Em 2012, Felix Baumgartner saltou de uma cápsula suspensa a quase 40 km de altura e tornou-se o primeiro homem a quebrar a barreira do som em queda livre. O skydiver, que chegou a saltar da ponte 25 de Abril disfarçado de operário, morreu na última quinta-feira, após um voo de parapente. Lembre a entrevista que ele deu à SÁBADO.
A 14 de outubro de 2012, Felix Baumgartner saltou de uma cápsula suspensa a 39.045 metros de altitude sobre o Novo México e tornou-se o primeiro homem a quebrar a barreira do som em queda livre, num salto visto em direto por mais de 8 milhões de pessoas no Youtube.
AP Photo/Ross D. Franklin, File
Esse foi o concretizar de um dos seus sonhos, conforme disse na altura à SÁBADO. O outro era pilotar helicópteros, e dizia então, no final de 2012, esse iria ser o seu futuro, já depois de se dedicar a saltar de todo o tipo de elevações, desde montanhas a edifícios.
Na última quinta-feira, dia 17 de julho, Felix Baumgartner, de 56 anos, morreu na sequência de um acidente de parapente na região italiana de Las Marcas. O acidente aconteceu quando o austríaco se sentiu mal durante o voo e acabou por aterrar na piscina de um estabelecimento turístico em Porto Sant'Elpidio, na costa do Adriático. Aparentemente, terá perdido o controlo do parapente após se sentir mal.
O seu legado ficará para sempre ligado ao salto que o imortalizou, em outubro de 2012. Depois disso Baumgartner andou um mês em digressão pelos Estados Unidos, em universidades, escolas, clubes e programas de televisão. A SÁBADO tinha contactado, na altura, os responsáveis pela comunicação da empresa Red Bull em Portugal (a multinacional de bebidas energéticas e desportos radicais desenvolveu a missão Stratos durante cinco anos, investindo 50 milhões de euros), para tentar uma entrevista com Baumgartner, mas disseram-nos que isso só poderia acontecer no final de novembro, após o seu regresso à Europa.
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Recorde o momento em que Felix Baumgartner se tornou o primeiro homem a saltar da estratosfera
Já perto do Natal de 2012, as respostas chegaram, via email. Ele falou das dificuldades que sentiu na descida, sobretudo quando entrou em espiral, ou dos perigos que correria se o seu visor ficasse gelado. Não quis abordar temas como o dinheiro que recebeu, os seus anteriores saltos (em 1999 disfarçou-se de operário para poder saltar de paraquedas da ponte 25 de Abril) ou ainda se tinha feito um testamento para o caso do salto do espaço correr mal. Recorde aqui a entrevista, publicada na SÁBADO de 10 de janeiro de 2013.
Disse que nunca mais voltará a fazer um salto como este. Porquê?
Sou daquele tipo de pessoas que olham sempre para os novos desafios, e isso aconteceu com os meus outros saltos [fez mais de 2.600, de prédios, montanhas, pontes ou monumentos – como o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro], todos aliciantes, mas não tenho interesse em repetir uma coisa que já alcancei.
Durante o salto, atingiu 1.342 km/h, o que lhe permitiu quebrar a barreira do som em queda livre. Apercebeu-se dessa velocidade?
Tinha a minha atenção focada no que devia fazer para estabilizar a descida, portanto não me apercebi disso até que quando cheguei ao chão a equipa de apoio me disse que tinha ouvido o meu boom supersónico.
Em algum momento sentiu que estava em perigo? Antes do salto, disse: "Se alguma coisa correr mal, morro em 15 segundos".
Bem, quando disse que morria em apenas 15 segundos, estava a referir-me ao que aconteceria se eu perdesse a pressurização – por exemplo, se houvesse um rasgão ou outro tipo de incidente com o meu fato. Mas correu tudo bem e nunca me senti em perigo.
Houve algum momento complicado?
Senti que estava em apuros quando comecei a entrar em rotação, às voltas. É que um mau spin podia provocar-me um blackout e fazer-me perder os sentidos – ou, ainda pior, um red out, que é quando o sangue aflui rapidamente à cabeça. Sabíamos que poderia sempre acontecer eu entrar em espiral, por isso treinei bastante esse aspeto e estava preparado para o que pudesse acontecer. Sabia também que o meu equipamento tinha um pequeno pára-quedas de estabilização, que eu podia ativar se fosse necessário. Aliás, ele abria automaticamente se eu enfrentasse forças de 3,5 G [três vezes e meia o seu peso] durante seis ou mais segundos. Fiquei contente por isso não ser necessário, porque isso iria criar arrasto e tornar a descida lenta, impedindo-me assim de poder quebrar a barreira do som.
É verdade que Joe Kittinger [antigo piloto norte-americano, que em 1960 saltou em queda livre de um balão a 31 km de altitude] o ajudou a enfrentar a claustrofobia que o fato lhe provocava, passando algum tempo dentro de um caixão?
Não, o que o Joe fez foi avisar-me que a melhor maneira de me acostumar ao fato era andar com ele vestido o máximo de tempo possível, e foi isso que fiz.
O projeto Red Bull Stratos foi cancelado várias vezes, porque nem sempre havia as condições meteorológicas ideiais. Como foram esses avanços e recuos?
O projeto só podia avançar com as condições perfeitas. O balão em que subi até à estratosfera era feito de um plástico superficial e leve, por isso poderia haver problemas se fosse atingido por ventos fortes. Foi por isso que a 9 de outubro tivemos de cancelar a subida no momento imediatamente antes do lançamento. Estes balões são especialmente vulneráveis, porque o seu topo na largada está tão alto como um prédio de 75 andares. Assim, não pode haver vento desde o nível do chão até uma altura de 245 metros. E os ventos numa altitude superior também são um problema. Além, claro, das nuvens, da chuva ou mesmo da humidade. Por tudo isso, não foi nada fácil encontrar um dia perfeito.
Simulou as extremas condições que ia enfrentar na estratosfera?
Sim, fizemos vários testes e exercícios. Muitos foram para me ajudar a conseguir descer de forma equilibrada e estável com o fato – não é natural, para um skydiver, ter as limitações físicas de um fato pressurizado e as limitações visuais de um capacete [Felix Baumgartner não podia olhar para cima, e para ver se o pára-quedas abriu teve de usar um espelho acoplado numa luva]. Fiz treinos com o fato num túnel de vento e em saltos de helicópteros e aviões a 9 km de altitude. Também fiz bungee jumping com o fato, para treinar a minha saída da cápsula espacial, que tinha de ser perfeita.
Onde foram feitos os testes de simulação?
Foram feitos numa câmara de altitude, suficientemente grande para conter a cápsula. Treinamos todos os passos a dar na missão em tempo real – aliás, a pressão e os reduzidos níveis de oxigénio iam diminuindo até ficarem exatamente iguais aos que eu ia enfrentar na estratosfera. Com valores iguais aos existentes a 39 km de altitude, eu abria a porta da cápsula e vinha para a câmara. Nesse momento, a única coisa que me separava de uma estratosfera mortífera era o meu fato pressurizado com 100% de oxigénio [capaz de resistir a temperaturas de 70 graus negativos].
E também fez testes de grande altitude?
Fiz dois saltos estratosféricos, antes da missão final. Um de 21.818 metros, em março, e outro de 29.610 metros, em julho. Serviram para me dar uma ideia real de como seria mergulhar no vácuo, o que foi muito importante para o salto final. A única coisa que não pudemos simular foi quebrar a barreira do som em queda livre - isso foi a grande incógnita até ao salto final.
Tornou-se o primeiro ser humano a quebrar a barreira do som em queda livre. Sente que fez História?
Nem toda a gente sente uma grande paixão por quebrar barreiras e por saltar do espaço (ou mesmo de locais elevados), mas eu acho que todas as pessoas são únicas. Obviamente que ser o primeiro a quebrar a barreira do som em queda livre é algo que vai ficar nos livros de recordes. Mas, por trás disso, também desenvolvemos inovações ao nível de equipamentos e efetuamos pesquisas que vão permitir aos cientistas melhorar a segurança no espaço. Isso é um legado que nos deixa orgulhosos.
Como é que a Red Bull Stratos pode ajudar no desenvolvimento das futuras missões da NASA?
Tanto os responsáveis pelos programas espaciais governamentais como de empresas privadas já mostraram interesse em ver os nossos equipamentos e dados, no sentido de fazerem saltos de altitudes mais elevadas com o intuito de melhorar a segurança no espaço para profissionais e para potenciais turistas espaciais.
O que é que poderia acontecer se o visor do seu capacete ficasse tão embaciado que não conseguisse ver nada?
Se o visor ficasse completamente embaciado quando ainda estivesse dentro da cápsula, não daria para saltar. Eu tinha de ver o horizonte para poder estabilizar o salto, por isso não seria seguro fazê-lo com um visor cheio de vapor. Nesse caso, o salto seria cancelado e teria de descer na cápsula. Se o visor ficasse nublado ou com gelo durante o salto, havia sistemas automáticos no meu equipamento que me permitiriam impedir uma perigosa descida em espiral e aterrar de forma segura, mas claro que é sempre melhor termos controlo visual sobre o que estamos a fazer.
Qual é a imagem mais espetacular de que se recorda?
Quando fiquei à porta da cápsula, pronto para saltar, consegui ver a curvatura perfeita da Terra por baixo de mim e tinha um céu completamente preto por cima da minha cabeça. Era um contraste incrível, e tenho a noção de que muito poucas pessoas alguma terão a chance de viver um momento desses.
Já disse que vai deixar os desportos radicais e quer pilotar helicópteros de resgate ou helicópteros de produtores de cinema de Hollywood. Confirma?
Desde criança que tinha dois sonhos: um era saltar do espaço, o outro era pilotar helicópteros. Já fui piloto de helicópteros durante seis anos e atualmente tenho licença privada para pilotar na Áustria e nos EUA e licença comercial para pilotar na Europa. Penso que pilotar helicópteros será o próximo passo na minha carreira e isso inclui participar em salvamentos, pilotar helicópteros de filmagens ou levar atletas de desportos de inverno até locais de difícil acesso.
Quais são os seus hobbies favoritos?
Com todos os compromissos que tive, não tenho tido tempo para hobbies. Mas quando posso, gosto de tratar do meu carro, de andar de bicicleta e de patins em linha ou de andar de barco num lago perto de minha casa [em Arbon, na Suíça]. E claro, de passar um belo serão com a minha namorada e com os meus amigos.
Morreu o homem que saltou do espaço - recorde a sua entrevista à SÁBADO
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