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Escritora Clara Pinto Correia encontrada morta em casa

Bióloga de renome e escritora de grande fama, Clara Pinto Correia teve uma vida cheia e repleta de altos e baixos. Morreu aos 65 anos.

Clara Pinto Correia, 65 anos, escritora, bióloga e professora universitária, foi encontrada morta na sua casa em Estremoz esta terça-feira. Autora do livro Adeus, Princesa, e de vários importantes livros de ciência, colecionou várias polémicas ao longo dos anos que lhe ofuscaram o brilho que chegou a ter, sendo uma das mais famosas intelectuais portuguesas. Nos últimos anos tinha-se afastado do palco mediático e vivia em Estremoz, no Alentejo.

Clara Pinto Correia: “Assumia o destino da Educação”
Clara Pinto Correia: “Assumia o destino da Educação”

Mas na década de 80 Clara Pinto Correia era um fenómeno: uma intelectual que era ao mesmo tempo uma estrela. Aos 25 anos, publicou Adeus, Princesa, aclamado pelos críticos que dele disseram que era “um dos livros notáveis de 1985” (Vasco Graça Moura) ou “uma obra extremamente interessante, plena de irrequietude, de humor, de gozo e desfastio, e também de ternura profunda” (Urbano Tavares Rodrigues). Até o eterno insatisfeito (e queirosiano) Vasco Pulido Valente afirmou que era o melhor romance português desde Os Maias.

Nascida em 1960, era a mais velha das quatro filhas de José Manuel Duarte Pinto Correia, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, e de Maria Adelaide da Cunha e Vasconcelos de Carvalho Amado, médica. As três irmãs chamam-se Rosário, Teresa e Margarida. A infância foi passada em Angola, onde o seu pai prestava serviço militar.

Ainda em criança ficou fascinada pelas fotografias de Jane Goodall em Àfrica a fazer trabalho de campo junto de primatas e desejou trabalhar nas reservas africanas. Mais tarde seguiu Biologia. Em 1984, terminou o curso de Biologia na Faculdade de Ciências e, no ano seguinte, tornou-se assistente estagiária de biologia celular e embriologia da Faculdade de Medicina e doutoranda do Laboratório de Biologia Celular do Instituto Gulbenkian de Ciência. Nesse mesmo ano publicou Agrião!, segundo livro e o primeiro que lhe trouxe alguma fama.

Mas a consagração viria apenas em 1985 com o fenómeno Adeus, Princesa, de 1985, (adaptado ao cinema em 1991, por Jorge Paixão da Costa). Entrevistas, crónicas, perfis. Programas de rádio, televisão e uma publicação literária (de ficção e não ficção) extensa, a autora estava em todo o lado. Toda a imprensa estava rendida a Clara Pinto Correia, incluindo, como nunca é demais lembrar, Vasco Pulido Valente.

Em 1989, mudou-se para os Estados Unidos para estudar na Universidade de Nova Iorque e conseguir terminar o doutoramento. Regressou a Portugal em 1992, para se doutorar com louvor unânime no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, da Universidade do Porto. Mais tarde publicaria o livro O Ovário de Eva - Ovo e esperma e preformação, editado em Portugal pela Relógio D’Água.

Mas a queda foi tão célere como a ascensão Colecionou polémicas pelo caminho, talvez a mais famosa de todas a acusação de plágio que a afastou das páginas do jornal Público.  

 Em fevereiro de 2003 descobriu-se que uma crónica sua sobre o Presidente Václav Havel era uma cópia quase total de um texto que saíra pouco antes na revista The New Yorker, escrita por David Remnick. Se o título do americano era "Leaving the Castle" ("Deixando o Castelo"), Pinto Correia optou pelo mais direto "O Castelo". Sete parágrafos da sua crónica eram a tradução integral do que Remnick escrevera. Desculpou-se com problemas técnicos, mas na mesma semana foi encontrado outro caso de plágio, de novo de um texto da New Yorker, desta vez de um texto de Henrik Hertzberg. Foi dispensada da Visão, a Oficina do Livro anunciou que suspendia a publicação de um livro de crónicas que estava prestes a publicar e a crítica atacou-a sem dó nem piedade, principalmente o cronista do Público Augusto M. Seabra.  

Quem a continuou a apoiar foi o fã de sempre, Vasco Pulido Valente. "Clara, por causa de um incidente trivial de plagiato, numa terra onde toda a gente plagia (e recebe prémios por isso) saiu dos jornais. No meio da obscena mediocridade que por aí se agita, faz falta a inteligência, a subtileza e o poder de uma grande escritora. Muita falta. Volta, princesa", escrevia no em 2005. Mas não foi suficiente para o seu regresso.

Retirada das páginas dos jornais, participou em programas de televisão (talvez o exemplo mais famoso tenha sido o reality show A Bela e o Mestre em que foi jurada).

Em 2010, no Centro Cultural de Cascais, o seu antigo marido Pedro Palma, fotógrafo, expôs uma obra intitulada Sexpressions onde mostrava c companheira em momentos de orgasmo e clímaxes. Pouco tempo depois separaram-se e Palma afirmou que as caras que tinha captado eram "teatro" e não momentos de êxtase reais.

Mais recentemente teve uma espécie de regresso, com crónicas no Página Um e alguns livros de ficção, como Meninas Morenas e Todos os Caminhos. Em agosto de 2017 publicou Fear, Wonder, and Science in the New Age of Reproductive Biotechnology em parceria com Scott Gilbert, sem edição em Portugal.

 "Fiquei sem emprego, sem qualquer espécie de trabalho. Primeiro que começasse a receber o subsídio de desemprego foram quase dois anos. Nas filas da Segurança Social olhavam para mim de esguelha. A minha senhoria da casa no Penedo [perto de Colares, Sintra] pôs-me uma ordem de despejo. Há 30 anos que lhe arrendava a casa e dava-me lindamente com ela", revelou com mágoa , em janeiro de 2025.  

Marcelo Rebelo de Sousa deixou uma nota no site da Presidência da República. "O Presidente da República apresenta à Família, amigos e admiradores de Clara Pinto Correia os seus afetuosos sentimentos, consternado pela sua partida prematura. Clara Pinto Correia juntava à alegria de viver, uma inteligência e um brilho que se expressaram na intervenção oral e escrita, no magistério científico e na comunicação com os outros. Não deixou nunca ninguém indiferente. Daí o sentido de ausência por todos partilhado neste momento."

(Notícia atualizada às 13h05 com a nota da Presidência da República)

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