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PAN: Congresso tem de acontecer este ano, exige jurisdição

Já devia ter acontecido há dois meses congresso que põe à prova liderança de Inês Sousa Real. Parecer interno do PAN frisa que direção deve fazer "marcação célere do próximo congresso e respetiva realização ainda no decurso do presente ano". Jurisdição do partido cita estatutos de 2018 e contradiz a líder nas normas estatuárias em vigor.

Já se passaram dois meses desde que foi ultrapassado o prazo para a realização do congresso nacional do PAN, o órgão máximo do partido responsável pela eleição da respetiva liderança, segundo os estatutos em vigor. E novo conselho de jurisdição do PAN, em funções após a demissão em bloco dos antecessores em novembro, deliberou este mês que a direção do partido deve "anunciar uma data para a sua realização ainda no presente ano de 2025". 

LUSA

"O conselho de jurisdição nacional considera que, não obstante a ultrapassagem do prazo formal de dois anos, a não realização do congresso nacional até maio de 2025 se encontra enquadrada por força de circunstâncias políticas excecionais, devendo, porém, ser regularizada com a marcação célere do próximo congresso e respetiva realização ainda no decurso do presente ano, de modo a salvaguardar-se a integridade estatutária e a confiança interna dos filiados", lê-se no parecer, a que a SÁBADO teve acesso, aprovado por unanimidade no dia 17 de julho de 2025, assinado por Jorge Rodrigues da Silva, coordenador do órgão.

Aos olhos do conselho de jurisdição do PAN, a não realização do congresso no prazo estipulado pelos estatutos não constitui qualquer "infração dolosa ou negligente" por parte da direção do partido. "É uma consequência direta de dois acontecimentos políticos extraordinários, alheios à vontade dos órgãos nacionais", argumenta o coordenador da jurisdição, referindo-se ao ano político atípico com dois atos eleitorais — legislativas e regionais na Madeira —, que terão obrigado a "uma mobilização intensa dos recursos humanos, logísticos e financeiros do partido". "Tal circunstância acarretou, de forma objetiva, a impossibilidade prática e estratégica de convocar e organizar o congresso nacional no prazo estatutário, sem comprometer a capacidade de ação política do PAN num momento eleitoral decisivo. (...) O princípio da proporcionalidade e da razoabilidade deve ser convocado na interpretação estatutária, por forma a evitar uma leitura formalista que desconsidere o interesse superior da participação democrática do partido em atos eleitorais nacionais", conclui. 

Contudo, órgão responsável pela jurisdição do partido insta à convocação do congresso para os órgãos do partido estarem "legitimados democraticamente". "Não é menos verdade ser fundamental que os órgãos do partido, e suas decisões, devam estar legitimados democraticamente, enquadradas pelas regras estatutárias pelo que este conselho insta à convocação do congresso nacional com a maior brevidade possível, devendo a comissão política nacional [órgão de direção] anunciar uma data para a sua realização ainda no presente ano de 2025", lê-se no documento. 

Jurisdição contradiz líder

A legitimidade da liderança de Inês Sousa Real tem sido posta em causa, pelos resultados eleitorais e gestão interna. Depois de perder o eurodeputado e de perder 30% dos votos face às legislativas de 2024, ficando a cerca de cinco mil votos do ADN, a liderança está no centro de críticas internas. Entre uma recolha de assinaturas a pedir um congresso extraordinário até uma carta aberta subscrita por 35 signatários, entre eles a ex-deputada Bebiana Cunha e o antigo presidente do conselho de jurisdição Miguel Queirós, têm existido várias iniciativas nesse sentido.

Até este parecer do conselho de jurisdição, o assunto da convocação de um novo congresso foi tabu. Ao que a SÁBADO sabe, vários membros da comissão política nacional têm tentado levantar o tema em sede de direção, mas a mesa considerava que não era oportuno discutir o ponto. Por que motivo ainda não foi debatido? E por que motivo não foi convocado o congresso? O partido não respondeu às questões colocadas pela SÁBADO esta semana. Contudo, em declarações à SÁBADO antes das eleições, Inês Sousa Real afirmou que "o congresso eletivo é sempre depois [das autárquicas] porque o mandato é de três anos" — ou seja, em maio de 2026. "Teremos um congresso estatutário, que está previsto nos estatutos e que é distinto de um congresso eletivo. (...) No meio de tantos atos eleitorais, os partidos precisam de se ajustar a esta realidade porque neste momento temos objetivos fundamentais", concretizou a líder. Problema: esta interpretação da líder do PAN baseou-se nos estatutos aprovados em 2023, entretanto chumbados pelo Tribunal Constitucional — e o próprio conselho de jurisdição citou neste parecer os estatutos em vigor, de 2018, reforçando a decisão do Palácio Ratton.

"Nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 4 dos Estatutos do PAN, encontra-se prevista a realização ordinária do congresso nacional com uma periodicidade de dois anos. O último Congresso teve lugar em 20 de maio de 2023, pelo que o prazo estatutariamente previsto apontava para a sua realização até maio de 2025. Os estatutos não preveem expressamente exceções à obrigatoriedade deste prazo, nem consagram mecanismos formais de prorrogação automática", considerou o órgão de jurisdição do PAN. De facto, o artigo 10.º, n.º 4 referido pelo órgão jurisdicional refere-se aos estatutos de 2018: "o congresso nacional realiza-se com uma periodicidade de dois anos, podendo ser convocado extraordinariamente por iniciativa da comissão política nacional ou de vinte por cento das filiadas e filados", sem qualquer menção a 'congresso eletivo trienal'. Esse termo, usado por Inês Sousa Real, consta nos estatutos de 2023, chumbados pelo Tribunal Constitucional — e o artigo 10.º desses estatutos refere-se aos "deveres das filiadas e filiados", não ao congresso. Ou seja, o conselho de jurisdição do PAN considera válido os estatutos de 2018, contrariando o argumento usado pela líder em entrevistas.

Como forma de transparência, o conselho de jurisdição recomenda ainda que "os órgãos nacionais divulguem publicamente a justificação do adiamento, conforme os princípios de boa-fé, transparência e responsabilidade institucional para com os filiados". Ainda não aconteceu até à publicação deste artigo.

O estranho caso Carolina Pia

A crispação interna já levou a porta-voz Inês Sousa Real a promover processos disciplinares. A ex-dirigente Carolina Pia foi alvo de processo disciplinar por, segundo a versão de Sousa Real, ter sido responsável pelo partido não ter apresentado candidatura em Viseu nas legislativas deste ano. Em defesa, a antiga dirigente do PAN Carolina Pia apresentou uma participação disciplinar contra a porta-voz do partido por alegada perseguição política e assédio, acusa a direção do partido de não ter dado o apoio necessário à preparação da candidatura. A queixa acabou por ser rejeitada pela mesa da comissão política nacional, sem discussão, e foi aberto o processo disciplinar contra Carolina Pia. Por que motivo não houve discussão? Até à publicação deste artigo, o partido não respondeu às perguntas colocadas pela SÁBADO

Carolina Pia é uma das subscritoras do mote "Um só PAN", que junta vários dirigentes, ex-dirigentes e militantes em prol de uma missão: convocar a reunião magna eletiva. Segundo os estatutos reconhecidos pelo Tribunal Constitucional, é possível convocar um congresso extraordinário "por iniciativa da Comissão Política Nacional ou 20% das filiadas e filiados". "É um procedimento normal e estatutariamente previsto. É preciso um espaço de diálogo para haver uma reflexão dos resultados recentes, que não foram positivos", frisou à SÁBADO Carolina Pia, em junho.

A ex-dirigente já se tinha demitido da direção por divergências com a líder. Enquanto a líder do PAN afirmou ao canal Now que se deveu à "responsabilização" por não ter apresentado candidatura em Viseu nas legislativas deste ano. Carolina Pia rejeita as acusações da deputada única: "Não houve qualquer boicote, por ação ou omissão, por parte da Comissão Política Distrital de Viseu, que tudo fez, apesar da grave escassez de meios e apoios, em sacrifício da vida pessoal e profissional, para apresentação da candidatura – que não ocorreu por súbita tragédia familiar."

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