Cerca de 5% dos portugueses é sobrevivente de cancro, mas vive com fadiga extrema, problemas de memória e dor crónica. Para eles, abriu agora uma unidade médica especializada.
A eficácia dos tratamentos e a deteção precoce têm feito aumentar o número de sobreviventes de cancro em Portugal e no mundo. Cerca de meio milhão de portugueses conseguiram superar a doença, mas vivem com sequelas provocadas também pelos tratamentos.
A maioria sente cansaço persistente e, pelo menos, metade não consegue deixar de sentir dor de forma constante. Para fazer face a estes sintomas e ao tratamento diferenciado que exigem pacientes que já tiveram cancro, a CUF criou a Unidade do Sobrevivente de Cancro. A oncologista Mariana Malheiro explicou à SÁBADO o objetivo desta nova unidade médica.
Quantas pessoas sobrevivem ao cancro em Portugal?
Estima-se que existam atualmente cerca de 500 mil pessoas que já enfrentaram um diagnóstico de cancro e que estão vivas após o tratamento. Isto corresponde a aproximadamente 5% da população. O número tem aumentado progressivamente nos últimos anos, graças à melhoria na deteção precoce, à eficácia dos tratamentos e ao envelhecimento da população. Estes sobreviventes incluem tanto pessoas curadas como outras que convivem com a doença de forma controlada, o que exige cuidados especializados e acompanhamento a longo prazo.
O número tem vindo a aumentar?
Sim, e de forma muito significativa. Com os avanços na medicina, muitos tipos de cancro passaram a ter elevadas taxas de sobrevivência. Por exemplo, de acordo com a EUROCARE-5 - um estudo europeu que analisa a sobrevida de doentes oncológicos -, a taxa média de sobrevivência relativa aos cinco anos para mulheres com cancro da mama na Europa foi de 82%, podendo atingir 85% nos países do Norte da Europa, e para o cancro da próstata ultrapassa os 90%. Além disso, o aumento da esperança média de vida e os programas de rastreio têm contribuído para diagnósticos mais precoces. Isso faz com que cada vez mais pessoas vivam muitos anos — ou mesmo toda a vida — após o diagnóstico de cancro.
Quais as queixas mais frequentes depois dos tratamentos?
Mesmo após o fim dos tratamentos, muitos sobreviventes continuam a lidar com sintomas que afetam o seu dia-a-dia. Entre os mais comuns encontramos o cansaço persistente (fadiga) - entre 60% a 70% dos sobreviventes relatam este sintoma, que pode durar meses ou anos. As dificuldades de memória e concentração (chemobrain), que afetam cerca de 45% a 50%, especialmente em quem recebeu quimioterapia e a dor crónica, que está presente em cerca de 10% a 40% dos sobreviventes, sobretudo após cirurgias ou radioterapia, são outras das queixas frequentemente relatadas. A ansiedade e depressão afetam cerca de 21% das pessoas, sendo mais comuns nos primeiros anos após o tratamento.
E os efeitos secundários a médio e longo prazo?
Podem ser físicos, emocionais e sociais. Em muitos casos, os sintomas prolongam-se por anos após o fim do tratamento. Entre os mais frequentes estão: a fadiga crónica, que afeta a energia e limita a atividade diária; alterações cognitivas, como falhas de memória e dificuldade de concentração; problemas hormonais e dificuldades na vida íntima, especialmente em cancros da mama, próstata ou ginecológicos. Também é comum a existência de dor persistente, muitas vezes causada por intervenções cirúrgicas ou efeitos da radioterapia. Do ponto de vista emocional, relevo a ansiedade e depressão prolongadas, muitas vezes relacionadas com o medo da recidiva e o impacto psicológico do diagnóstico.
Como é que os tratamentos afetam o cérebro, o coração e o corpo?
Os tratamentos oncológicos, embora essenciais, podem ter efeitos colaterais em vários órgãos e funções. A quimioterapia pode afetar o funcionamento cerebral, causando alterações na memória, na atenção e na velocidade de raciocínio - conhecido como chemobrain. A radioterapia na zona do peito pode afetar o coração, aumentando o risco de doenças cardiovasculares. As cirurgias e os períodos prolongados de inatividade podem reduzir a mobilidade, afetar o equilíbrio e levar à perda de massa muscular. Além disso, alguns fármacos podem ter efeitos tóxicos a longo prazo, exigindo vigilância contínua, mesmo após o fim dos tratamentos.
O medo de que o cancro volte causa ansiedade e depressão?
Sim, é um dos fatores mais frequentes de ansiedade entre sobreviventes, estando associado a distúrbios do sono e sintomas depressivos. O chamado medo da recidiva pode surgir mesmo anos após o tratamento e causar preocupação constante com sinais de alerta ou exames de rotina. Pode também levar à evicção de determinadas atividades, por receio de agravar o estado de saúde, e espoletar dificuldade em fazer planos a longo prazo. Este medo é normal, mas quando interfere com a qualidade de vida, deve ser acompanhado por profissionais de saúde mental.
O cancro afeta o sono?
Cerca de 20% a 30% dos sobreviventes relatam dificuldades para dormir, insónias ou sono fragmentado. Estes distúrbios do sono estão geralmente associados a: ansiedade ou stresse pós-tratamento; dor crónica e desconforto físico; efeitos secundários de medicamentos e alterações hormonais ou metabólicas. Dormir mal piora o cansaço, diminui a concentração e agrava sintomas de ansiedade e depressão, criando um ciclo difícil de quebrar sem apoio especializado.
O que muda com uma unidade especializada em sobrevivência oncológica?
Muda tudo. Sobreviver ao cancro é uma vitória, mas não é o fim da jornada. Muitas pessoas continuam a lidar com sintomas físicos, emocionais e sociais que exigem acompanhamento específico. São já várias as entidades e organismos internacionais que têm vindo a propor orientações e a criar recursos para dar resposta aos desafios que os sobreviventes enfrentam depois do cancro - exemplo disso são instituições de referência a nível internacional como a Dana Farber Cancer Institute e o MD Anderson Cancer Center, nos Estados Unidos. Em Portugal, a Unidade do Sobrevivente de Cancro da CUF Oncologia, trata-se de uma resposta pioneira, criada precisamente para responder às necessidades complexas e duradouras de quem sobrevive ao cancro. Reúne uma equipa multidisciplinar, da qual fazem parte médicos, psicólogos, fisioterapeutas, nutricionistas e outros profissionais com experiência na resposta às necessidades que surgem no pós cancro — com um objetivo comum: ajudar cada pessoa a recuperar a sua qualidade de vida e autonomia.
Que cuidados oferece a Unidade?
Os sobreviventes precisam de seguimento clínico personalizado, que após uma avaliação médica pode passar pela integração de apoio psicológico contínuo, reabilitação física e cognitiva, aconselhamento nutricional, gestão de sintomas persistentes, educação para a saúde e prevenção de recidiva. O que muda com a criação da Unidade do Sobrevivente de Cancro é que o apoio passa a ser feito de forma integrada, alinhado com a visão de organizações como a European Cancer Organisation e a European Cancer Patient Coalition que promovem uma abordagem abrangente e inclusiva da sobrevivência.
Antes, a quem recorriam estas pessoas?
Antes da existência de unidades especializadas, os sobreviventes eram acompanhados nos hospitais, normalmente pelo oncologista, durante os primeiros anos após o tratamento. Depois disso, muitos ficavam sem apoio estruturado e tinham dificuldade em encontrar respostas para as suas dúvidas ou sintomas. Importa também destacar o papel relevante que as associações de doentes têm assumido, como a Associação de Apoio a Pessoas com Cancro, ou entidades como a Liga Portuguesa Contra o Cancro, oferecendo vários tipos de apoio.
Que apoios existem para melhorar a saúde e qualidade de vida?
Hoje, há cada vez mais intervenções eficazes que ajudam os sobreviventes a recuperar e manter a qualidade de vida: apoio psicológico, para lidar com o medo, ansiedade e redefinir objetivos; reabilitação física e cognitiva; programas de nutrição e atividade física adaptada; apoio dermatológico; seguimento cardio-oncologia, e terapias complementares, como mindfulness ou ioga, entre outras que se ajustem às necessidades de cada pessoa.
Existem limitações nos tratamentos por já terem tido cancro?
Após o cancro é importante considerar o historial oncológico de cada pessoa. O tipo de cancro, os tratamentos realizados e os seus efeitos a longo prazo podem influenciar as escolhas terapêuticas futuras. Por isso é fundamental que as recomendações de seguimento dos sobreviventes sejam personalizadas, tendo sempre em conta o histórico oncológico, o estado de saúde atual, a qualidade de vida e os riscos associados a determinados tratamentos. Isto porque, se após um cancro surgirem outras doenças, é importante que os especialistas conheçam o historial oncológico de cada doente porque podem existir limitações no uso de certos medicamentos ou procedimentos. Uma abordagem individualizada é essencial para garantir cuidados adequados e seguros no seguimento.
Qual é o sintoma mais difícil de tratar?
A fadiga crónica destaca-se como um dos mais difíceis de controlar. Mesmo depois de exames normais, muitos sobreviventes referem cansaço extremo que interfere com o trabalho e a vida familiar. Este sintoma afeta até 70% das pessoas e exige uma abordagem multidisciplinar.
A alimentação tem de mudar?
De forma geral, recomenda-se o aumento do consumo de frutas, legumes e cereais integrais, a redução da ingestão de carnes processadas, açúcar e gorduras saturadas, bem como a manutenção de um peso saudável. A alimentação é um pilar fundamental na recuperação e na prevenção de novos problemas de saúde. E, embora existam orientações gerais para a alimentação no período pós-cancro, muitos sobreviventes beneficiam de aconselhamento nutricional adaptado às suas necessidades específicas.
O apoio psicológico é essencial?
Na Unidade do Sobrevivente de Cancro, quando identificamos a presença de perturbações de ansiedade, depressivas e de adaptação, referenciamos o sobrevivente para a área de psico-oncologia. O apoio psicológico ajuda a lidar com o medo da recidiva; a aceitar as mudanças no corpo e na vida e a recuperar a autoestima e o equilíbrio emocional.
Há apoio para familiares e cuidadores?
Sim. Os cuidadores também enfrentam grandes desafios e muitas vezes negligenciam a própria saúde. Há aconselhamento destinado a familiares, que é fundamental para garantir o equilíbrio de toda a rede de apoio ao sobrevivente.
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