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Nuno Figueiredo e Sousa, até aqui sem perfil público, preside à nova associação que tem poder para paralisar as urgências. "Dr. Lipito", a alcunha dada por amigos, é de Chaves e formou-se em Espanha. Faz "50 a 60 horas" por semana, diz à SÁBADO. Quer limitar os intermediários através dos quais os hospitais contratam tarefeiros.
Nuno Figueiredo e Sousa tinha desligado o telemóvel durante
a noite, como faz sempre, e quando acordou naquela quinta-feira viu algo fora
do comum: tinha 386 mensagens. As notícias nessa manhã revelavam que o até aí desconhecido
médico de 48 anos fora escolhido para presidir à futura Associação de Médicos Prestadores
de Serviços – o nome ainda está pendente de autorização –, um novo movimento
orgânico de médicos tarefeiros, com poder negocial para paralisar os serviços
de urgências da maioria dos hospitais públicos.
Nuno Figueiredo e Sousa, líder da nova associação de médicos tarefeiros, quer negociar com o Governo
“A
pressão distingue o carvão do diamante e não me tira o sono”, afirma à SÁBADO.
“Faço este trabalho com muita vontade porque uma parte dos médicos terá
finalmente representação”, junta. Depois da primeira reunião com o bastonário da Ordem dos Médicos, ontem no Porto, segue-se a reunião com a ministra da Saúde na manhã do dia 27 de novembro.
É uma estreia do médico, oriundo de Chaves, como
protagonista público num setor politicamente sensível como a Saúde. Os clínicos que representa trabalham à hora e viram cerca de 70% dos casos nas urgências no
ano passado, segundo um inquérito da Ordem dos Médicos, noticiado pelo
Expresso. Os tarefeiros também fazem consultas e cirurgias, nota Figueiredo e
Silva, mas as urgências são o principal. Em 2024 representaram 1,4% da
despesa do SNS ou 213 milhões de euros. Dois fatores puseram-nos na mira da
ministra Ana Paula Martins: a imposição das Finanças para que a Saúde corte
despesa em 2026; e o facto de ganharem valores mensais muitas vezes mais altos
do que os médicos dos quadros, o que gera desmotivação e saídas para ir trabalhar
à hora (opção mais cara para o SNS).
Nuno Figueiredo e Sousa, um dos 25% de médicos que trabalha
só como tarefeiro, chegou tarde à carreira: tinha 30 anos quando entrou no
curso de Medicina na Universidade de Santiago de Compostela, na região
espanhola da Galiza. “Antes disso fiz Direito até ao 4º ano, mas sempre quis
ser médico”, conta. Os amigos, a dada altura, puseram-lhe uma alcunha, "Dr. Lipito", que surge sob o seu número na rede social Whatsapp ("sou Nuno Filipe", explica bem humorado). Um programa da SIC em 2013, Perdidos e Achados, mostra-o acabado
de chegar a Compostela em 2007, ainda nos primeiros dias em Espanha – e, seis anos
mais tarde, nas urgências do hospital Pedro Hispano, em Matosinhos.
"Grande parte [das pessoas] vai [às urgências] por dá cá aquela palha"nuno figueiredo e sousa
Nessa altura já era prestador de serviços à hora e nos últimos doze anos não teve vínculo ao SNS. O primeiro trabalho foi no hospital de Leiria e passou também pelas urgências do hospital de
Penafiel. Figueiredo e Sousa não tirou qualquer especialidade após o
curso, fazendo assim parte do principal contingente de clínicos tarefeiros: os
que não têm especialidade (como medicina interna, cirurgia, medicina geral e
familiar, entre muitas outras). “Não tenho especialidade por opção”, afirma. “Ter
especialidade implica tempo de formação, mas todos saímos licenciados em Medicina”, responde quando a SÁBADO pergunta pelo facto de médicos sem especialidade
serem um pilar das urgências.
O inquérito da Ordem indica que os doentes vistos por
médicos tarefeiros são quase todos os que têm pulseira azul (não urgente) e
verde (pouco urgente), a maior parte dos amarelos (urgente) e alguns dos
laranjas que não são encaminhados para a especialidade aplicável. Nuno Figueiredo
e Silva – que, de passagem, afirma que “grande parte [das pessoas] vão [à
urgência] por dá cá aquela palha” – refere que pelo menos uma parte dos tarefeiros,
como ele, continua a estudar em paralelo com o trabalho. "Depende da vontade de aprender", diz.
"95% dos contratos para entrar no SNS foram recusados"
O novo líder dos prestadores de serviço trabalha hoje como
tarefeiro no Hospital de Santo António, no Porto - refere que faz 36 horas semanais,
espalhadas por três noites fixas por semana. O Santo António não é dos
hospitais que mais precisam de tarefeiros para compor as escalas das urgências e
o valor praticado por hora está em 30,8 euros, segundo o Diário de Notícias (em hospitais com maior escassez ou no caso de médicos especialistas o valor pode ser mais do dobro). O horário médio de Nuno Figueiredo e Sousa equivale, grosso modo, a uma remuneração média bruta
de 4.430 euros mensais (este é um valor a título ilustrativo – a SÁBADO não confirmou o valor com o médico).
O médico ainda faz 10 horas de urgência na Casa de Saúde da
Boavista às segundas-feiras (uma instituição que pertence à Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição) e está a progredir numa área que, não sendo ainda uma
especialidade médica, tem cada vez mais mercado: a medicina regenerativa, que pratica numa
clínica privada no Porto. “A medicina funcional integrativa [como prefere
chamar-lhe] é mais virada para a prevenção: estilo de vida, exercício físico, a
componente alimentar, suplementos face a défices”, explica. Ao todo, diz,
trabalha "50 a 60 horas por semana".
Pela frente tem, para já, a conclusão do processo de formalização da associação,
cujo nome “aguarda a aprovação no registo” – a seguir vêm os estatutos e
aspetos como o financiamento, que Figueiredo e Silva não sabe ainda detalhar. “Foi
tudo muito em cima do acontecimento”, conta. A associação foi uma reação quase imediata, através a mobilização massiva de médicos tarefeiros num canal de Whatsapp, contra a intenção do Governo de cortar nos valores pagos. Esta intenção é um recuo face ao que o próprio Ministério da Saúde pôs em prática ainda em junho passado, quando
permitiu que os hospitais com maiores dificuldades em compor as urgências
pagassem até 50% acima do limite definido.
"Fiz Direito até ao 4º ano, mas sempre quis ser médico"nuno figueiredo e sousa
O novo dirigente prefere manter-se em silêncio
sobre a margem negocial que dará ao Governo, mas adianta um dos pontos que
pretende pôr na agenda negocial: a limitação do papel das empresas de
intermediação, através das quais os hospitais contratam tarefeiros. “Estas
empresas ficam com uma parte significativa [do pagamento] e batalharemos por
haver uma ligação direta [entre os tarefeiros e os hospitais]”, afirma. Figueiredo
e Sousa disputa a ideia de que a generalidade dos tarefeiros ganhe “muito mais”
do que os médicos do quadro. “Não têm férias [pagas], a obrigatoriedade fiscal
é maior, com a Segurança Social, e temos ainda os seguros obrigatórios”, elenca.
À saída da reunião de ontem com o bastonário, Nuno Figueiredo e Sousa afirmou que uma das intenções é negociar a integração dos tarefeiros nos quadros dos hospitais. Na véspera da reunião, contudo, lembrou à SÁBADO que "95% dos contratos propostos a médicos prestadores para as urgências foram negados pelos prestadores porque os valores eram muito inferiores aos que se
recebe [à hora]" - o valor a pagar ao abrigo dos novos contratos será, naturalmente, um dos pontos centrais das negociações.
Para já a atitude é acelerar,
procurando saber o que o ministério liderado por Ana Paula Martins quer pôr no
decreto-lei. Os tarefeiros, diz Figueiredo e Sousa, não disseram que fariam
greve – isso seria formalmente impossível, dado que não têm contrato. “Retirámos
a disponibilidade”, detalha. Em termos práticos, o impacto para a
formação das equipas de urgência é o mesmo. "Vamos sobretudo para ouvir e estamos dispostos a trabalhar com a tutela para encontrar soluções", afirma. No horizonte está um potencial braço de ferro entre o Governo e mais um órgão de defesa de interesses na Saúde.
Foi para Medicina aos 30, não é especialista, trabalhou sempre à hora: quem é o líder dos tarefeiros
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Esta semana, a Rússia apresentou o seu primeiro robô humanoide. Hesitamos entre pensar se aquilo que vimos é puro humor ou tragédia absoluta. É do domínio do absurdo, parece-me, querer construir uma máquina antropomórfica para esta fazer algo que biliões de humanos fazem um bilião de vezes melhor.