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Mortalidade infantil: "É preciso fazer uma análise séria", dizem especialistas

Pedro Henrique Miranda
Pedro Henrique Miranda 14 de maio de 2025 às 07:00
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Ficam por averiguar as causas e medidas relevantes do aumento da taxa de mortalidade infantil, dizem médicos especialistas, que aconselham contra "leituras eleitoralistas" e "soundbites" em época de campanha.

Há uma reflexão a ser tida sobreo aumento da taxa de mortalidade infantil, que, foi revelado esta semana, aumentou 20% em 2024 em relação ao ano anterior, no seio de uma prolongada crise na saúde que tem dominado a campanha eleitoral, e que levou a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, aculpar a falta de investimento dos anteriores governosno ramo. Essa reflexão não é, no entanto, a que têm feito os políticos dos principais partidos.  Já os médicos especialistas contactados pelaSÁBADOpedem uma análise mais abrangente.

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"Gostava que não houvesse leituras eleitoralistas e precipitadas, principalmente em vésperas de eleições", diz o obstetra Miguel Oliveira e Silva, que acrescenta que qualquer reação aos dados à margem de "grave e preocupante" é precoce. "É preciso fazer uma investigação, ir aos registos e perceber, caso a caso, como morreram e de que patologia" para perceber as ilações corretas a tirar, acredita o médico.

Acrescenta, ainda assim, que a concentração de casos na Região de Setúbal é um "indício de que poderá haver escassez de cuidados obstétricos e perinatais", já que "sabemos que as maternidades têm estado praticamente fechadas" nesta região. Por outro lado, nos casos dos bebés falecidos após os 28 dias - altura em que saem do cuidado da obstetrícia - podemos estar perante a "falta de cuidados pediátricos ou de acesso a cuidados de saúde primários", um problema mais grave justamente nas regiões de Setúbal e Lisboa e Vale do Tejo, onde a mortalidade infantil é mais elevada. "Se é coincidência ou relação de causa-efeito, ninguém sabe", remata Oliveira e Silva.

Já Fernando Cirurgião, diretor do serviço de Obstetrícia e Ginecologia na Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, acredita que a situação "não será alheia a tudo o que tem acontecido nos últimos tempos na saúde, o corolário que se tem arrastado há anos de falta de médicos especialistas ligados ao SNS". Explica que "menos de metade dos médicos inscritos na ordem como ginecologistas-obstetras têm capacidade assistencial no SNS", o que se reflete, "no imediato, quer na vigilância das grávidas, quer no fecho das urgências, como temos visto".

A consequência, diz o obstetra, é um "acompanhamento que pode ser insuficiente": "A maior parte do acompanhamento das grávidas sem patologias deve ser feita nos centros de saúde", um acompanhamento dificultado pela "ausência de médicos de família para desempenhar essas funções", especialmente nos grandes centros urbanos. O aumento de nascimentos por parte da população migrante implica também uma "diminuição do tempo de vigilância e na realização de exames", o que poderá levar á ausência do diagnóstico de "patologias maternas ou fetais" até perto do nascimento.

Fernando Cirurgião classifica a situação como "preocupante", referindo que, até ao ano passado, "estávamos dentro das metas nacionais e internacionais" para o indicador. "Para um país que se orgulhava de, ao longo dos anos, ter uma taxa de mortalidade infantil abaixo dos 3 por mil nascimentos, estes números dão que pensar", remata.

Apesar do número alarmante, o pediatra Gonçalo Cordeiro Ferreira esclarece que o cenário pode não ser tão mau quanto parece: "Em termos de percentagem parece um valor alto, mas em termos absolutos os valores são baixos", diz o médico, esclarecendo que estamos a falar de "40 mortos a mais em todo o País". Explica que, "quando são números pequenos" - um total de 252 mortes de bebés até um ano em 2024, comparado com 210 em 2023 - "uma anomalia pode enviesar os números, que podem ter a ver com fatores conjunturais e não estruturais".

Ainda assim, afirma que isso "não impede que se faça uma análise rigorosa, e se contemple fazer mais investimento" onde necessário. Só que nota que os aumentos nos óbitos parecem ter sido generalizados em termos de idades, atingindo os períodos perinatal (imediatamente antes e depois do nascimento), neonatal (até ao primeiro mês de vida) e pós-neonatal (até ao primeiro ano de vida), o que abrange tanto a área médica da ginecologia/obstetrícia quanto da pediatria. "O que podemos dizer é que parece ser algo que atingiu todos os escalões em que se divide a mortalidade infantil, não há uma incidência específica", refere Gonçalo Cordeiro Ferreira.

O especialista concorda que "não há pior altura para receber estes números do que uma de campanha eleitoral", já que as forças políticas se aproveitam dos mesmos "para lançar diatribes umas contra as outras, em vez de fazer uma análise cuidada dos números". "Os soundbites dos políticos são muito deseducativos para a população, principalmente em época eleitoral", acrescenta, afirmando que "o que deveria preocupar mais nas estatísticas é o facto de continuarmos a ter um saldo natural negativo" - ou seja, com mais mortes do que nascimentos, o que, acredita, é ignorado pelos decisores porque "dá menos capital de luta política".

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