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Conselho Europeu foge a perguntas sobre processo de seleção de José Guerra

Conselho que aceitou a escolha defendida pelo Governo recusa responder sobre se sabia de irregularidades no concurso feito em Portugal, que classificou Guerra à frente. Em Bruxelas pediu-se a retirada do nome português.

O Conselho Europeu, a entidade que nomeia os procuradores dos estados-membro para a nova Procuradoria-Geral Europeia, não quer responder às dúvidas sobre aspetos-chave do polémico processo de nomeação do procurador português, José Guerra. A nomeação de Guerra, que teve a interferência do Governo português, está a ser duramente contestada no Parlamento Europeu, mas do Conselho a instrução é para não falar aos media sobre o tema.  

EPA/ANTONIO PEDRO SANTOS

A SÁBADO perguntou se, para o Conselho Europeu, a classificação dada pelo concurso feito em Portugal foi determinante para aceitar que o Governo em Lisboa não seguisse o parecer do painel de peritos europeus, o qual recomendava inequivocamente a procuradora Ana Carla Almeida. O facto de José Guerra ter ficado em primeiro lugar nesse concurso doméstico tem sido a argumentação do Governo no debate sobre o tema, quer em Portugal, quer no Parlamento Europeu, onde alguns eurodeputados criticaram duramente na semana passada o processo de nomeação português.

A SÁBADO perguntou ainda se o Conselho Europeu alguma vez esteve a par dos problemas formais do concurso feito em Portugal pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), que selecionou três candidatos para o cargo. Os critérios do referido concurso foram fixados após serem conhecidos os candidatos e respetivos currículos e o critério da "experiência relevante" para o cargo foi alterado por "antiguidade na carreira" com o concurso a correr há mais de um mês. Estes factos levaram duas procuradoras que se sujeitaram ao concurso a enviarem arguições escritas ao CSMP, invocando violação da lei e da jurisprudência - uma delas foi Ana Carla Almeida. 

Fonte oficial do gabinete de Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, respondeu à SÁBADO que "o presidente Michel não tem comentários a fazer às perguntas". Esta resposta chegou depois um circuito tortuoso por diferentes assessores em Bruxelas. A assessora para a área da Justiça, que se ocupa do tema da Procuradoria Europeia, começou por dizer que não tinha informação sobre o assunto – instada a dar uma resposta concreta, disse não poder falar em nome do Conselho Europeu e remeteu para a assessoria da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia. A assessora portuguesa indicou que o tema era da competência do presidente Conselho. Charles Michel não respondeu.

A Procuradoria-Geral Europeia é uma nova entidade judiciária que investigará casos em que estejam em causa danos financeiros para o orçamento da União Europeia – um exemplo típico é o de fraude com fundos comunitários. Vinte e dois estados-membro aceitaram nomear um procurador em representação do respetivo país. Em Portugal, o governo rejeitou a recomendação do painel de peritos europeus, preterindo a primeira classificada Ana Carla Mendes de Almeida. A escolha final do Governo, comunicada pelo Ministério da Justiça, recaiu sobre José Guerra, que ficara em segundo na avaliação do painel externo e em primeiro no concurso de seleção do Conselho Superior do Ministério Público. Na carta em que defendeu Guerra iam lapsos sobre o currículo do procurador.  

Vice de Comissão Parlamentar pede demissão de Guerra

A ministra da Justiça esteve hoje numa audição conjunta com as comissões de Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos e de Controlo Orçamental do Parlamento Europeu, para fazer um ponto da situação do estabelecimento da nova Procuradoria Europeia. A questão da nomeação do procurador José Guerra foi suscitada por vários deputados, entre os quais os portugueses Paulo Rangel e José Manuel Fernandes, do PSD.

Enquanto corria o debate, a vice-presidente da comissão parlamentar, Monika Hohlmeier, afirmou na rede social Twitter que "Portugal tem de retirar o seu procurador". "A EPPO [Procuradoria-Geral Europeia] e os seus procuradores têm de ser independentes e credíveis", afirmou a alemã Hohlmeier, oriunda do partido democrata-cristão CSU. "O governo português até apresentou informação falsa sobre o seu candidato e desrespeitou o Painel Europeu de Seleção", apontou.

Francisca Van Dunen repetiu os argumentos já utilizados no debate no Parlamento português – essencialmente que o Governo seguiu o nome melhor classificado no concurso feito pelo CSMP em Portugal, que a recomendação do painel externo não era vinculativa e que os erros na carta não tiveram influência na aprovação de Guerra pelo Conselho Europeu. Van Dunen lamentou o prolongamento da polémica.

Depois da intervenção da ministra, a deputada holandesa Sophia in't Veld, do grupo Renovar a Europa (Liberais), manifestou-se insatisfeita com os esclarecimentos prestados, reclamando antes que o Conselho partilhe toda a documentação com o parlamento, e ameaçou com uma ação na justiça se tal não suceder. Também o líder da delegação do PSD, Paulo Rangel, considerou que permanecem perguntas sem resposta.

A ministra portuguesa vai, segundo o Observador, enviar para o Parlamento Europeu a documentação do Conselho da União Europeia sobre a nomeação de José Guerra, assim como a dos procuradores da Bélgica e da Bulgária cujos processos opacos de nomeação geraram também polémica.

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