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Contra o estigma, homens indianos são submetidos às dores do período

Margarida Gaidão com Ana Bela Ferreira 03 de setembro de 2022 às 11:00
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A campanha pretende normalizar a menstruação na vida das mulheres bem como proporcionar-lhes produtos mais eficazes e higiénicos.

Faheem Rahman apertou o estômago e estremeceu de dor. Passados alguns minutos não aguentou mais, gritou, movendo a cabeça para trás. Dono de um restaurante no estado de Kerala, no sul da Índia, aceitou o desafio de sentir as dores menstruais, através de um simulador que coloca fios ligados à zona da barriga. 

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"Foi uma experiência horrível. Não me conseguia concentrar em nada à minha volta enquanto as cólicas duravam", descreveu Faheem Rahman, ao New York Times.

A simulação fez parte de uma nova campanha que visa a combater tabus de longa data em torno da menstruação na Índia e aumentar a consciencialização sobre produtos de higiene mais eficazes que podem proteger melhor a saúde das mulheres.

Em muitas famílias indianas, as mulheres são impedidas de ir à cozinha enquanto menstruam, ou em algumas comunidades são desviadas para "abrigos de menstruação" sem condições básicas, como uma casa de banho. 

Um templo em Kerala, proíbe a entrada de todas as mulheres em idade fértil como dita a tradição, o que levou a uma intervenção da mais alta corte do país e a uma violenta reação de grupos de direita. Estes estigmas deixaram os indianos, principalmente os homens, menos informados sobre a menstruação.

O estigma é tal que, mais de metade das mulheres e jovens entre os 15 e os 24 anos ainda usavam roupas para proteção durante a menstruação, potencialmente expondo-as a infecções, segundo um relatório do governo referente ao ano 2015-16.

A campanha no distrito de Ernakulam, em Kerala, chamada Cup of Life, incentiva as mulheres a usar copos menstruais em vez de panos ou absorventes higiénicos. Feitos de borracha de látex ou silicone, são económicos e reutilizáveis.

Os organizadores da campanha esperam que esta ajude a debater o tema. De forma a colocar os indianos a falar sobre como a menstruação não deixa uma mulher "suja"; como não há necessidade de sentir vergonha das cólicas e escondê-las dos familiares; e sobre como a virgindade é uma construção social prejudicial.

Akhil Manuel, funcionário da associação de médicos da cidade costeira de Kochi, revelou que teve a ideia de promover copos menstruais há alguns anos como higiénicos e ecológicos. Porém, apontar as suas vantagens não foi suficiente, assume.

"Tem que se quebrar os tabus sociais", alerta o funcionário, afirmando que se deve "normalizar as conversas sobre virgindade e menstruação numa sociedade conservadora como a nossa, para que as meninas não sejam consideradas 'intocáveis' quando estão menstruadas".

Sandra Sunny, aspirante advogada em Kochi, criou o conceito #feelthepain para a campanha. Sandra conta que um amigo seu, médico, sugeriu usar ferramentas de fisioterapia para simular as cólicas nos homens. Uma corrente elétrica que passa pelo simulador, que inicialmente parece uma vibração. À medida que a intensidade é aumentada na máquina, a intensidade das "cãibras" também aumenta.

"Já tinha visto muitos vídeos no YouTube onde o mesmo método era usado em homens no estrangeiro", afirma, acrescentado: "Pensei comigo mesma, por que não podemos fazer isto aqui também?"

À medida que a campanha se espalhava de centros comerciais às faculdades, vídeos nas redes sociais mostravam homens a chorar de dor enquanto estavam amarrados ao simulador. 

Para aumentar a consciencialização, Sandra Sunny também ajudou a montar uma exposição de arte, com uma versão de "A Criação de Adão", de Michelangelo, onde se pode ver uma mão a segurar um copo menstrual. Em apenas um dia, 100.000 copos foram distribuídos gratuitamente em Ernakulam. Num distrito com 900.000 a 1,2 milhão de mulheres em idade de menstruar, "é um começo", revelou Akhil Manuel Manuel. A Índia é um dos países mais populosos do mundo.

A campanha pretende fazer um trabalho de acompanhamento nos próximos quatro meses para garantir o sucesso dos copos. Além de ajudar na prevenção de infecções, os copos são mais ecológicos que os absorventes higiénicos, com vida útil de até 10 anos.

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