Sábado – Pense por si

Pianista brasileira a trabalhar em Portugal há quase 40 anos deixou de existir na AIMA

Lusa 08:15
As mais lidas

Lilian veio estudar piano em Portugal em 1987 e acabou como professora na Escola Artística de Música do Conservatório Nacional. A sua autorização de residência venceu em 15 de janeiro deste ano, mas apesar dos esforços e marcações para renovar o documento, ainda não conseguiu fazê-lo.

A pianista brasileira Lilian Kopke, em Portugal há 40 anos e funcionária do Estado português, deixou de constar dos dados da imigração, apesar de há décadas renovar a autorização de residência permanente.

Pianista brasileira, Lilian Kopke, enfrenta problemas com a AIMA após 40 anos em Portugal
Pianista brasileira, Lilian Kopke, enfrenta problemas com a AIMA após 40 anos em Portugal Sérgio Lemos/Medialivre

Lilian veio estudar piano em Portugal em 1987 e acabou como professora na Escola Artística de Música do Conservatório Nacional, de onde só tem boas memórias, principalmente dos alunos e professores com quem conviveu e dos artistas com quem privou. Chegou como turista, porque nunca conseguiu junto do Consulado de Portugal em São Paulo, onde vivia, um visto de estudante, e, depois, foi começando do zero, continuando a entrar em Portugal como turista e pedindo autorização de residência no então SEF.

Além do passaporte, apresentava o pedido de autorização de residência, que não era suficiente, por exemplo, para se legalizar na Caixa Geral de Aposentações, uma vez que era professora de uma instituição pública. Conseguiu resolver a situação junto da Embaixada do Brasil em Portugal, o que lhe permitiu obter a autorização de residência.

"Naquela altura, éramos quatro ou cinco brasileiros aqui e eu fui ao encontro do embaixador do Brasil, eles conseguiram interferir e eu consegui o visto" de autorização de residência e, dois anos depois, o de residência permanente.

Esta autorização é renovável a cada cinco anos e foi isso que Lilian fez, até janeiro de 2020. A sua autorização venceu em 15 de janeiro deste ano, mas apesar dos esforços e marcações para renovar o documento, ainda não conseguiu fazê-lo.

Apesar das várias tentativas, a AIMA foi respondendo a pedidos anteriores, entretanto acumulados. Quando soube que estavam a tratar dos pedidos referentes às autorizações caducadas em 2025, contactou os serviços e foi aí que soube que "não existe nenhuma carta de residente com esse número".

"Dizem que não existe", contou, indicando que repetiu o pedido três vezes, obtendo sempre a mesma resposta. "O meu número não existe", desabafou.

A insistência foi de tal ordem que deixou de poder realizar pedidos com o seu email.

"De [19]88 até 2020, de cinco em cinco anos, eu renovei, sempre. E, apesar disso, agora não consigo", lamentou, acrescentando que telefona para o número da AIMA, mas ninguém atende, tal como não respondem aos emails que envia.

O resultado é que sempre que a autorização vence, deixa de ter acesso, por exemplo, às aplicações bancárias e é permanentemente alertada para o facto de estar com documentação inválida.

"Isso implica tudo. Você sabe que para qualquer coisa que você vai fazer, você tem que dar o seu documento de identificação. Se tem uma data vencida, perguntam a data de validade, a data está vencida, documento inválido. E foi assim, uma atrás da outra. Primeiro foi a Caixa Geral de Aposentações, depois o contrato de arrendamento, que também não tem documento válido, e é difícil explicar", disse.

Como o Governo prorrogou o prazo das autorizações de residência, a sua manteve-se em vigor até 30 de junho e, depois, até 15 de outubro. Atualmente, está sem forma de ver os documentos renovados, uma vez que, para os serviços da imigração (AIMA), a sua autorização não existe.

Sente-se "refém da AIMA" e tem medo de viajar, pois se em Portugal os atrasos deste organismo são conhecidos, nas outras fronteiras não querem saber.

Lilian tem dois filhos nascidos em Portugal, com nacionalidade portuguesa, porque a solicitou, e mostra-se demasiado cansada para insistir nesta permanência em Portugal, onde o ambiente é cada vez mais hostil para os imigrantes.

Diz que não se sente muito bem "neste ambiente de anti-imigração", porque é imigrante, mesmo que viva em Portugal há 40 anos, país onde trabalhou 37 anos para o Estado.

"Eu sou muito grata a Portugal, porque eu criei meus filhos, eduquei eles aqui" num "ambiente muito calmo", sem a violência e a criminalidade de São Paulo.

"Enquanto não teve aqui um partido que institucionalizou o racismo, que foi o Chega, as coisas não eram assim, porque as pessoas, podiam até ter esse sentimento, mas não tinham como se expressar dessa forma tão violenta", disse.

Lilian Kopke recorda que o Brasil também já teve um Bolsonaro e que "demora tempo até as pessoas caírem na realidade". Mas assume que o seu futuro passa por voltar ao seu país, levando na bagagem a memória dos "alunos maravilhosos" que teve, dos cantores com quem trabalhou.

"São essas coisas que eu vou levar daqui, não é o que está acontecendo agora. Fiz muitos amigos e tive muita sorte em encontrar essas pessoas que, de certa forma, me faziam sentir mais incluída", disse.

Artigos Relacionados