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Depois das reuniões em Washington e em Londres, o que pode esperar a Ucrânia?

Passados três anos da invasão russa à Ucrânia "não há mais tempo a perder" para conseguir um cessar-fogo, tal como Luís Tomé esplica à SÁBADO. Entre o afastamento dos Estados Unidos e a reaproximação dos líderes europeus, o que se segue para Zelensky?

Em menos de uma semana, Zelensky foi aos Estados Unidos ouvir quedeveria aceitar um acordo de cessar-fogo em que não foi ouvido ou perder o apoio dos norte-americanos e a Londres reunir com líderes europeus numademonstração de união para dar resposta à invasão russa, que dura há mais de três anos.  

NTB/Javad Parsa/via REUTERS

Nas conversações para a paz ficou claro que os líderes europeus consideram que a Ucrânia deve ser incluída nas negociações de forma a que seja alcançada uma "paz duradora" que garanta a soberania do país invadido. O primeiro-ministro do Reino Unido deixou ainda a garantia de que qualquer acordo "terá de envolver a Rússia".  

Luís Tomé, diretor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma, refere que "é fundamental que estas cimeiras tenham resultado porque já perdemos demasiado tempo". E o distanciamento dos Estados Unidos, que se tornou visível desde a tomada de posse de Donald Trump e atingiu o clímax durante a reunião de sexta-feira entre Trump e Zelensky na Sala Oval da Casa Branca, mostrou que "não há mais tempo a perder". 

Aos europeus deve caber impedir qualquer invasão futura através de uma "coligação de vontade" com os "Estados dispostos" a participar, referiu o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, que partilhou também que vários dos presentes na cimeira demonstraram disponibilidade em participar, mas que não lhe cabia a ele fazer esse anúncio. Anteriormente, Reino Unido e França já tinham referido que podiam enviar tropas para a manutenção da paz, com a Turquia a juntar-se a eles, mas outros países europeus, como a Itália, descartaram essa possibilidade e o Kremlin referiu que não ia aceitar a presença de tropas da NATO na Ucrânia.

Luís Tomé partilha com a SÁBADO que "dificilmente imagina uma solução de paz permanente sem tropas no terreno", mas alerta: "As tropas de manutenção da paz nunca poderão entrar na Ucrânia numa fase de guerra aberta, pelo que significa que tem de haver um compromisso por parte da Rússia e têm de ser dadas garantias pelos Estados Unidos, porque sem garantias muitos dos países europeus vão deixar de estar disponíveis". O professor catedrático refere que "já que Trump confia tanto em Putin, os Estados Unidos devem ser capazes de dar uma garantia aos europeus de que nada vai acontecer às suas tropas". 

Vários foram os líderes europeus que afirmaram querer continuar a trabalhar com os Estados Unidos, Starmer, disse que quer discutir o plano europeu com Trump e a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, revelou estar em pelo acordo com o homólogo britânico "sobre a importância da aliança transatlântica".  

Georgia Meloni assumiu também que pode ter uma posição mais central nas negociações, tendo em conta a sua proximidade com Trump e as boas relações que mantém com Kiev. Luís Tomé acredita que Meloni pode assumir um papel fundamental uma vez que "é das poucas dirigentes europeias por quem a atual administração tem mostrado algum apreço e empatia" e "não só Donald Trump e JD Vance, mas também Elon Musk", que se tem revelado uma peça-chave deste governo.  

O especialista em relações internacionais também reforça a importância do primeiro-ministro do Reino Unido enquanto "criador de pontes" relembrando que "não é membro da União Europeia, que parece ser o principal alvo de Donald Trump, e é conhecido como o vice-presidente dos Estados Unidos na Europa", devido à relação histórica que os dois países partilham.  

Tréguas parciais de um mês 

Emmanuel Macron anunciou que propôs a ideia de um cessar-fogo com a duração de um mês, que se aplicaria no ar, no mar e nas infraestruturas energéticas. O ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Jean-Noël Barrot, explicou depois que a essa trégua "permitiria determinar se Vladimir Putin está a agir de boa fé" e avaliar se há espaço para "verdadeiras negociações pela paz". 

Apesar de existirem indicações de que esta é uma proposta apoiada pelos britânicos, o ministro das Forças Armadas do Reino Unido afirmou na segunda-feira que estão várias opções em cima da mesa neste momento e que "nenhum acordo foi feito sobre como funcionariam as tréguas".

Luís Tomé explica que a parte mais importante destas tréguas, ou de quaisquer outras, é que, "independentemente do prazo, os europeus querem que a Rússia mostre um sinal de boa fé" para que seja possível "partir para as negociações". "O agressor tem andado a proclamar que quer a paz e que a Ucrânia é que a tem impedido por isso deve parar as agressões e demonstrar que está pronta para as negociações", continua.  

Ainda assim o especialista em relações internacionais alerta para outro ponto: "Numa altura em que os Estados Unidos ameaçam suspender a ajuda militar à Ucrânia as tréguas iriam trazer uma margem de tempo para que, mesmo que isso aconteça, a diplomacia comece a funcionar".

Qual é o papel da União Europeia? 

À saída da reunião, Ursula von der Leyen defendeu a necessesidade "de rearmar a Europa" e garantiu que já no próximo Conselho Europeu, a 6 de março, vai propor um plano "pela segurança da Europa". Para que isso seja possível, a presidente da Comissão Europeia revelou que considera necessário "intensificar o investimento durante um longo período de tempo".    

Macron tem pedido que os países europeus aumentem a sua despesa na Defesa e no domingo partilhou com o jornal francês Le Figaro que é essencial que os países europeus da NATO invistam mais nos seus exércitos: "Nos últimos três anos, os russos têm gastado 10% do PIB em Defesa. Precisamos de nos preparar para o que vem a seguir, com o objetivo de atingirmos entre os 3 e os 3,5% do PIB". A atual meta de gastos para os países da NATO é de 2%, mas muitos são os países europeus que não atingem essa meta, como é o caso de Portugal (gastamos cerca de 1,55% do PIB).

Para aumentar o financiamento, o presidente francês defende que é preciso "dar um mandato à Comissão Europeia para usar financiamento inovador" seja através de "empréstimos comuns ou do Mecanismo Europeu de Estabilidade". No entanto, países como a Alemanha já anteriormente recusaram a ideia da dívida comum para a Defesa.  

Por lado, existem também dentro da União Europeia encontramos dois aliados de Putin que podem influenciar o apoio à Ucrânia. A Hungria e a Eslováquia "podem dificultar a aprovação de matérias em que é preciso unanimidades, como uma revisão do orçamento comunitário" ou mais tarde a entrada na União e é também por isso que Starmer "tem utilizado o termo de coligação de vontade".  

Luís Tomé explica que "existem países europeus que estão na disposição de avançar já sem esperar por decisões comunitárias", conhecidas por necessitarem de muitas negociações. Além disso, a França e a Alemanha "já demonstraram que estão na disposição de avançar com mais apoio à Ucrânia e sendo estes países conhecidos como os líderes da Europa, muitos outros Estados-membros devem apoiá-los".  

Outro fator importante é que "o Reino Unido e a Turquia não são membros da União Europeia e, através desta coligação de vontade, podem juntar-se aos outros europeus". 

Rússia aproxima-se dos Estados Unidos e foca hostilidades na Europa 

Depois da reunião entre Zelensky e Trump na sexta-feira, em que o ucraniano foi acusado de estar a "brincar com a Terceira Guerra Mundial", os líderes russos parecem estar mais próximos dos Estados Unidos do que nunca. 

Serguei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros russo, referiu que "nos últimos 500 anos, todas as tragédias do mundo tiveram origem na Europa ou aconteceram por causa das políticas europeias" e deixou ainda elogios a Trump: "Depois do mandato de Biden chegaram as pessoas que querem ser guiadas pelo senso comum".  

Sobre a reunião em Londres, o Kremlin referiu que os líderes europeus se comportam como quem quer "a continuação das hostilidades" e que Zelensky deve ser forçado a mudar a sua posição sobre a paz. 

Dmitry Peskov disse que o confronto de sexta-feira mostrou o quão difícil seria alcançar a paz apesar de garantir que a Rússia vai manter as negociações com os Estados Unidos. O porta-voz do Kremlin afirmou ainda que Zelensky "demonstrou uma completa falta de habilidades diplomáticas, para dizer o mínimo".

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