". O Kremlin já garantiu que não vai aceitar o envio de tropas ocidentais para a Ucrânia pelo que Luís Tomé acredita que neste momento "está tudo em aberto, mas a desfavor da Ucrânia".
Trump quis "tirar o tapete aos europeu"
Esta proposta para negociações direta sem tréguas promovida pelo presidente norte-americano foi, mais uma vez, uma virada de costas de Trump aos antigos aliados europeus depois de dar a entender que existiu uma aproximação.
No sábado, os líderes do Reino Unido, França, Alemanha e Polónia estiveram em Kiev com Zelensky para promover o pedido de um cessar-fogo de 30 dias, existiu até um telefonema conjunto com Trump para debater a proposta, mas o líder americano "decidiu tirar o tapete aos europeus, passando por cima das suas propostas".
Luís Tomé alerta que "Trump segue uma agenda própria, maioritariamente motivada pelos negócios", pelo que não é de descartar a hipótese de que "pode haver algum entendimento com o lado russo anterior a esta jogada".
"Se Putin aparecer em Istambul pode fazer as suas exigências e se for apoiado por Trump deixa Zelensky aparentemente isolado e ao mesmo tempo Trump demonstra mais uma vez que não conta com os parceiros europeus", conclui o professor universitário.
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"O afundamento deles não começou no Canal; começou quando deixaram as suas casas. Talvez até tenha começado no dia em que se lhes meteu na cabeça a ideia de que tudo seria melhor noutro lugar, quando começaram a querer supermercados e abonos de família".