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Pais querem videovigilância nas escolas. "Não tinha mal nenhum que fosse em todas"

Diogo Barreto
Diogo Barreto 13 de fevereiro de 2025 às 07:00
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Os casos de violência nas escolas têm motivado pais a pedirem um aumento da segurança dentro dos estabelecimentos, inclusive câmaras de vigilância. CONFAP e ANDAEP dizem que não é prioridade.

No final de janeiro, começou a circular um vídeo nas redes sociais. Nele via-se um adolescente autista a ser agredido por um aluno mais velho na Escola Fragata do Tejo, na Moita. As agressões duram alguns segundos e quando o jovem já está no chão é pontapeado com violência oito vezes. À volta, veem-se vários colegas a assistir a alguma distância, não tendo sequer ajudado a criança quando esta se tentava levantar. O sucedido voltou a trazer o tema da segurança nas escolas para o debate público, incluindo a introdução de videovigilância nas instituições. A SÁBADO sabe que houve escolas que receberam pedidos de pais a apelar a que os espaços de ensino sejam vigiados com sistemas de videovigilância para garantir a segurança dos seus educandos. Mas as direções apelam a que haja um reforço do pessoal não-docente primeiro. 

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"A escola reflete o que se passa na sociedade e quantas vezes não vimos já, nos últimos tempos, as pessoas a pedir o aumento da videovigilância nas suas ruas e cidades", sublinha à SÁBADO Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), quando questionado sobre estes pedidos dos pais dos últimos meses. "Não tinha mal nenhum que a videovigilância fosse introduzida em todas as escolas porque tem a ver com a segurança de todos, simplesmente não é a principal prioridade", defende. O presidente da ANDAEP encara a possibilidade de introduzir a videovigilância nas escolas como a encara noutros espaços: "Existem câmaras nos centros comerciais e nos estádios de futebol. Por que não numa escola onde a densidade populacional é tão ou mais elevada como nestes sítios?", questiona. 

Mariana Carvalho, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), é da opinião que a videovigilância deve ser um último recurso e nunca aplicado de forma universal. "Existem formas de assegurar a segurança nas escolas e nós defendemos que haver mais pessoal não-docente e reforçar os meios do programa da Escola Segura são as principais formas de conseguir essa segurança", refere. "Só numa situação limite e só se a escola decidir que não existe outra alternativa, é que achamos que podemos avançar para a solução da videovigilância", sublinha a presidente da CONFAP.

"Poderá ter de haver um reforço da Escola Segura junto de certas comunidades educativas e isso é mais importante que videovigilância que obriga um funcionário a olhar constantemente para o visor para onde estão direcionadas as câmaras. Preferia mais recursos humanos do que mais recursos tecnológicos", conclui Filinto Lima.

O presidente da ANDAEP sublinha que a videovigilância já existe em algumas escolas que decidiram adquirir esse material, mas que a maior parte dele já "estará deteriorado" ou até mesmo "fora de serviço". "Gostaríamos que essas câmaras estivessem a funcionar, porque podia ser um fator dissuasor de comportamentos incorretos", defende Filinto Lima. 

As câmaras que já existem foram colocadas nos espaços exteriores e nos interiores comuns aos alunos, como corredores ou recreios. Mas podem ser colocadas também em sala de aula?

"Câmaras restringem a liberdade pelo medo"

Apesar de defender um aumento da vigilância nas instituições, assumindo que o caminho pode mesmo passar por aí, Filinto Lima diz que as salas de aula devem ser zonas sem vigilância. E a lei está do seu lado. 

"Os trabalhadores estão protegidos no seu local de trabalho", explica o advogado Gonçalo Simões de Almeida da KGSA. "Uma câmara dentro de uma sala de aula a captar imagem e até som pode interferir com a liberdade de exercer a profissão dos professores. O Código de Trabalho reconhece que a videovigilância em exercício de trabalho corresponde a uma pressão muito grande sobre a pessoa e por isso proíbe que haja gravação de pessoas no seu local de trabalho", explica o especialista.

O advogado tem muitas reservas relativamente à videovigilância nas escolas, lembrando que temas como este entram no direito à imagem e também no tema da proteção de dados pessoais. ""As pessoas, neste caso, encarregados de educação e alunos, devem estar informados sobre videovigilância, que se deve cingir a locais muito específicos e configura sempre medida excecional e não a regra."

E essa vigilância afeta também as crianças. Dois especialistas explicam que as câmaras até podem ter um efeito dissuasor no bullying, mas podem também influenciar diretamente a liberdade das crianças que se sentem intimidadas e deixam de ter comportamentos naturais, como trocar bilhetes entre si, conversar, desenhar. Há também uma maior pressão sobre o seu desempenho escolar podendo ter mais vergonha em tirar dúvidas ou até errar num exercício, prejudicando a sua aprendizagem. "As câmaras têm o papel de restringir a liberdade pelo medo e receio que impõem", complementa o advogado da KGSA.

Mas depois entra outro problema em campo: quem trata e tem acesso aos dados? Um funcionário? As autoridades, a empresa de videovigilância? Quais as instituições que regulariam estas imagens. Estas são algumas das questões levantadas por Gonçalo Simões de Almeida. 

Os dados da violência nas escolas

A SÁBADO questionou o Ministério da Educação sobre o tema da videovigilância, mas não obteve resposta. O programa da Escola Segura da PSP ainda não tem os dados referentes ao ano de 2024, mas no ano letivo passado foram registadas 4.445 ocorrências. Já a GNR registou 103 crimes de bullying

No início deste ano a PSP lançou a operação "Violência? Não, obrigado!" com o objetivo de sensibilizar os alunos do 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário para temas como a violência escolar, o uso e posse de armas e a delinquência juvenil.

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