Sábado – Pense por si

A "dama de ferro" do Japão é um fenómeno de estilo

Sanae Takaichi, a primeira mulher a chefiar o governo japonês, é ultraconservadora, workhaolic, cuidadora do marido, toca bateria e é fã de heavy metal. As mulheres reveem-se nela e copiam-na em tudo

A simples caneta multifuncional rosa glitter usada por Sanae Takaichi, a primeira-ministra ultraconservadora do Japão, eleita em outubro, tornou-se a nova sensação viral no país. A Jetstream 4&1, que custa 500 ienes (cerca de €2,75), fabricada pela Mitsubishi Pencil, ganhou destaque após uma conferência de imprensa, onde os mais atentos reconheceram logo o modelo e a cor. Em poucas horas, a caneta rosa “Sanae” esgotou em todo o país. Os fãs inundaram as redes sociais com publicações, celebrando o que chamam de “sorte da Sanae”, associando a caneta à confiança, ao profissionalismo e à “vibe de empoderamento” da primeira mulher que chega à chefia do Governo do Japão. A expressão dita por si, quando foi eleita – “Trabalhar, trabalhar, trabalhar, trabalhar e trabalhar” – foi considerada a frase do ano.

Sanae Takaichi foi eleita há dois meses e já é uma influencer
Sanae Takaichi foi eleita há dois meses e já é uma influencer

Na cultura do Japão, a popularidade que Takaichi, de 64 anos, tem vindo a ganhar está reservada apenas às estrelas pop, atletas e influencers a que os fanáticos só têm acesso através da televisão ou da internet. A sua forma de vestir é admirada e copiada pelas mulheres, até as mais jovens. O que não quer dizer que as suas políticas conservadoras, de linha dura, tenham a mesma aceitação. É uma acérrima defensora dos valores tradicionais de género e paternalistas do Japão. Opõe-se à revisão da Lei da Casa Imperial para permitir que as mulheres assumam o Trono do Crisântemo, é contra a alteração de uma lei do século XIX que impede os casais da opção de manter os apelidos separados e a igualdade de género não está nas prioridades da sua agenda.

Reuniões às 3h da manhã

O seu estatuto de ícone de estilo foi declarado com o fenómeno da mala preta de couro, onde cabem pastas A4 ou um tablet e que ela usa diariamente para trabalhar. O modelo tem o nome de Grace Delight Tote mas já é chamado de “Sanae Tote”. Feita à mão pela Hamano, uma marca japonesa fundada em 1880, o acessório, disponível em oito cores, disparou a procura apesar do seu elevado preço - €750. Como não pode ser produzido em massa, quem encomendou terá de esperar até agosto. Emi Kameoka, diretora de moda da Vogue Japão diz que “a mala carrega uma mensagem política”, já que as outras líderes mundiais nunca andam de mala, muito menos malas grandes. O acessório reforça a imagem de Takaichi como profissional autónoma e workaholic e enfatiza a sua promessa eleitoral de dar o máximo a trabalhar. No início deste mês, convocou uma reunião às 3 horas da manhã no seu gabinete, antes de outra reunião, da comissão do Orçamento, que começaria às 9h. Os sindicalistas temem que haja um retrocesso na prevenção de mortes por trabalho excessivo no país.

Sanae Takaichi nasceu a 7 de março de 1961, em Kashihara, na província de Nara, uma zona cheia de templos e santuários e florestas densas. A mãe trabalhava numa esquadra de polícia, e o pai numa fábrica de peças para automóveis. Os pais convenceram-na a licenciar-se na Universidade de Kobe, uma instituição pública a cerca de 80 km da sua cidade natal, embora tivesse sido aceite em universidades particulares de elite, em Tóquio. Segundo a própria contou, diziam-lhe que ela não precisava de um curso superior por ser mulher, e queriam poupar esse dinheiro para os estudos do filho mais novo. Todos os dias, Takaichi passava seis horas nos transportes para chegar a Universidade de Kobe. Durante a juventude, tocava bateria e piano, era fã de heavy metal – as suas bandas favoritas eram Iron Maiden e Deep Purple – e chegou a ter uma mota Kawasaki Z400.

Piano e bateria para aliviar o stress

Mas o entusiasmo da conservadora por rock pesado não esmoreceu com o passar dos anos. Segundo a imprensa japonesa, Takaichi tem uma bateria elétrica e costuma tocar com tanta intensidade que precisa de um par de baquetas de reserva para o caso de se partirem. Numa entrevista a um youtuber japonês, a primeira-ministra afirmou que toca bateria e piano para aliviar o stress, sobretudo quando discute com o marido. A descrição parecer entrar em contradição com o seu estilo atual: veste fatos azuis em homenagem a outra das suas heroínas: a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher.

No fim da década de 1980, interessou-se pelos Estados Unidos – principal concorrente económico do Japão na época – e conseguiu um estágio no gabinete da então deputada democrata Patricia Schroeder, do Colorado, uma feminista convicta. De volta ao Japão, Takaichi trabalhou na televisão, tornando-se famosa por ser combativa nos debates. Em 1993, iniciou a carreira política, vencendo a eleição para o Parlamento como independente por Nara.

Em 2004, Takaichi casou-se com um colega membro da Câmara dos Representantes do Partido Liberal Democrata, Taku Yamamoto. Ele pediu-a em casamento por telefone, dizendo que estava de olho nela “há algum tempo”. Segundo ela, o marido era um bom partido e um bom chef. “Ele disse-me: ‘Nunca vais passar um dia sem comer bem’. Então, arrisquei”, contou, admitindo que não é boa cozinheira. Não têm filhos juntos, apesar das tentativas frustradas, mas Takaichi adotou os três filhos do casamento anterior do marido, que tem quatro netos. Divorciaram-se em julho de 2017, por causa das acaloradas discussões políticas, mas voltaram a casar-se em dezembro de 2021.

Jacuzzi, Trump e China

Em 2024, Yamamoto foi diagnosticado com cancro na próstata e este ano sofreu um derrame cerebral, deixando-lhe o lado direito do corpo paralisado, sendo a mulher a sua cuidadora. “Durmo entre duas a quatro horas por noite, no máximo. Provavelmente não é bom para a minha pele”, disse Takaichi numa reunião da comissão parlamentar. Prefere ficar em casa a estudar do que socializar e diz que o seu “momento de felicidade” é quando faz jacuzzi de manhã e à noite para relaxar.

Sanae Takaichi com Donald Trump com quem diz ter a melhor das relações
Sanae Takaichi com Donald Trump com quem diz ter a melhor das relações

Quando Shinzo Abe foi eleito primeiro-ministro pela primeira vez, em 2006, nomeou Takaichi para o seu gabinete, tornando-a uma das mulheres mais visíveis na política japonesa. Reconduziu-a ao cargo em 2012, no início do seu segundo mandato, que durou oito anos. Mulher de confiança de Abe, que governou o Japão durante mais tempo e que foi assassinado em 2022, Takaichi conduz o país mais à direita, defendendo políticas duras em relação à China. Promove o discurso de que "o Japão está de volta", desvaloriza as atrocidades cometidas pelo país durante a Segunda Guerra Mundial e promete regulamentar de forma rígida a imigração e o turismo. Tem com Donald Trump a melhor das relações. "Ligue-me a qualquer momento" foi a mensagem que a primeira-ministra japonesa disse ter recebido do presidente dos Estados Unidos, no primeiro telefonema desde que a líder de Tóquio provocou uma grave crise diplomática com a China. Takaichi sugeriu que o seu país poderá responder militarmente caso a China tente tomar Taiwan à força.

A lagartixa e o jacaré

Dez observações sobre a greve geral

Fazer uma greve geral tem no sector privado uma grande dificuldade, o medo. Medo de passar a ser olhado como “comunista”, o medo de retaliações, o medo de perder o emprego à primeira oportunidade. Quem disser que este não é o factor principal contra o alargamento da greve ao sector privado, não conhece o sector privado.

Adeus, América

Há alturas na vida de uma pessoa em que não vale a pena esperar mais por algo que se desejou muito, mas nunca veio. Na vida dos povos é um pouco assim também. Chegou o momento de nós, europeus, percebermos que é preciso dizer "adeus" à América. A esta América de Trump, claro. Sim, continua a haver uma América boa, cosmopolita, que gosta da democracia liberal, que compreende a vantagem da ligação à UE. Sucede que não sabemos se essa América certa (e, essa sim, grande e forte) vai voltar. Esperem o pior. Porque é provável que o pior esteja a chegar.