O espaço das ideias está a reduzir-se. Somos cada vez menos donos do que pensamos.
Tão depressa como apareceu desapareceu. Há dias, a RTP apresentou o jovem extremista Gonçalo Sousa como comentador residente do seu reformulado canal de informação. O termo “extremista” é justo, aplicado aqui a alguém que saiu do Chega por achar o partido demasiado moderado e que tinha uma longa lista de publicações de redes sociais abertamente racistas ou misóginas, propagando teorias da conspiração como a da “grande substituição”, afirmando o “orgulho branco” ou sugerindo que feministas nem para cozinhar servem. Durou pouco. Ontem, a RTP “ponderou e reviu a sua posição” e deixou cair o seu anunciado comentador, considerando algumas das suas posições “inaceitáveis”.
Deixemos de lado a guerra, infelizmente perdida, de transformar os canais de informação em meros canais de comentário por “tudólogos” residentes. É uma contração brutal do pluralismo, da inteligência e do conhecimento no espaço público, que reduz a informação a uma subsecção do entretenimento, mas é uma tendência inexorável, em Portugal e no mundo. Podemos chorá-la, mas não a travamos, por uma razão simples e que se impõe: sai mais barato o comentário (e o comentário de palradores de generalidades) do que o bom jornalismo.
No caso da RTP, o incidente-relâmpago de Gonçalo Sousa revoltou ainda mais pessoas por seguir-se à dispensa de Raquel Varela, colaboradora há anos da TV pública. Gonçalo Sousa é muito de direita, Raquel Varela é muito de esquerda, mas o contraste chocante não é esse. Gonçalo Sousa é um polemista imbecil, produtor de dislates desenhados para chamar a atenção, enfurecer os seus detratores e animar os seus apoiantes. Inteligência ou saber não são para aqui chamados. Raquel Varela, se acaba muitas vezes a alinhar pela cartilha marxista clássica, fá-lo de forma fundamentada, documentada, inteligente. É fácil discordar dela, mas há densidade no que diz.
O pecado mortal da RTP não foi substituir uma académica de esquerda por um espalha-brasas de direita. Foi sucumbir à lógica imediatista e vazia de mérito que gera “vedetas” nas redes sociais. Por admissão da própria Direção de Informação, estiveram prestes a contratar um opinador sem conhecerem as suas opiniões, sem estudarem o seu acervo intelectual (se é que o termo se lhe aplica), sem saberem justificar porque pretendiam exibi-lo aos seus espetadores. A razão é só uma: o rapaz dá bem nas redes sociais.
Esta abdicação do jornalismo é grave, porque reproduz (e, reproduzindo, aprofunda) um problema muito sério para a salubridade do espaço público nos regimes democráticos: a centralidade das redes sociais. A discussão da nossa vida, da nossa política, da nossa sociedade está cada vez mais arredada dos velhos espaços de encontro físico – os cafés, os teatros, as associações culturais, recreativas ou de bairro – e faz-se cada vez mais online, e numas poucas plataformas. Conhecemo-las, estamos nelas: é o Facebook, o Instagram ou os canais de WhatsApp, detidos pela Meta, de Mark Zuckerberg. É o Twitter/X de Elon Musk. É o Tik Tok, uma empresa com dedo do Estado chinês, cuja venda está a ser forçada pelos EUA a empresários amigáveis do regime de Trump.
As plataformas de debate online prometiam, no início, uma discussão plural e livre. Mas a enorme concentração da propriedade destas plataformas nuns poucos oligarcas tecnológicos estrangula o pluralismo e põe a mediação do debate público nas mãos de algoritmos que não conhecemos nem controlamos, ao serviço das agendas políticas assumidas, ou mal-escondidas, dos “techbros” que determinam o que se torna “viral” ou se mantém invisível. A mesma lógica de concentração existe nos media tradicionais, com os mesmos riscos. Com o modelo de negócio comercial cada vez mais incerto, esta concentração não é uma mera busca de sinergias que viabilizem as empresas de comunicação social. São investimentos na capacidade de influência pública e política dos seus proprietários, ao serviço da sua agenda e negócios.
No espaço analógico e no espaço digital, assistimos a uma autêntica privatização do debate público. A nossa liberdade de falar mantém-se, nominalmente, protegida por leis e constituições. Mas a nossa capacidade de sermos ouvidos está cada vez mais ameaçada. E o acesso a vozes plurais, conhecedoras e fundamentadas, que nos ajudem a conhecer a gama completa de pensamento e a formar a nossa própria opinião é hoje uma miragem. Se, em cima deste estrangulamento, as empresas de serviço público (uma boa ideia dos países europeus, também ameaçada) alinham na mesma métrica imbecil e redutora do “clickbait”, numa espécie de captura cognitiva que baixa os padrões e põe todos a debitar as mesmas variantes das mesmas opiniões, num mundo com cada vez mais ruído e menos informação, estamos mesmo mal servidos. Antes de forrar a sua emissão com novas fornadas de comentadores – inteligentes ou idiotas, de esquerda ou de direita –, talvez a Direção de Informação da RTP pudesse começar por explicar o que acha que lhe compete oferecer ao país.
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