Natal, Justiça e o dever de assegurar que o Estado não abandona ninguém
O Natal tem uma forma particular de revelar o que, durante o ano, tantas vezes passa despercebido. Quando o país abranda, quando as pressões do imediato recuam e as rotinas perdem ritmo, tornamo-nos mais atentos às fragilidades que atravessam a vida das pessoas: famílias que dependem de prestações sociais, idosos cujo rendimento não chega ao fim do mês, contribuintes confrontados com responsabilidades fiscais que geram preocupação e incerteza, cidadãos que aguardam uma decisão administrativa capaz de desbloquear o seu quotidiano. É nesta época do ano que percebemos com maior nitidez que a justiça fiscal e administrativa não é uma abstração. É parte da vida concreta de cada um.
A verdade é simples: o funcionamento da justiça mede-se também pelo modo como o Estado trata quem está em situação de maior vulnerabilidade. E nisso, o Natal não é apenas um feriado religioso ou cultural. É um instante de recalibração ética, um momento em que o país olha para si e pergunta se está, de facto, a cumprir o compromisso fundamental que a Constituição inscreve, de não deixar ninguém para trás.
É nos tribunais fiscais e administrativos que esse compromisso constitucional ganha expressão concreta. Aqui decide-se, muitas vezes, o acesso a prestações sociais que substituem rendimentos perdidos; corrige-se a contabilidade de vidas inteiras quando houve erro na carreira contributiva; evita-se que uma penhora excessiva retire a um agregado aquilo que a lei chama, com razão, o “mínimo de existência”. Estas decisões não fazem manchetes, mas fazem diferença. São decisões técnicas e discretas, mas com repercussões significativas na vida das pessoas. São decisões que protegem a dignidade.
A crise económica dos últimos anos tornou tudo isto mais visível. A inflação, o aumento do custo de vida e o peso crescente de encargos essenciais criaram zonas de fragilidade que atravessam classes sociais e gerações. O Estado tem de responder, e a justiça administrativa e fiscal é uma das expressões dessa resposta. Não substitui políticas públicas, mas garante que, quando elas falham ou tardam, existe um lugar onde a verdade dos factos ainda conta e onde a lei ainda protege.
O Natal lembra-nos também que a justiça não é apenas decisão: é tempo. Para quem espera por uma pensão corretamente calculada, por um complemento solidário que foi indeferido, ou pela revisão de uma decisão fiscal passível de evitar o colapso de uma pequena empresa familiar, cada semana tem peso real. A celeridade não é um luxo; é parte da própria ideia de justiça. Todas as reformas estruturais deveriam ter isto em conta: quando a justiça chega tarde, chega ferida. Quando chega a tempo, repara.
Ao refletir sobre isto, compreendemos melhor o lugar dos tribunais nesta época do ano. Não é um lugar simbólico; é um lugar de compromisso. É aqui que se garante que a legalidade não é indiferente à vida concreta.
Tudo isto, porém, pressupõe uma condição essencial: que os tribunais tenham meios para cumprir a função que a Constituição lhes confia. A justiça não se faz apenas de princípios; faz-se de pessoas. A insuficiência de juízes e a incompletude dos quadros comprometem a estabilidade necessária, fazendo com que o tempo da justiça se dilate até esvaziar as decisões do seu efeito útil.
Nos tribunais administrativos e fiscais, esta carência é hoje evidente. E, apesar dos compromissos publicamente assumidos quanto ao reforço dos quadros, designadamente até ao final do presente ano, a realidade permanece inalterada. No Tribunal Central Administrativo Sul, instância de recurso que, em muitos casos, representa a última possibilidade de obtenção de justiça, a insuficiência crónica de juízes - nunca plenamente suprida - conduziu a níveis de pendência incompatíveis com uma tutela jurisdicional efetiva. Quando os processos se acumulam, não é apenas o cidadão que espera, mas o próprio Estado de direito que se fragiliza.
O atraso sistemático compromete a eficácia da tutela jurisdicional, ao suspender a reparação de ilegalidades, e adiando a responsabilização da Administração quando ela se impõe. A justiça tardia não é neutra.
O Natal recorda-nos que nenhuma comunidade se mede apenas pelas intenções que proclama, mas pelas condições concretas que cria para proteger os mais vulneráveis. Também na justiça é assim. Só haverá verdadeiramente Natal na justiça administrativa e fiscal se o Governo assumir, sem mais adiamentos, a responsabilidade de lhes dar os meios humanos indispensáveis para que possam decidir a tempo - e decidir bem.
Natal, Justiça e o dever de assegurar que o Estado não abandona ninguém
A justiça administrativa não limita a ação do Estado, dá-lhe solidez. Uma decisão administrativa tomada dentro dos limites legais, devidamente fundamentada e transparente, reforça a confiança dos cidadãos e aumenta a segurança das instituições.
Importa que o Governo dê agora um sinal claro, concreto e visível, de que avançará rapidamente com um modelo de assessoria sólido, estável e devidamente dimensionado, para todos os tribunais portugueses, em ambas as jurisdições.
Para poder adicionar esta notícia aos seus favoritos deverá efectuar login.
Caso não esteja registado no site da Sábado, efectue o seu registo gratuito.
Para poder votar newste inquérito deverá efectuar login.
Caso não esteja registado no site da Sábado, efectue o seu registo gratuito.
Quando João Cotrim de Figueiredo o apertou num debate, Ventura respondeu com a confiança de quem conta com a memória curta do eleitorado e trata todos os eleitores por estúpidos.
Foi o facto de se sentir zangado com a atitude da primeira figura do estado, que impulsionou Henrique Gouveia e Melo a se candidatar ao cargo de quem o pôs furioso.