Luís Montenegro recusou resolver a Spinumviva. Agora, os seus velhos clientes batem à porta do Estado.
O Grupo Solverde vai ganhar a concessão dos casinos do Algarve e de Espinho, que já controla e que o Governo pôs agora a concurso público internacional. Esta previsão não assenta só na conhecida relação de amizade e patronato entre a família Violas, detentora da Solverde, e o primeiro-ministro Luís Montenegro, velhos correligionários de Espinho. É, antes disso, uma constatação histórica: os concessionários das zonas de jogo em Portugal nunca perdem um concurso. É assim em democracia, como já era em ditadura.
A primeira regulação do jogo em Portugal remonta ao tempo da Ditadura Militar, em 1927. Vale até a pena citar o preâmbulo da legislação, uma denúncia dos malefícios das democracias moles e um elogio primoroso às ditaduras musculadas – uma boa lembrança dos velhos logros da História, nos tempos que correm, em que tantos parecem suspirar por Governos fortes:
“O jôgo era um facto contra o qual nada podiam já as disposições repressivas. Mas os interêsses políticos dos Governos partidários mostraram-se um óbice invencível às tentativas esboçadas e ia a final cair-se nos mesmos abusos.
“Inaugurado o Govêrno da Ditadura Militar, de novo a tentativa surgiu, mas agora em condições de se converter em realidade, porque a Ditadura, não carecendo de uma clientela eleitoral, não tinha que sucumbir aos interêsses molestados com a regulamentação do jôgo”.
Na verdade, a regulamentação do jogo feita pela Ditadura e revista pelo Estado Novo em 1969, “molestando” os “interesses instalados”, nunca foi mais do que a organização de um cartel de casinos, a quem o Estado deu o privilégio de explorar concessões monopolistas, espalhadas pelo território. Em 1927 e nos anos seguintes instituíram-se muitas das 10 zonas de jogo atuais e fizeram-se os negócios com os concessionários que, nalguns casos, duram até hoje.
O atual sistema de concessões foi definido em 1989, mas a maior parte dos concessionários é anterior a isso, e tem-se mantido inamovível. Por negociação direta ou por concurso, em ditadura ou democracia, ganham sempre os mesmos. E, depois de ganhas, as concessões são sucessivamente prorrogadas, sem concurso – em 2020, por causa da pandemia, mas antes, em 2001, só porque sim. Quando finalmente há concursos, ganham os que já lá estão. Foi o que aconteceu em 2022, no Governo de António Costa, com as concessões dos casinos do Estoril/Lisboa e da Figueira da Foz.
Não admira, por isso, ver nos concursos agora lançados pelo Governo de Montenegro para as concessões do Algarve, Espinho e Póvoa de Varzim alguns dos vícios do costume: não é inédito, por exemplo, haver um prazo de pouco mais de 40 dias, a cair em cima de agosto, para responder a um concurso público internacional. Mesmo assim, saltam à vista, desta vez, algumas cláusulas originais. O concurso lançado pelo Governo de Montenegro sobre as concessões dos amigos da Solverde exige como requisito mínimo, além de normais exigências de capital e capacidade financeira, que os concorrentes tenham explorado casinos nos últimos cinco anos, em Portugal (onde, como já se viu, são
sempre os mesmos) ou na União Europeia ou jurisdições cooperantes em matéria fiscal e de combate à lavagem de dinheiro.
Em tese, isto é uma oportunidade para operadores estrangeiros, mas some-se ao prazo apertado a necessidade de visitar fisicamente os casinos a explorar ou, no caso do Algarve, a exigência de construir um novo casino em Portimão – o atual está instalado num hotel do Grupo Solverde – para garantir que o concurso se limitará a carimbar quem já lá está. Até porque faltam nas peças do concurso, ou no site do Governo ou do regulador, informações claras sobre o desempenho económico das concessões, que permitam a interessados externos fazerem contas e prepararem propostas competitivas. Para isso, a melhor fonte de informação são mesmos os relatórios e contas da Solverde. Não é difícil adivinhar o resultado.
E aqui chegamos finalmente às velhas cumplicidades de Espinho. O Grupo Solverde foi o grande cliente da Spinumviva até que o escrutínio à empresa familiar do primeiro-ministro gerou demasiada publicidade negativa. Montenegro já tinha trabalhado diretamente para o grupo, precisamente na negociação direta com o Estado para a prorrogação das concessões da Solverde em Espinho, no Algarve e no casino de Chaves.
No cartel do jogo, basta a Luís Montenegro não fazer nada para os amigos da Solverde já estarem em vantagem. Tem sido esse o histórico, atravessando Governos e regimes. Mas é óbvio que a relação umbilical, de amizade pessoal e patronato político, entre o primeiro-ministro e a família Violas, levantam suspeitas diretas sobre a conduta de Montenegro e a idoneidade do Governo para conduzir os concursos que estão a decorrer. É verdade que o primeiro-ministro anunciou que pediria escusa de qualquer decisão que envolvesse a Solverde, mas como esses pedidos nem sequer são publicados, ficamos na mesma.
À velha prática de proteção dos concessionários do jogo soma-se agora uma relação pessoal e de negócio que o primeiro-ministro não quis resolver. A vitória previsível do Grupo Solverde nas suas concessões mais valiosas será uma derrota política do primeiro-ministro. Não foi por falta de aviso.
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