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Lavrov volta a público depois de crise com cimeira de Budapeste, mas continua longe de Putin

Débora Calheiros Lourenço 12 de novembro de 2025 às 17:52

Aparentemente responsável pelo mais recente afastamento entre os EUA e a Rússia, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo voltou a dar entrevistas mesmo estando distante das reuniões do Conselho de Segurança.

Serguei Lavrov lidera o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) russo há mais de vinte anos e é visto como um dos nomes mais próximos de Vladimir Putin. No entanto, nos últimos tempos esteve afastado dos holofotes, e muito se questionou se teria perdido a confiança do líder russo. Agora, deu entrevistas dois dias seguidos, domingo e segunda-feira, e terça-feira apareceu em público para retomar as conferências de imprensa. 
Putin e Lavrov juntos num evento oficial Alexander Kazakov, Sputnik, Kremlin Pool Photo via AP
O aparente mal-estar começou depois de uma longa chamada entre Putin e o presidente norte-americano em meados de outubro, na qual terá ficado acordada a realização de uma que deveria ser antecedida por contactos informais entre a delegação russa – liderada por Lavrov – e a dos Estados Unidos – chefiada por Marco Rubio. Só que as conversas entre os chefes da diplomacia não foram bem sucedidas e os russos não conseguiram nada mais do que impedir que a Casa Branca fornecesse à Ucrânia, que Zelensky tanto queria. Até ao dia de hoje e a Casa Branca chegou mesmo a sinalizar que a cimeira tinha sido cancelada e, no seu seguimento, Putin teve de ver ao longe as suas relações com o homólogo norte-americano a deteriorarem-se e Kiev a aproximar-se novamente de Washington. Não são conhecidos os detalhes da conversa entre Marco Rubio e Serguei Lavrov a 20 de outubro, mas apenas três dias depois a administração Trump decidiu aplicar o primeiro  deste mandato.   Para tentar desfazer a situação, e já depois de Lavrov ter sido aparentemente afastado, o enviado especial económico , mas não teve grande sucesso e ainda foi apelidado, pelo secretário do tesouro norte-americano, de “propagandista russo”.   O MNE russo parece mesmo ser o principal responsável pelo esfriar de relações entre as duas potências e o motivo não deve ter sido algo dito na chamada telefónica, mas sim a declaração pública de Lavrov, depois da conversa, de que a guerra não ia parar num futuro próximo. Nessa conferência de imprensa, o ministro defendeu que se a Rússia simplesmente cessasse as hostilidades estaria a “esquecer as causas originais do conflito”: “Agora ouvimos de Washington que devemos parar imediatamente [a guerra] e que não devemos discutir mais nada (...) Um cessar-fogo agora significaria apenas uma coisa: grande parte da Ucrânia permaneceria sob o regime nazi de Kiev”.  Horas depois veio a primeira reação de Trump que considerou que as conversas com Vladimir Putin ”até eram boas”, mas não “levavam a lado nenhum”. Seguiram-se as sanções “tremendas” a duas petrolíferas russas: Lukoil e Rosneft.  

O regresso sem “mais nenhuma ação adicional”

Passadas duas semanas da sua última aparição pública, Lavrov recordou esta terça-feira a chamada com Marco Rubio como tendo sido uma “conversa boa, educada e sem interrupções” e deixou indicações: “O próximo passo deveria ser uma reunião de representantes da política externa, das forças armadas, e pelo que entendi, dos serviços secretos”. Ainda assim os norte-americanos são considerados os responsáveis por não ter sido tomada “mais nenhuma ação adicional”. No domingo, o ministro russo já tinha aberto a porta a uma reconciliação. Numa entrevista à agência de notícias russa RIA abriu a possibilidade de se voltar a encontrar com o secretário de Estado: “Marco Rubio e eu entendemos a necessidade de comunicarmos regularmente. É importante para discutir a questão ucraniana e avançar na agenda bilateral. É por isso que conversamos por telefone e também estamos preparados para realizar reuniões presenciais quando necessário”. Apesar de ter dado estas entrevistas Lavrov não foi visto na reunião do Conselho de Segurança, mantendo-se longe de Putin, e o Kremlin já anunciou que a Rússia será representada pelo vice-chefe de gabinete, Maxim Oreshkin, na cimeira G20 que se vai realizar na África do Sul no fim de novembro.

“Mr. Nyet” 

Desde o início da invasão à Ucrânia que Lavrov tem sido uma das vozes russas mais críticas da liderança de Zelensky e chegou mesmo a insinuar que Adolf Hitler “tinha origens judaicas” para justificar a necessidade de “desnazificação” da Ucrânia, uma vez que o presidente ucraniano é judeu.   Lavrov é conhecido como “Mr. Nyet”, ou senhor não, pela sua postura diplomática muitas vezes intransigente. O seu estilo tem representado a linha mais dura do Kremlin, que ficou bastante clara nos dez anos em que ocupou o cargo de embaixador extraordinário no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas ou representante permanente da Federação Russa na ONU. Apesar desta imagem pública, muitos analistas internacionais consideram que Lavrov não tem realmente uma palavra a dizer, nem o desejo de manter uma boa relação com os outros países enquanto líder da diplomacia, apenas serve como canal de transmissão entre Vladimir Putin e o mundo. Numa entrevista chegou a afirmar: “Não acredito na ideologia das relações internacionais. Comecei a trabalhar como diplomata durante os tempos da União Soviética e, apesar da ideologia estar muito no topo da agenda do Partido Comunista, posso assegurar-vos que sempre tentámos ser pragmáticos”.  
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