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Usou os nomes do procurador Rosário Teixeira e do juiz Carlos Alexandre para tentar sacar €3,5 milhões aos empresários José António Santos, Florêncio de Almeida e Bruno Macedo. Na 1ª sessão do julgamento, Hélio Marcel confessou tudo. Afinal, quem é este homem que frequentou o curso de Direito e trabalha agora como aprendiz de talhante?
Previsto para começar às 14h do passado dia 20 deste mês, a primeira sessão do julgamento atrasou-se cerca de meia hora. Durante esse tempo, no piso 4 do edifício A do Campus de Justiça, um homem alto e com uns bons quilos a mais aguardou sentado na sala de audiências do Juízo Central Criminal de Lisboa. Aos 28 anos, estava ali para ser julgado por três crimes de burla qualificada e um de falsificação ou de contrafação de documento.
Hélio Marcel Semedo, nascido em Cabo Verde, tornou-se conhecido quando a SÁBADO revelou há cerca de dois anos que tinha abordado com uma inusitada proposta vários empresários que estavam sob investigação do Ministério Público (MP): se pagassem uma quantia avultada, até em prestações, não iriam ter problemas nos processos. Os escolhidos por Hélio Marcel foram o empresário José António Santos, conhecido como o "Rei dos Frangos", e o empresário e agente de jogadores de futebol Bruno Macedo, ambos constituídos arguidos no processo Cartão Vermelho. Mas também o empresário do ramo dos táxis e imobiliário Florêncio de Almeida.
Para credibilizar as abordagens por telefone e pessoais, o alegado burlão invocou que ia a mando ou poderia exercer influência junto do procurador Rosário Teixeira e do então juiz de instrução Carlos Alexandre. Precisamente os dois magistrados judiciais que o MP arrolou como testemunhas para o primeiro dia de julgamento. Sentados já numa das salas do Campus de Justiça, Rosário e Alexandre (o juiz constituiu-se também como assistente no processo com o intuito de exigir uma indemnização) aguardaram em amena cavaqueira que o julgamento arrancasse, o que sucedeu por volta das 14h30.
O juiz presidente do coletivo começou por mandar identificar o réu e questionou-o se já tinha lido o relatório que os Serviços de Reinserção Social tinham apenas concluído no dia anterior. No documento, Hélio Marcel é descrito como um homem sem amigos ou vida social, que vive num quarto em S. João da Talha (Loures) arrendado desde julho de 2023. Um homem que mantém contactos esporádicos com uma prima da mãe em Portugal, com os irmãos que estudam em Cabo Verde e o avô paterno emigrado nos EUA.
Criado pela avó materna, Hélio Marcel trabalhou em África na construção civil e foi mandatário para a juventude de um partido político de Cabo Verde, país onde esteve matriculado durante quatro anos num curso de Direito. Segundo se lê no relatório, terá presidido à associação de estudantes do Instituto Superior de Ciências Jurídicas e também à Confederação de Estudantes da CPLP. Aos 25 anos, em outubro de 2021, emigrou de forma algo dissimulada para Portugal, tendo conseguido um visto de curta duração depois de se inscrever numa faculdade portuguesa.
Ao juiz, Hélio Marcel foi confirmando estes e outros dados do relatório social, inclusive que tem apenas o 12º ano, que acabou por não frequentar qualquer faculdade portuguesa, tendo antes trabalhado em Portugal numa fábrica de produção de embalagens para alimentos, num contact center e, atualmente, tem um contrato num supermercado localizado na Bobadela, em Loures, onde é "praticante de carnes" e ganha €840 por mês.
"Porque é que decidiu fazer isto que está na acusação?", perguntou-lhe o juiz. Hélio Marcel ficou calado durante longos segundos até soltar uma frase tímida: "Queria ajudar uma pessoa, a minha avó". O juiz não pareceu nada convencido com a continuação da explicação, pois o réu deambulou pelos problemas de saúde da mulher que morreu em 2022 e que o tinha criado como se fosse sua mãe. Disse que precisava de €30 mil para uma operação urgente. "Mas os valores que pediu [no esquema da burla] eram muito acima daquilo que diz que a sua avó precisava", atalhou o juiz lembrando que no processo estavam três casos de vítimas a quem tinham sido exigido milhões de euros. Hélio Marcel ainda balbuciou um começo de justificação dizendo que tinha tido um desgosto enorme com a morte da avó, mas ficou-se por ali.
Hélio Marcelo exigiu milhões de euros ao "Rei dos Frangos", a Bruno Macedo e a Florêncio de Almeida
O estranho esquema
Segundo a acusação da 8ª Secção do DIAP de Lisboa datada de 30 de março de 2023, Hélio Marcel mandou imprimir 100 cartões de visita com os seguintes dados: o nome "Marcel Tavares", a inscrição "Departamento Central de Investigação e Ação Penal", com o logótipo de uma balança, um email inventado deste departamento do MP que trata de sigilosos processos que visam inúmeras figuras públicas, de membros do Governo a empresários e jogadores de futebol, dois números de telemóvel e a palavra "Investigador".
Depois disto, Hélio Marcel avançou para as abordagens que o levaram a ser detido pela Polícia Judiciária. A primeira vítima foi José António dos Santos, um dos donos da empresa Avibom. Para conseguir um encontro pessoal na empresa a 3 de janeiro de 2022, Hélio telefonou antes e identificou-se como representante do ministro da Agricultura de Timor-Leste, dizendo que queria uma reunião para tratar de um assunto confidencial e urgente.
Já perante José António Santos acabaria por reconhecer que tinha recorrido aquele artificio para ser recebido e apresentar uma outra proposta: se pagasse um milhão de euros em numerário, o empresário não seria atingido por qualquer eventual crime que o visasse no processo Cartão Vermelho. Hélio Marcel disse ainda que estava mandatado pelo procurador do caso (Rosário Teixeira) e pela PJ (que na realidade não participa na investigação ainda em curso), salientando que o dinheiro era para ser dividido por várias pessoas ligadas aos processos.
O empresário despachou-o, mas ter-lhe-á dado o número de telemóvel. Nesse dia, Hélio Marcel voltou a insistir através de uma SMS onde mudou ligeiramente os termos do negócio: seriam €500 mil adiantados e os outros €500 mil quando fosse feito o arquivamento do processo. José António Santos percebeu que estava a ser ludibriado, mas nunca denunciou o caso às autoridades até a SÁBADO divulgar parte desta história a 27 de janeiro de 2022.
Hélio Marcel mandou imprimir 100 cartões de visita com o nome "Marcel Tavares", a inscrição "Departamento Central de Investigação e Ação Penal" e o logótipo de uma balança
O insucesso na abordagem do "Rei dos Frangos" não foi empecilho maior para Hélio Marcel, que avançou para outras duas vítimas: Florêncio de Almeida, o presidente da Antral, e Bruno Macedo, agente de jogadores de futebol. Num telefonema para o escritório da advogada de Macedo, Hélio Marçal repetiu a estratégia de dissimulação: disse que tinha um assunto confidencial para partilhar num encontro pessoal que devia ser feito com toda a urgência. A advogada Paula Lourenço e Bruno Macedo aceitaram o desafio. Afinal, o sujeito dizia vir "a mando" de Rosário Teixeira, o conhecido procurador que mandara deter Macedo para interrogatório, bem como José António Santos e Luís Filipe Vieira, o então presidente do Benfica.
O ponto de encontro ficou acertado para o Sheraton, um hotel de cinco estrelas que fica no centro de Lisboa. Advogada e cliente seguiram para lá, instalaram-se nos cadeirões, pediram águas e aguardaram. Até Paula Lourenço notar que tinha recebido uma SMS a remarcar o local da conversa com a justificação de que o luxuoso hotel era "muito movimentado" e o encontro exigia discrição absoluta. O novo local sugerido foi o VIP Grand Hotel, a pouco mais de 3 km do Sheraton. Advogada e Macedo seguiram de imediato a pé para lá. Chegaram por volta das 15h15 e aquela estranha tarde de 7 de janeiro de 2022 só agora tinha começado.
O encontro com Macedo e a advogada
No lobby do quase deserto do VIP Hotel, na Av. 5 de Outubro, foi fácil encontrar o sujeito cuja indumentária já não é propriamente a mesma com que se sentou na semana passada no banco dos réus do tribunal. Há pouco mais de uma semana, Hélio Marcel calçava uns ténis Adidas coçados e vestia roupas informais em tons de azul. Há dois anos, ostentava um fato lustroso e calça da moda pelo tornozelo e sapatos brilhantes.
Antes da conversa de circunstância no hotel passar a algo mais sério, Hélio Marcel sugeriu que os três interlocutores colocassem os telemóveis longe, em cima de um sofá. Fizeram-no. Depois, a conversa seguiu fluida surpreendendo de vez a advogada e o cliente. Marcel disse que "estava numa missão" e falou da "aquisição de provas" que iria ser considerada relevante para os processos Cartão Vermelho e Prolongamento. Reiterou que tudo dependia de como a investigação fosse feita, que havia relatórios intercalares que podiam ser manipulados para ilibar determinadas pessoas e propôs "um acordo", que tinha de ser acertado naquele momento, para ilibar Bruno Macedo.
A advogada começou a perder a paciência, mas Hélio Marcel avisou-a que sabia muita coisa dela, inclusive o que tinha feito naquela manhã, por exemplo, onde tinha tomado o pequeno-almoço. E que o haviam avisado que se tratava de uma "pessoa difícil" que usava muitas vezes um "tom de superioridade". Lourenço disse-lhe que o currículo dela falava por si próprio, que não gostava de ser enganada e perguntou a idade a Hélio Marcel. O burlão mentiu-lhe dizendo que tinha 37 anos e que não estava ali para receber lições de ninguém.
Perante o cada vez mais atónito Bruno Macedo, a agitada conversa esteve quase a descambar de vez quando Hélio Marcel anunciou que não estava a extorquir ou a corromper ninguém, mas simplesmente a fazer uma "mediação penal", e com o conhecimento do juiz Carlos Alexandre, como de resto disse que já fizera em outros processos em Portugal, nomeadamente nos casos de vários "generais angolanos" que terão estado sob investigação do MP. Mais adiante, concretizou que acabara de chegar da África do Sul (para onde disse que iria regressar na semana seguinte) e deu a entender que também teria ajudado na fuga de João Rendeiro. Mas que o antigo banqueiro não cumprira tudo o que acordara e por isso fora preso. "Sabe, o gato quando se esconde deixa sempre pelo no caminho", rematou de forma algo enigmática.
Hélio Marcel disse à advogada Paula Lourenço que sabia até onde ela tinha tomado o pequeno-almoço
Naquela tarde de sexta-feira de há quase dois anos, a conversa durou cerca de duas horas. Hélio Marcel pediu diretamente a Bruno de Macedo €1,5 milhões, dinheiro que seria para dividir por quem trataria dos arquivamentos das investigações: "Quando a senhora faz ou compra um bolo não é para comer sozinha, pois não?", disse, virando-se para a advogada.
Para vincar que estava a falar muito a sério, Marcelo tirou do bolso o que disse ser um "passaporte especial", que Paula Lourenço interpretou como sendo um documento de identificação usado por elementos dos serviços secretos ou altas patentes militares. E depois dirigiu-se diretamente ao empresário de futebol dizendo que a decisão de pagar era do próprio Macedo e não da advogada, deixando no ar algo que foi entendido como uma ameaça à família do agente que vive em Braga: "Nós podemos contactar pessoas que lhe são muito próximas." E avisou que não lhes passasse pela cabeça falarem com quem alegadamente o incumbira da "missão", pois todos iriam negar e a situação ainda se iria complicar mais para Bruno Macedo nas investigações em que estava visado.
Na segunda-feira seguinte, dia 10, a advogada apresentou-se no DCIAP e pediu para falar com Rosário Teixeira, que a recebeu e ouviu atentamente. O procurador garantiu-lhe que não era corrupto e tomou nota por escrito dos pormenores do caso. A informação seguiu para o diretor do DCIAP, Albano Pinto, e para a Polícia Judiciária, que já estava em cima do caso devido a uma queixa de Florêncio de Almeida, a quem Hélio Marcel estava a tentar extorquir €400 mil. A este empresário do ramo dos táxis, o burlão dissera que vinha a mando do procurador Pedro Roque, o magistrado que estava então a participar na investigação dos negócios cruzados de Júlio Rendeiro, Florêncio de Almeida e o filho deste último. Uma investigação que já levara em novembro de 2021 a buscas, por exemplo, às casas do homem que é conhecido como o "Rei dos Táxis".
Um pedido de desculpas ao juiz
Na primeira sessão do julgamento Hélio Marcel confessou tudo o que constava na acusação feita pela procuradora Ana Isabel Soares, declarou-se arrependido, chorou várias vezes e disse que tinha vergonha de tudo o que tinha feito, garantindo que até se isolara socialmente e terminara uma relação amorosa com uma advogada por causa do esquema e de ter sido detido. Mas quando o juiz concluiu que o réu confessara e que assim o julgamento ficaria por ali e que não seria sequer necessário ouvir testemunhos como os do procurador Rosário Teixeira e do juiz Carlos Alexandre (também Bruno Macedo, a advogada Paula Lourenço, José António Santos, Florêncio de Almeida iriam ser ouvidos em outras sessões), Hélio Marcel voltou ligeiramente atrás e negou que tivesse abordado as vítimas invocando os nomes dos referidos magistrados. A advogada do juiz, Fátima Esteves, concluiu então que não se tratava de uma confissão total e o juiz presidente do coletivo decidiu interromper a sessão propondo que Hélio Marcel conferenciasse com os advogados que o defendiam para decidir de vez o que admitia ou não.
O réu virou-se para trás e, entre frases e soluços de arrependimento, pediu desculpas a Carlos Alexandre
A interrupção de 15/20 minutos serviu para o réu recuperar a memória total dos factos. Entretanto, já a advogada de Carlos Alexandre tinha falado com o seu cliente na sala de testemunhas, tendo decidido que, se Hélio admitisse a culpa, iriam desistir de qualquer eventual pedido de indemnização. Quando retomou a audiência, e já com as testemunhas dispensadas, o juiz Carlos Alexandre entrou inesperadamente na sala e sentou-se na primeira cadeira da última fila da assistência. Para ouvir a declaração final de Hélio Marcel e as alegações dos advogados.
Apercebendo-se da presença de Alexandre, o réu virou-se para trás e, entre frases e soluços de arrependimento, pediu desculpas a Carlos Alexandre. Nas alegações que se seguiram, a advogada do juiz disse que tinha dúvidas se uma pena suspensa bastaria para punir Hélio Marcel e declarou-se nada convencida pela imagem do réu em tribunal, salientando que "esta postura de pessoa simples não era de maneira nenhuma compatível com quem se apresentara às vítimas e até com um estudante de Direito". E questionou: "A pergunta de um milhão e dólares é quem é que lhe pediu ou encomendou que pedisse dinheiro invocando o nome do juiz Carlos Alexandre?" Já a advogada da defesa vincou o arrependimento do cliente, disse que se tratara de um esquema amador que pouco ou nenhum dano produzira e negou a existência de qualquer "teoria da conspiração". O presidente do coletivo marcou a leitura da sentença para as 13h45 do próximo dia 2 de dezembro.
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