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E se houvesse um "Ozempic" para o álcool?

Na verdade existe, chama-se naltrexona e destina-se a tratar as dependências desta substância - não para um uso recreativo. Profissionais de saúde no Reino Unido sugerem que poderia ajudar a combater os excessos das festividades.

Festividades como o Natal e o Ano Novo são sinónimo de excessos. Não é só na comida – neste período também há sempre um maior consumo de bebidas alcoólicas. Mas, e se houvesse uma forma de refrear o impulso de encher mais um copo e acordar no dia seguinte de ressaca? Uma espécie de Ozempic para o álcool? Na verdade, existe mesmo: trata-se de um medicamento chamado naltrexona, que é usado para controlar a dependência de álcool ou opióides.

Portugal tem um dos consumos de álcool mais elevados da OCDE
Portugal tem um dos consumos de álcool mais elevados da OCDE Cofina Media

O fármaco está reservado a situações clínicas, e é sujeito a receita médica, mas especialistas do sistema de saúde britânico pretendem que os médicos possam prescrevê-lo de uma forma mais abrangente – para impedir a população beba em demasia nesta quadra, diz o jornal Daily Mail.

Segundo a publicação, mais de 320 mil pessoas são internadas todos os anos devido a problemas relacionados com o álcool; e mais de 10 mil morrem mesmo – a maioria com problemas de fígado. Em Portugal, o álcool também é um problema sério. Segundo um relatório recente, o país regista o valor mais elevado de consumo entre os 38 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), com 11,9 litros per capita.

A ideia de haver uma medicação que, à semelhança do poderoso semaglutido (a substância presente no Ozempic e noutros medicamentos para a diabetes e para a obesidade), refreia os impulsos de beber sem parar, é apelativa - mas deve ser enquadrada e encarada com precaução. “Não faz sentido como truque para beber sem consequências”, considera a médica psiquiatra Maria Moreno.

“A naltrexona não é um antídoto para as nossas asneiras e decisões pouco espertas. É uma ferramenta para quem quer mudar o padrão mas não consegue, implica sempre vontade de mudar”, diz a especialista à SÁBADO.

É verdade que há mesmo semelhanças entre a naltrexona e o Ozempic, mas também existem diferenças. A parecença está no sítio onde atua: o sistema de recompensa de cérebro. “Ambos mexem naquele circuito que gera o ‘apetece-me mesmo’ (totalmente involuntário e que surge sem convite) e que empurra a pessoa para fazer antes de pensar. Retiram o automatismo”, explica a profissional de saúde da Clínica Cognilab, em Cascais.

Contudo, os efeitos de cada uma das substâncias são diferentes. “A naltrexona bloqueia os recetores opioides que funcionam como amplificadores de recompensa. O álcool continua lá, mas já não sabe a nada, o que faz com que o cérebro deixe de se interessar”, diz. Já o Ozempic atua induzindo a saciedade, o que reduz o apetite. "Tem um impacto indireto nos circuitos de recompensa. É mais um ‘abranda, não precisas disso agora’ do que um ‘isto já não sabe ao mesmo’”, compara.

Não é uma coisa nova

A não é um medicamento novo. Já está aprovado há vários anos em Portugal. Curiosamente, continua a ser pouco usado na prática clínica. “Diria que porque o álcool é socialmente aceite e normalizado. Estamos sempre à espera que a força de vontade faça o trabalho todo e esquecemo-nos que as dependências têm (todas) um mecanismo neurobiológico por trás”, lamenta Maria Moreno, que também trabalha no Hospital dos Lusíadas, em Lisboa.

Este medicamento é usado no tratamento da dependência de álcool, “ajudando a reduzir o craving e o regresso ao consumo pesado”, explica. Torna a substância menos apelativa porque deixa de saber bem – o que desencoraja e faz diminuir o consumo. Também é eficaz para o vício de opioides, como forma de prevenir recaídas. Contudo, ressalva a médica psiquiatra, é uma ferramenta para ser usada como auxílio na manutenção e não como tratamento de início.

“Só se usa depois de a pessoa estar completamente livre de opioides porque a naltrexona bloqueia o efeito dessas substâncias e pode precipitar uma crise de abstinência se ainda estiverem em circulação”, diz.

Também em Portugal, o medicamento é sujeito a receita médica e, ainda que possa parecer tentador usá-lo num contexto social, é desaconselhado. Tem, como todos os outros medicamentos, riscos e efeitos secundários. Além de que não existem milagres. “A naltrexona não substitui escolhas nem responsabilidades nas decisões que tomamos, só dá à pessoa a hipótese real de escolher sem estar refém do mecanismo por detrás da dependência”, alerta Maria Moreno.

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