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Anna Machin: "O amor é mais poderoso para a saúde do que o exercício físico"

Vanda Marques 12 de fevereiro de 2023 às 12:11

A antropóloga evolutiva explica a ciência por trás do amor e dos afetos. Em entrevista à SÁBADO defende que foi o amor que permitiu à nossa espécie evoluir e que não há ranking de tipos de amor.

Mais importante do que comer bem ou fazer exercício físico é ter relações sólidas. O amor é o sentimento chave na nossa evolução enquanto espécie, defende Anna Machin. E não hárankingde amor, podemos ter amor pelos filhos, por amigos, por Deus ou pelos animais. A antropóloga evolutiva inglesa explica como é determinante valorizarmos e cuidarmos das relações sociais e é isso que defende no livroAmamos, porquê?. Com vários estudos sobre o amor, descobrimos como funciona e que até existe um gene que pode determinar se teremos relações longas ou não. Sempre com a ciência como aliada e como fonte de todas as conclusões.

Em entrevista àSÁBADOexplica como a biologia ajuda as mulheres a escolherem o melhor parceiro genético pelo cheiro, mesmo que não o saibam. E que os homens escolhem mulheres com curvas – aqui não conta se é S ou XL, isso é cultural – porque há maior probabilidade de serem férteis e saudáveis. Apesar de existirem poucos estudos sobre o amor entre pessoas do mesmo sexo, não há diferenças no cérebro no que toca ao amor entre heterossexuais e homossexuais. Mesmo assim, as lésbicas, tal como as mulheres heterossexuais, valorizam mais um parceiro/a que se empenhe na relação e no compromisso. Já osgayse homens heterossexuais valorizam o visual. É certo que, tal como explica Anna Machin, esta é só uma parte das relações, a mais biológica e que o nosso cérebro tem plasticidade para se adaptar às mudanças culturais.

Diz que o amor é bom para saúde, porquê?
O amor é o mais importante para a saúde. Todos os estudos indicam que as pessoas que estão em relações saudáveis, que tem maiores redes de relações, por exemplo, que fazem voluntariado e são ativas socialmente, tendem a viver mais tempo, têm muito menos doenças crónicas, menos probabilidade de ter cancro, diabetes, doenças do coração. O amor é mais poderoso do que não fumar, do que comer bem ou fazer exercício. Claro que isto são tudo coisas importantes, mas não tão importantes como ser sociais. O amor é subestimado como fator para o bem-estar. Outro motivo está relacionado com os químicos que libertamos nestas relações, como as beta-endorfinas que melhoram o nosso sistema imunitário. Se és sociável, o teu sistema imunitário é muito mais forte.

Porque decidiu escrever este livro?
Duas razões: primeiro porque todos temos amor nas nossas vidas, alguns de nós somos melhores a lidar com o amor e a encontrá-lo do que outras. Quanto mais estudas o amor, mais percebes quão importante é para ajudar à longevidade humana. Temos a responsabilidade de partilhar isso: o amor faz bem à saúde. Queria garantir que o livro cobria todos os aspetos do amor, sobretudo porque a maior parte das coisas que ouves são sobre o amor romântico. Parece ser a nossa preocupação mas na verdade o importante é que temos tantas formas diferentes de amar.

Podia explicar?
Podemos amar a família, amigos, comunidade, um deus, os nossos animais, e no futuro, poderemos amar um robô. Temos este cérebro extraordinário que tem a capacidade de criar todas estas relações. Temos de nos afastar da predominância do amor romântico e dizer: "É ótimo, se é algo que tu queres, que és bom nisso, mas não sintas que tens uma vida sem amor se não tens o amor romântico. Porque podes ter amor em vários sítios."

Nem toda a gente tem capacidade para ter um amor romântico?
Sim, mas acho que também há pessoas que não o querem e que são forçados a sentirem-se estranhas, mas isso é perfeitamente normal. Aqui no Reino Unido temos um aumento de agregados familiares com solteiros, quer dizer que muitas pessoas não estão a encontrar um parceiro para a vida. E não quero que as pessoas pensem que isso é um sinónimo de uma vida infeliz. Na realidade, têm relações de amor mas não com um parceiro romântico.

Apresenta-nos no livro uma visão de que o amor está relacionado com a sobrevivência. Podia explicar?
Muitos dos comportamentos dos humanos têm a ver com a sobrevivência. O amor é necessário porque os humanos são uma espécie altamente cooperativa, muito complexa. Além disso, não seríamos muito bons a sobreviver sozinhos. Por exemplo, os nossos filhos são muito difíceis de educar, são muito dependentes quando são pequenos. Acho que são muito poucas as pessoas que educam um filho sozinhas, por isso tens de cooperar com as outras pessoas, quer seja um parceiro, uma família, os amigos ou a comunidade. Outra coisa, tens de cooperar para aprender. Adoramos construir e fazer coisas, mas temos de aprender tudo. Mais uma vez não fazes isso sozinho, precisas que alguém te ensine. E, claro, precisamos de cooperar para conseguirmos construir casas, ter comida, somos muito cooperativos. O problema é que colaborar é muito difícil, as relações podem ser muito desafiantes, por exemplo, podes ter de cooperar com alguém de que não gostas. O que nós precisávamos para fazer esta coisa muito difícil e stressante, que é cooperar, é que tínhamos de ser subornados. A evolução tinha de inventar alguma coisa que nos fizesse pensar: "ok, isto não é tão mau, vou fazer isto". E inventou o amor. E é isso que em última análise é o amor: é a forma como a evolução nos subornou para fazermos o que temos de fazer para sobreviver. Mas obviamente com o passar do tempo – o amor é muito antigo – embelezamos este sentimento. Tornou-se uma coisa complexa, não é apenas suborno biológico, tem um lado muito cultural.

Mas como é que somos subornados? O que acontece no cérebro?
Basicamente são quatro químicos que são libertados em diferentes quantidades e em diferentes alturas, e estão lá todos para nos motivar e recompensar para começarmos e mantermos estas relações muito importantes. Aliás, chamo-lhes relações críticas de sobrevivência, são as que tens com o teu parceiro romântico, com a tua família, os teus amigos, e a tua comunidade. Por exemplo, a oxitocina garante que começas relações, está lá no início, é ela que te orienta para as outras pessoas no teu ambiente, faz-te sentir feliz para com eles. Depois tens a dopamina que é a hormona da motivação, é aquela que te faz fazer aquele esforço para estares com os outros. A terceira é a serotonina que é importante porque inspira-te a ter um amor mais obsessivo, e temos de ser vagamente obcecados uns com os outros para nos preocuparmos. Por fim, tens a beta-endorfina essa é a que garante que o amor é duradouro. Os humanos são muito pouco usuais entre as espécies animais porque temos relações muito, muito longas. É por isso que precisas de uma droga muito poderosa para garantir que nos mantemos assim.

Nem todas as pessoas são capazes de ter uma relação duradoura. Porquê? Está relacionado com o nosso cérebro?
É complicado. Há grandes diferenças individuais, isto interessa-me muito, porque somos diferentes nas relações e até no que pensamos ser o amor. E em relação às pessoas que têm dificuldades em manter relações pode existir várias coisas diferentes, alguns motivos são genéticos.

Por exemplo?
Há certos genes que estão associados à motivação para quereres ter uma relação, alguns pessoas tem um gene chamado o "nesting gene" (gene de fazer ninho/família), que faz com que sejas muito orientado para formar relações. Essas são as pessoas que se sentem mais confortáveis quando estão com outras pessoas. Depois tens pessoas que não têm isso. E não estão assim tão incomodadas por isso, e pode ser um pouco mais difícil de manter as relações e podem não ter as ferramentas básicas como a empatia, para formar relações. Geneticamente podem estar predispostos para não ser assim tão fácil encontrar relações. A outra coisa que afeta a forma como estabeleces relações é a tua infância e educação – as relações que viste enquanto eras criança. Essas são mesmo importantes. Se vens de uma família carinhosa, onde te sentes muito segura, e viste relações saudáveis entre os pais, tens maior probabilidade de quereres uma relação e de seres boa nisso. Se não tiveste isso, pode ser muito mais difícil. É que as relações que tens enquanto criança vão estruturar a arquitetura do teu cérebro. Quando há pessoas que têm dificuldade é porque os seus cérebros não estão tão adaptado a formar e a manter relações.

"O amor é necessário porque os humanos são uma espécie altamente cooperativa. Além disso, não seriamos muito bons a sobreviver sozinhos"
Anna Machin

Cargo

Porque o teu cérebro não aprendeu isso?
Não é propriamente aprender, é que a estrutura da arquitetura do teu cérebro não está lá para apoiar na construção de boas relações. Porque o cérebro das crianças cresce rapidamente até aos 2 anos e a parte que se está a formar nessa altura é a parte que tem a ver com a tua capacidade social e de amor. E essa capacidade é muito influenciada pelo ambiente em que se encontra. Se estás num ambiente horrível não tens a mesma quantidade de neuroquímicos no seu cérebro, nem neurónios associados a isto. Além disso, também podes associar relações com o medo e, por exemplo, ter amígdalas maiores, porque é ali que está o medo. Tendem a não estar preparados para serem tão bons nisso.

Enquanto investigou para este livro, qual foi a descoberta mais fantástica?
Adorei o conceito de sincronia de comportamentos. É um conceito muito importante que mostra a importância do amor, das relações e como os laços são importantes. Quando duas pessoas estão juntas e são muito próximas – amigos, casais, pais e filhos – copiam os gestos de mãos, os comportamentos, isso já sabíamos. Mas se olharmos para dentro do corpo, a fisiologia está em sintonia, ou seja, coisas como batimento cardíaco, temperatura corporal, pressão arterial estão em sincronia. Depois quando olhamos para o cérebro, e vemos que os mesmos pedaços do cérebro estão ativados e a neuroquímica – os níveis de químicos a circular no cérebro – são os mesmos. Basicamente estas duas pessoas tornam-se um ser. Isso demonstra como podes ficar tão ligado a outra pessoa, e mostra que estar nessa ligação é tão importante para ti que todos os mecanismos do teu corpo são recrutados para garantir que se aproximam o máximo possível. De um ponto de vista científico, acho que isso é o conceito mais poderoso. Outra coisa foi o facto de existirem tantos tipos de amores diferentes. Somos tão sortudos enquanto espécie. Há algumas que têm amizades muito fortes, outros que têm amor por um deus. Isso é tão poderoso para eles como o meu amor pelos meus filhos.

No livro fala de vários estudos sobre o amor e um deles mostra como o cheiro é importante para escolher parceiros. Podia explicar?
Somos um animal cultural, definimos pela cultura, mas continuamos a ser um animal e temos os institutos biológicos dos animais e ainda usamos os nossos sentidos de forma muito poderosa. Nos primeiros segundos quando conhecemos alguém estamos a avaliá-lo. Não sabemos que o estamos a fazer. No caso das mulheres, elas têm a capacidade de cheirar a compatibilidade genética. Se vais ter uma relação com um homem com quem vais ter filhos, queres garantir que aquelas crianças sejam o mais geneticamente diversas possível. Tu não queres ter filhos com alguém que tem os genes muito próximos dos teus porque isso aumenta a probabilidade de doença e de problemas de desenvolvimento. As mulheres acham mais sexy e interessante os homens que são geneticamente diferentes. As mulheres são capazes disto, não os homens. Porque a penalização é muito maior para as mulheres se não acertarem, já que as mulheres vão ficar 9 meses e provavelmente mais dois anos sem se reproduzir.

Quanto ao corpo, o mais interessante para os homens é o rácio: o rácio anca e cintura. O ideal é uma proporção de cintura-anca elevada, de 0,7. Isto não é cultural, nem tem a ver com tamanhos. Ter curvas é bom porque há uma relação entre este indicador e a boa saúde e fertilidade nas mulheres. É menos provável que tenham diabetes ou tipos de cancro. É um sinal de alto estrogéneo e precisas disso para ser fértil. Há um estudo muito interessante que analisou para onde olham os homens quando se cruzam com mulheres e o primeiro sitio para onde olham é para a cintura e ancas, estás a avaliar. Eles não sabem que o fazem.

Refere que o amor homossexual está a começar a ser estudado. Mas é diferente?
Os dados sobre o amor homossexual são complexos. É um escândalo não existirem mais estudos. Mas, até agora, o que se percebeu é que os homens heterossexuais estão mais interessados no físico e na aparência do que as mulheres heterossexuais. E os gays é o mesmo, a aparência tem muita importância. As lésbicas, tal como as mulheres heterossexuais, dão mais importância aos sinais de compromisso e dedicação e o visual é menos importante. Mas se pões um aparelho de ressonância magnética no cérebro de uma pessoa apaixonada não vês diferença nenhuma entre homossexuais ou heterossexuais, a impressão digital de amor é igual entre as várias orientações sexuais. E também não há diferença entre homens e mulheres.

Existe uma hierarquia no amor, com o amor parental e o romântico no top?
Tradicionalmente pensamos que esses dois estão no top, mas o impacto positivo do amor na saúde, por exemplo, também é sentido quando se trata de amor pela religião ou por um animal de estimação. Isto quer dizer que não há hierarquia. Se estás envolvido na tua comunidade, ou tens uma rede de amizade forte isso é tão forte como o amor romântico. Foi por isso que quis fazer este livro porque nos desligamos de algumas das nossas relações, e tendemos a categorizar. Diz-se que o amor romântico e parental é o objetivo, mas é errado as pessoas que não têm amor, achar que vão ser infelizes. Temos de reconsiderar o que é o amor. Porque outros tipos de amor são importantes. Estamos num mundo fragmentado, mas somos uma espécie incrível e temos uma capacidade incrível – o amor - que nos tornou quem somos como espécie. Sem ela não teríamos sobrevivido como espécie e teríamos desaparecido.

Mas quando escreve no livro sobre o amor maternal, explica que são ativadas partes do cérebro diferentes das dos homens. Pode explicar?
O que descobrimos é que quando olhamos, pais e mães amam os filhos, mas quando interagem com os filhos algumas partes do cérebro são as mesmas: as partes relacionadas com empatia, carinho e cuidado. Ambos os pais são capazes disso. Depois quando olhamos para as outras partes, vemos algumas diferenças. Com as mães o maior pico de atividade no cérebro é no centro do cérebro, que é muito antigo, é compreensível porque ser mãe é tão antigo como o tempo. O amor de mãe é muito sobre cuidado, a proteção e essas coisas. Quando olhamos para o cérebro do pai o pico de ativação no cérebro é nas áreas exteriores do cérbero, no neocórtex, que é a nova parte do cérebro. O que isso demonstra é que apesar dos pais também serem cuidadores, este pedaço extra, novo demonstra que eles estão mais interessados no desenvolvimento da criança, a desafiá-la e a torná-la resiliente. A razão porque mãe e pai são diferentes é que, do ponto de vista evolucionário, temos uma educação biparental o que não acontece no reino animal. Normalmente, os pais não se envolvem. Por esse motivo, a evolução não faz com que os dois tenham o mesmo trabalho porque isso seria fútil, não ganhávamos nada em termos de evolução. O quer acontece se tens um pai gay? O que vemos é que o cérebro demonstra a sua plasticidade. Quando olhas para o homem que é o que fica em casa, mais cuidador, vês que ambas as partes do cérebro se acendem: o pedaço do pai e o da mãe. Isto quer dizer que o cérebro do pai mudou. Além disso, a paternidade tem meio milhão de anos - é uma coisa recente. 

Então quer dizer que a forma como vivemos o amor pode mudar? 
Pode mudar, mas é muito lento. E muda porque obviamente, o objetivo é o de sobreviver e para isso temos de nos conseguir adaptar ao ambiente o melhor possível.

Acha que as redes sociais, os telemóveis, podem mudar a forma de amar?
Não. Os fundamentos do amor não mudaram. O que mudou foi a forma como tentamos manter as nossas relações e a quantidade de tempo que investimos nelas. Porque o problema é que o cérebro humano não evoluiu para cuidar de relações à distância, mas para ter relações cara a cara, precisas do toque, do cheiro. O problema é que se só usas as redes sociais, as relações acabam por enfraquecer, porque precisas da tal cola neuroquímica para ficarem juntos. Devemos usar as redes como ferramenta, mas tens de manter as relações pessoais.

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