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Manguel vai custar €7 milhões. Obras ainda não começaram e abertura só lá para 2029

Marco Alves
Marco Alves 16 de junho de 2025 às 07:00
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Cinco anos depois, só agora foi lançado o concurso para a remodelação do edifício que vai receber a "Biblioteca Alberto Manguel". Livros não estão ainda todos catalogados.

Em abril de 2023,escrevia o Públicoque naquela altura ainda não se sabia quando ia ser inaugurada e quando ia custar a chamada "Biblioteca Alberto Manguel", um projeto da Câmara Municipal de Lisboa (CML) que remonta a setembro de 2020, no mandato de Fernando Medina, quando a autarquia firmou um acordo com o bibliófilo e ensaísta argentino para que este cedesse à cidade a sua biblioteca, ficando esta depois à disposição para consulta e investigação.

O projeto (oficialmente denominado Espaço Atlântida - Centro de Estudos da História da Leitura) implicava a cedência de um prédio (o palacete dos Marqueses de Pombal) e as necessárias obras de remodelação, bem como a catalogação dos livros.

Em 2025, cinco anos após a assinatura do protocolo, e já com o mandato autárquico de Carlos Moedas a terminar, ainda não se sabe quando é que o projeto vai inaugurar (o gabinete de Carlos Moedas não nos respondeu a essa questão), mas já há algumas pistas sobre isso. E sobre quanto vai custar.

São mais de sete milhões de euros (mais exatamente €7.050.000). Esse é o preço base estipulado para o "concurso público para a Empreitada de Reabilitação do Palacete dos Marqueses de Pombal", cujo prazo de entrega de propostas está a decorrer até 19 de junho. Quem está a adjudicar a obra é a SRU, empresa municipal.

As peças processuais indicam que os trabalhos vão incidir sobre a arquitetura, infraestruturação, construção civil e reforço estrutural do edifício, situado na rua das Janelas Verdes, números 35 a 41. O prazo de execução é de 1.080 dias (três anos), ou seja, se não houver atrasos de maior, a obra começará no final deste ano, ou princípio de 2026, e o projeto deverá abrir ao público por volta de 2029. Se tudo correr bem.

Fica-se assim já com uma ideia de custos e prazos do projeto, ainda que haja incertezas e dúvidas. Por exemplo, o projeto de arquitetura da remodelação do edifício, que consta das peças processuais e é assinado pelo atelier Teresa Nunes da Ponte, Arquitetura, Lda, não se encontra adjudicado no Portal Base. Eventualmente, será esta adjudicação de €74.200 para "projeto de arquitetura e de coordenação do projeto de requalificação de espaço público do Bairro Alto", ainda que o palacete em causa não fique no Bairro Alto.

Este caso serve para ilustrar que não é fácil perceber quanto é este projeto vai custar à cidade. No Portal Base, do que é possível localizar, existem €229.747 em vários ajustes diretos para prestação de vários serviços (por exemplo, catalogação dos livros de Alberto Manguel). A este valor é necessário acrescentar os salários do próprio Manguel, como veremos mais à frente.

As obras de 7 milhões, que estão em fase de concurso, fazem parte da denominada Fase 2 do projeto. Segundo a câmara de Lisboa referiu à SÁBADO, "a empreitada da 1ª fase, da responsabilidade da Lisboa Cultura (trabalhos propedêuticos de conservação e restauro), foi consignada em novembro 2024 e encontra-se a decorrer com normalidade, prevendo-se que termine em meados de julho de 2025". 

Relativamente aos livros, cerca de 40 mil, têm sido catalogados ao longo dos anos. O gabinete de Carlos Moedas infornou-nos que "do total de documentos doados estão tratados 26.750, ou seja, 67% da coleção, os quais correspondem maioritariamente a livros, mas também a 94 títulos de jornais e revistas".

Salário vitalício (e uma casa de banho)

Recorde-se que este projeto tem, desde o início, estado envolto em polémica, com várias personalidades ligadas à Cultura a questionarem o valor para a cidade. Por exemplo, João Pedro George, aqui na SÁBADO. O escritor e sociólogo questionava a relevância cultural dos exemplares que Manguel ia trazer para Lisboa, além do dinheiro gasto pela CML no restauro do palacete e na catalogação e no transportes dos livros (entre outras despesas), bem como a opção deste investimento face às dificuldades orçamentais por que passam vários equipamentos culturais e arquivísticos da cidade. George sinalizava ainda que a parceria foi possível num contexto de estreitas relações pessoais e comerciais entre a editora em Portugal de Manguel (Bárbara Bulhosa e a sua Tinta da China) e a autarquia liderada na altura por Fernando Medina.

Em março de 2023, a SÁBADO explicou os contornos do acordo, que se concretizou em três documentos: um protocolo, um memorando e um contrato. 

O memorando (com data de 12 de setembro de 2020) é uma declaração de compromisso da CML para com Alberto Manguel e o contrato (15 de outubro de 2020) é a sua concretização, ou pelo menos de uma parte, nomeadamente o vencimento.

No memorando, é referido que a autarquia obriga-se a pagar a Alberto Manguel "uma contrapartida anual de €60.000" consubstanciada em "doze prestações mensais [€5.000] pelo exercício das funções de diretor/coordenador artístico do CEHL [Centro de Estudos da História da Leitura]".

Isso faz com que a câmara de Lisboa já tenha pagado cinco anos de contrapartidas a Manguel, ou seja, 300 mil euros. A que se somam os valores já referidos do portal Base, mais o valor das obras que vão arrancar. No total, para já, o projeto estará nos oito milhões de euros de custos.

O contrato de Manguel diz que o pagamento começa na data da assinatura e dura "enquanto vigorar o memorando". Consultando este, verifica-se que dura "até à morte de Alberto Manguel" (cláusula 4). Em resumo, a CML pagará a Manguel, de 75 anos, enquanto este for vivo.

O memorando estabelece que a CML se compromete a garantir a Manguel "e a quem este indicar" o acesso contínuo, permanente e vitalício ao Centro de Estudos da História da Leitura. A autarquia comprometeu-se ainda a alocar no edifício – o Palacete dos Marqueses de Pombal – "um espaço de trabalho exclusivo, bem como um espaço funcional, composto por cozinha e instalações sanitárias para utilização exclusiva do Diretor/Coordenador Artístico", ou seja, Alberto Manguel.

A CML deve ainda "custear as despesas de viagem de ida e volta para Lisboa e estadia de um consultor da coleção de Alberto Manguel, com vista à implementação do CEHL".

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