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"Fomos apanhar sapos mas tivemos um desastre e espalharam-se por todo o lado": enteada lembra Clara Pinto Correia

Jornalista apanhou sapos com a bióloga e juntas chegaram também a acampar. Diz que Clara Pinto Correia era "alegre, viva" e "diferente de todas as pessoas".

A jornalista Ana Cáceres Monteiro recordou a sua relação com Clara Pinto Correia, que na terça-feira foi encontrada morta na sua casa em Estremoz. Numa publicação feita na rede social Facebook a enteada, que era apelidada de "Sardanisca", fala da escritora como "uma mulher genial e livre" e lembra um episódio em que ambas foram apanhar sapos e estes se espalharam pelo carro.

Clara Pinto Correia
Clara Pinto Correia

"Uma vez fomos apanhar sapos e rãs para uma lagoa, para trabalhos da Faculdade de Ciências. Levávamos tudo num grande contentor. Tivemos um desastre, nada de grave, mas os sapos e as rãs espalharam-se por todo o lado. Andámos a apanhá-los para pôr outra vez no contentor e mesmo assim ficaram rãs dentro do carro durante vários dias."

Este momento ficou guardado na memória de Ana Cáceres Monteiro, mas não foi o único: "um dos momentos mais felizes" da sua infância foi quando ambas decidiram acampar. "O momento mais mágico foi quando fomos acampar, porque ela precisava de fazer um trabalho de campo para Biologia. Fomos apanhar pássaros, medi-los e anilhá-los, para os voltar a soltar depois de registar tudo. Acordávamos muito cedo, com o ar frio da madrugada e o cheiro da terra molhada. Armávamos as redes, esperávamos e, quando finalmente tínhamos um pássaro nas mãos, a Clara explicava-me como medir as asas, o bico e o peso. Eu sentia-me parte de qualquer coisa importante."

Clara Pinto Correia foi uma bióloga e acreditava que o futuro de Ana Cáceres Monteiro passaria pelo mesmo caminho. "Dizia-me que eu também ia ser bióloga, mas a matemática não deixou." Foi, no entanto, graças à escritora que a jornalista passou a gostar de pássaros. 

"A Clara viveu com o meu pai durante vários anos, quando eu era criança. Eu fiquei com a minha mãe, mas passava muito tempo com eles. Viviam em Algés, num 13º andar, e tinham um terraço cheio de plantas que apanhávamos pelos caminhos. Já gostava de animais, mas com a Clara isso cresceu de forma exponencial. Tínhamos pardais de java, bicos de lacre, um gato preto chamado Afonso, vários répteis, aquários com rãs e salamandras. Houve mais tarde, um boxer chamado Sebastião que foi envenenado pelos vizinhos porque ladrava."

Além de bióloga, "Clara cantava, tocava viola [e] fazia teatro infantil. Tinha gosto por e paciência para crianças." Juntas chegaram a ler "livros do Tintin e do Astérix". "Ensinou-me lenga-lengas, emprestou-me os livros de quando era miúda."

E continua: "Lembro-me das férias no Algarve, na Balaia e em Vilamoura, e de enjoar no barco do pai dela. Lembro-me de ir a casa dos pais, numa moradia nos Olivais e de um cão chamado Tosco. E lembro-me também das férias em Tremês, a aldeia ribatejana onde os avós da Clara tinham uma quinta. Foi a minha primeira experiência de aldeia. Andava de bicicleta, fiz amigas, estranhei que ali se andava na telescola. Íamos à missa com a avó da Clara, que era muito querida comigo e bebia-se leite fresco, com um sabor que não era igual ao da cidade."

Ana Cáceres Monteiro refere-se a Clara Pinto Correia como "diferente de todas as pessoas". Era "alegre, viva". Lembra ainda que a última vez que a viu foi no Saldanha. "Eu ia de carro, passei junto ao Liceu Camões, abri a janela e gritei ‘Clara! Sou eu!’. Ela saiu do carro para me falar no meio do trânsito. Toda a gente buzinava e nós ríamos muito."

E terminou dizendo: "A Clara Pinto Correia foi tudo isto e muito mais. Descansa em paz. Obrigada por tudo o que me deste, quando eu ainda era uma Sardanisca."

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