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Francês drogou mulher e deixou que mais de 50 estranhos a violassem

Diogo Barreto
Diogo Barreto 02 de setembro de 2024 às 18:08
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Ao longo de uma década, Dominique convidou estranhos a violarem a sua mulher enquanto esta estava inconsciente. Assumiu todas as responsabilidades e vai agora responder em tribunal.

Dominique Pelicot, francês, de 71 anos, está a ser julgado sob a acusação de montar uma rede de violação. Através de um fórum online convidou dezenas de homens a visitar a sua casa e a violar a sua mulher, que era sedada. As violações eram filmadas. Entre 2011 e 2020, a mulher foi violada por dezenas de homens com idades compreendidas entre os 26 e os 74 anos na sua própria casa, em Mazan, França. A polícia francesa contabilizou um total de 92 violações cometidas por 72 homens, 51 dos quais foram identificados e estão a ser julgados juntamente com o marido que assumiu os crimes.

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De acordo com o jornal norte-americano The New York Times, a mulher não tinha qualquer tipo de memória dos abusos aos quais foi submetida. Perdia peso e cabelo e havia dias que estavam completamente apagados da sua cabeça. Filhos e amigos acreditavam até que a sexagenária estaria a desenvolver Alzheimer. Mas a verdade é que o marido, ao longo de nove anos, esmagava tranquilizantes que acrescentava à sua comida e bebida para a deixar inconsciente e permitir que outros homens entrassem em sua casa para a violar.

A polícia francesa começou a investigar Dominique Pelicot em setembro de 2020, quando este foi apanhado por um segurança a filmar por baixo de saias de três mulheres num centro comercial. Durante a investigação foram encontradas centenas de fotografias e vídeos da mulher no seu computador, deitada, inconsciente, em posição fetal. As imagens mostram ainda dezenas de casos de violação na casa do casal em Mazan, uma aldeia de apenas seis mil habitantes a cerca de 33 quilómetros de Avignon, na Provença. No total foram encontrados mais de 20 mil ficheiros numa pasta chamada "abuso". 

Às autoridades, Dominique Pelicot admitiu que dava tranquilizantes à mulher - especialmente Temesta, um medicamento para redução da ansiedade. O nível de concentração do fármaco deixava-a inconsciente. 

Em 2011 começaram os abusos gravados. O casal morava então nos arredores de Paris, tendo-se depois mudado para Mazan, no sudeste francês, perto de Avignon, onde continuaram os abusos. 

Entre as regras estabelecidas, era proibida a utilização de aftershave e fumar antes de estar com a mulher. Por outro lado, era obrigatório aquecer as mãos antes de lhe tocar e tirar a roupa na cozinha, para nada ser deixado acidentalmente no quarto. Nenhum dinheiro foi trocado.

A polícia francesa encontrou mais de cinquenta suspeitos de terem participado neste esquema criminoso. Entre os suspeitos existem jornalistas, bombeiros, motoristas, soldados, um guarda prisional, um enfermeiro, homens solteiros e homens com mulher e filhos. A maioria dos suspeitos participou nesta situação apenas uma vez, mas houve quem tivesse participado seis vezes.

Antes do julgamento, especialistas atestam que o homem não parece padecer de uma doença mental apesar de ter afirmado que foi violado por um enfermeiro quando tinha nove anos. Os especialistas atestam que Dominique Pelicot tem a necessidade de se sentir "poderoso" sobre o corpo feminino, lê-se em avaliações incluídas em documentos judiciais citadas pelo Daily Mail. Esta não é a primeira vez que o francês tem problemas com a justiça: foi acusado de homicídio e violação em 1991 e de tentativa de abuso sexual em 1999.

Nas entrevistas citadas pelo Le Monde, Pelicot explicava que começou a drogar a mulher de forma a poder vesti-la com peças de roupa que ela nunca aceitaria e a conseguir fazer coisas com ela que, em situações normais, a mulher se recusaria a fazer. Depois começou a convidar outras pessoas a participarem nestas sessões.

A defesa dos suspeitos de violação argumentou que estes homens simplesmente tinham ajudado um casal a viver as suas fantasias sexuais, mas Dominique Pelicot disse aos investigadores que todos sabiam que a mulher tinha sido drogada sem o seu conhecimento. O marido disse aos procuradores que apenas três homens saíram de casa pouco depois de chegarem, enquanto todos os outros tiveram relações sexuais com a mulher.

O julgamento será "uma experiência horrível" para a mulher, agora com 70 anos, e que deseja não ser identificada, disse Antoine Camus, um dos seus advogados. Desde que descobriu ter sido vítima destas violações, a mulher trocou de apelido. "Pela primeira vez, muito depois dos acontecimentos, ela terá de recordar as violações que sofreu ao longo de 10 anos", disse à AFP o advogado, acrescentando que a vítima "não se lembra" dos abusos que só descobriu em 2020.

A mulher poderia ter pedido que o julgamento fosse realizado à porta fechada, mas não o fez, porque "era isso que os seus agressores quereriam", disse Camus. "Está completamente determinada a enfrentá-los e ao marido, com quem viveu 50 anos, mas de quem nada sabia, como descobriu aos 68 anos", lamentou.

O julgamento terá de estabelecer até que ponto compreenderam a situação quando tiveram relações sexuais com a mulher, cujo estado, disse um especialista, "estava mais próximo do coma do que do sono". O francês pode enfrentar até 20 anos de prisão.

Dominique Pelicot disse estar pronto para enfrentar "a sua família e a sua mulher", informou a sua advogada Beatrice Zavarro, em declarações à AFP. "Ele não vai negar o seu papel nestes crimes."

A filha de Pelicot, Caroline Darian, editou em 2022 um livro sobre o caso (Et j'ai cessé de t'appeler papa, traduzido para "E deixei de te chamar papá") e abriu uma associação de apoio a vítimas de violações à base de drogas.

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