O primeiro satélite comercial português é lançado esta terça-feira pela SpaceX, e vai ser usado para monitorizar os oceanos. Ivo Yves Vieira, CEO da LusoSpace, que o concebeu, diz que é altura do País apostar no espaço.
É apenas o quarto satélite português a ser lançado para o espaço, e o primeiro com propósito explicitamente comercial: o PoSAT-2, que utiliza um novo protocolo de comunicação por criptografia, vai entrar em órbita esta terça-feira, 14, às mãos do Falcon9, veículo de lançamento da SpaceX de Elon Musk. O satélite da empresa portuguesa LusoSpace vai fazer parte da constelação (rede de satélites) ATON - Rede de Observação Atlântica, com aplicações como o mapeamento dos oceanos, comunicação segura entre embarcações e recolha de dados climáticos.
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Ivo Yves Vieira, CEO da LusoSpace, que agora lança o PoSAT-2, fez parte da equipa de investigação e desenvolvimento do PoSAT-1, o primeiro satélite português, lançado ao espaço em 1993 e em homenagem ao qual é batizado este novo sistema. Afirma que foram feitos avanços importantes no ramo da exploração espacial em Portugal, mas que, para darmos o passo seguinte, é preciso apostar no ramo com um reforço de investimento público na Agência Espacial Europeia.
Como surgiu a oportunidade de fazer parte desta constelação?
Começou através de uma iniciativa da Agência Espacial Portuguesa e do Ministério da Ciência. Havia a ambição de que Portugal pudesse integrar constelações e subir na cadeia de valor, houve um concurso aberto de possíveis negócios e concorremos a esse projeto com uma ideia que foi vencedora. O próximo passo era procurar financiamento, e o facto de ter aparecido esta possibilidade do PRR foi fundamental. Acabámos por ser convidados pela Geostat para avançar com este projeto. Todo o processo demorou mais ou menos um ano e meio, e custou um total de cerca de um milhão de euros.
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Como é que este satélite vai funcionar e quais os principais objetivos?
O satélite vai providenciar comunicações marítimas, uma espécie de Twitter dos oceanos que permite enviar e receber curtas mensagens de texto e pequenos ficheiros. Através desse sistema de comunicações, vamos criar também um Waze dos oceanos, um mapeamento com partilha de informação tanto de navios locais quanto de segurança. Os navios vão poder receber informação sobre tráfego marítimo, icebergues à deriva, derramamentos de petróleo, e mesmo avistamentos de embarcações suspeitas - é uma ferramenta importante no combate à pirataria, que continua a ser um problema grave nos dias de hoje. Além disso, vai permitir comunicar com boias que fazem medições dos oceanos, o que vai possibilitar recolher mais dados sobre o modo como o clima e os oceanos estão a mudar.
Que inovações traz o satélite às comunicações?
Já existem comunicações por satélite há muito tempo, acessíveis em qualquer lugar do mundo. O problema é que esses serviços são extremamente caros, chegam a custar até €500 por mês. O nosso serviço não serve para falar ao telefone ou ver filmes na Netflix, mas apenas para curtas mensagens, o que se pode fazer com um custo bastante mais moderado. Não consigo dizer exatamente o valor, mas, dependendo do serviço que se vai criar, poderá custar algures entre €10 e €50.
Outra das inovações é a criptografia de mensagens. Porque é que é importante?
O sistema que já existe, o Automatic Identification System [AIS], que é obrigatório para todos os navios com mais de 300 toneladas, implica que os navios partilhem a sua posição automaticamente com os outros navios. Este sistema tem alguns problemas: os barcos de pesca que partilham esta informação estão a dar a sua localização aos concorrentes, por exemplo, e existem navios que falsificam a sua posição. Este sistema de criptografia, chamado VHF Data Exchange System, vai evitar este tipo de questões, e tornar a comunicação mais segura. Já é utilizado internacionalmente e aprovado pela Organização Marítima Internacional [IMO]. Ainda não é obrigatório, mas será eventualmente, e acredito que vai criar mais confiança no sistema.
Como é que este sistema se compara com outros já em vigor, como o Starlink da SpaceX, ou o IRIS2, que será em breve lançado pela UE?
Nós não conseguimos nem queremos comparar-nos ao Starlink ou ao IRIS2, que será seu concorrente direto - seria como comparar um Ferrari a uma bicicleta. Além do tamanho e potência dos satélites, esses sistemas têm uma largura de banda muito superior: permitem movimentar grandes quantidades de informação e é muito diferente. Mas eu acredito plenamente que os dois são complementares: o mercado da bicicleta é muito diferente do do Ferrari, mas vemos que há cada vez mais bicicletas nas cidades. Quando este protocolo de mensagens for obrigatório para todos os países, vamos ficar com um mercado bastante interessante.
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Qual o impacto do lançamento deste satélite para a exploração espacial em Portugal?
O primeiro, simbólico, é que este é o primeiro satélite comercial do nosso país. Já tínhamos tido três, mas sempre experimentais, para testar alguma nova tecnologia. Este é o primeiro feito e registado para criar negócio, o que por si só tem um peso simbólico. Depois, vai permitir colocar Portugal no radar das comunicações marítimas e como referência de alta tecnologia. Somos a primeira constelação mundial deste sistema de comunicação, e esperamos que isso aumente a atividade de negócio e de investigação e desenvolvimento, subindo a cadeia de valor, não só em relação ao satélite mas na própria exploração do serviço.
Fez parte do projeto do PoSAT-1, o primeiro satélite português, e agora prepara-se para lançar o mais recente. Como vê a mudança do panorama da contribuição portuguesa da exploração espacial?
Nós tivemos três fases de exploração espacial. A primeira foi o PoSAT-1, o nosso primeiro passo no espaço, a segunda quando Portugal entrou na Agência Espacial Europeia em 2000/2001, o que permitiu criar uma presença espacial forte. A Lusospace nasce no ano seguinte, e agora estamos a dar o terceiro passo, a afirmar-nos como uma nação espacial. Portugal está a começar a fazer parte do clube de países que têm indústria espacial, e é um mercado em que vale a pena apostar.
O investimento português no espaço foi insuficiente até agora?
Tivemos de fazer um caminho de capacitação da indústria, teve de ser assim, mas as empresas estão com dificuldade em crescer devido ao investimento relativamente reduzido que fazemos na Agência Espacial Europeia. Existem vários estudos que indicam que, por cada euro que investimos no espaço, temos um retorno económico de €4 em outras áreas. E, neste momento, na UE, estamos a meio da tabela dos países que mais investimento fazem per capita, em percentagem do PIB. Acho que estamos no momento certo para Portugal perceber que vale a pena apostar no espaço, e em breve vamos ter de decidir quanto queremos investir na Agência Espacial Europeia. Este lançamento é a prova de que já temos a capacidade e a ambição para passarmos ao próximo patamar.
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