Questões em torno de conteúdos pedagógicos de cidadania e diversidade reabrem discussão sobre enquadramento psicológico e limites da intervenção escolar. Em causa está o vídeo da intervenção de uma munícipe numa sessão autárquica.
A 2 de dezembro, durante uma sessão extraordinária de intervenção do público na Câmara Municipal de Oeiras (CMO), Filipa Fernandes, mãe de um aluno do 1.º ciclo de uma escola da autarquia, deixou fortes críticas à iniciativa I Love 2 Help, integrada no programa educativo OeirasEduca+, que visa ligar o ensino formal à oferta educativa não-formal existente no concelho, facilitando o acesso de escolas e docentes a atividades pedagógicas promovidas ou apoiadas pela Câmara de Oeiras. O programa inclui iniciativas nas áreas de artes, ciências, sociedade e cidadania, ambiente e sustentabilidade, com o objetivo de "fomentar competências sociais, culturais e cívicas entre os alunos".
O caso insere-se num debate mais amplo sobre educação, participação parental e a forma como temas sociais são integrados nas escolasD.R.
No vídeo, divulgado nas redes sociais, que pode ver abaixo, a munícipe acusa a autarquia de promover uma alegada doutrinação de género junto de crianças, classificando algumas mensagens como “inadequadas para a faixa etária” e afirma que as mesmas “fragilizam os conceitos básicos e valores essenciais de qualquer comunidade”.
Filipa Fernandes refere depois que existem “estudos científicos” que mostram que países como Brasil, Dinamarca, Reino Unido e Estados Unidos estariam “a recuar” neste tipo de abordagens devido a um alegado “aumento significativo da taxa de suicídio nesta idade”.
Narrada pela atriz Rita Blanco, a curta-metragem em causa, Família Biscoito - entretanto retirada do site da OeirasEduca+ - começa com "cá em casa somos muitos mas, lá por sermos todos feitos da mesma massa, não temos que ser todos iguais. Cada um é único e diferente dos demais". Filipa Fernandes destaca algumas das frases, caso de "eu sou como sou, não me identificava com o sexo que me atribuíram"; "é como é, não se sente nem Joana, nem José"; "a Maria está apaixonada pela Sofia", classificando-as como "mensagens ideológicas subtis".
À SÁBADO, a autarquia esclarece que perante as questões suscitadas pela encarregada de educação, "foram feitas as diligências necessárias junto dos serviços municipais de Educação, bem como da equipa técnica do OeirasEduca+, da professora que selecionou a atividade e da entidade parceira responsável pela atividade I Love Help – Curtas-Metragens e Debate".
Depois de recolhida a informação necessária, "apurou-se que a sessão escolhida pela professora titular da turma de Ensino Básico realizou-se com rigor, respeito e adequação etária", clarifica o documento, acrescentando que "a sessão incidiu sobre uma grande diversidade de desigualdades, sendo a questão da identidade de género um dos temas tratados com recurso à curta-metragem".
Sobre a retirada do vídeo da plataforma OeirasEduca+, o gabinete justifica que o departamento de Educação do Município de Oeiras, após visualização do conteúdo, concluiu que o mesmo "continha erros de linguagem e imprecisões que podiam suscitar ideias confusas", tendo ainda determinado que qualquer proposta de conteúdo educativo relacionado com a identidade de género "passe a ser previamente apresentada pelos serviços para apreciação superior".
Francisco Valente Gonçalves, psicólogo clínico e doutorado em criminologia e psicologia clínica pela Universidade de Leicester (Reino Unido), começa por sublinhar que o termo "ideologia de género"não é reconhecido na literatura académica como um conceito científico; investigam-se, sim, conceitos de género enquanto experiência social e identitária, bem como políticas para promoção de bem-estar e prevenção da discriminação.
“No campo científico, não existe evidência de que falar com crianças de 8 ou 10 anos sobre respeito, diversidade e prevenção do bullying seja inadequado”, afirma Valente Gonçalves. Segundo ele, orientações internacionais, incluindo da UNESCO, Organização Mundial da Saúde e da própria Ordem dos Psicólogos Portugueses, recomendam abordar temas como respeito e diversidade desde cedo, com linguagem simples e não sexualizada, focada em valores cívicos. Esta adequação, ressalva, deve sempre depender do conteúdo concreto e nunca do tema em abstrato.
O Município manterá, por isso, "disponível a atividade I Love 2 Help – Curtas-Metragens e Debate para todos os ciclos do Ensino Básico e do Ensino Secundário, uma vez que aborda uma grande diversidade de desigualdades e problemas sociais de forma adequada e pertinente", garante, em resposta.
Para o clínico, é crucial distinguir entre valores familiares, que cada família transmite de acordo com as suas convicções, e competências sociais que a escola ou outras entidades podem ajudar a desenvolver, "como empatia, respeito, segurança relacional e convivência num espaço público diversificado". Estas competências, "não substituem os valores familiares; complementam-nos para uma melhor convivência escolar e social”, explica.
Relativamente às alegações de que países como o Reino Unido, Dinamarca, Brasil ou Estados Unidos estariam a recuar em programas de educação por causa de aumentos de suicídio entre crianças, Valente Gonçalves é perentório: "Não existe evidência científica que suporte essa afirmação."O que os dados mostram, refere "é que o suicídio em idades mais baixas é raro, ou extremamente raro até", e que não há nenhuma relação estabelecida entre programas educativos sobre diversidade e o aumento de suicídios.
Pelo contrário, afirma, ambientes escolares, percebidos como mais inclusivos e seguros, "são fatores protetores para crianças e jovens, especialmente em contextos vulneráveis". O caso em Oeiras insere-se num debate mais amplo sobre educação, participação parental e a forma como temas sociais são integrados nas escolas.
No final da intervenção, Filipa Fernandes pede à Câmara Municipal de Oeiras que "considere uma análise rigorosa dos conteúdos e estratégias do programa OeirasEduca+, nomeadamente na plataforma I Love 2 Help, e da sua adequação ao meio escolar, reforçando aquilo que realmente importa: educação, valores, verdade, respeito e respeito pelas figuras de autoridade".
A munícipe solicita ainda uma "maior transparência no processo de seleção e aprovação destes materiais" e "implementação de um sistema de comunicação prévia aos encarregados de educação quando se trata, em particular, destes temas".
Em concordância, o comunicado enviado à SÁBADO pela autarquia deixa claro que "o Departamento de Educação do Município de Oeiras promove o diálogo transparente com os Encarregados de Educação, essencial para assegurar a qualidade e segurança educativas que constam do programa curricular das escolas do concelho".
Notícia atualizada às 17h05 após resposta do Gabinete da Presidência da Câmara Municipal de Oeiras.
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Uns pais revoltavam-se porque a greve geral deixou os filhos sem aulas. Outros defendiam que a greve é um direito constitucional. Percebi que estávamos a debater um dos pilares mais sensíveis das democracias modernas: o conflito entre direitos fundamentais.
Estes movimentos, que enchem a boca com “direitos dos trabalhadores” e “luta contra a exploração”, nunca se lembram de mencionar que, nos regimes que idolatram, como Cuba e a Venezuela, fazer greve é tão permitido como fazer uma piada com o ditador de serviço.
O que deve fazer para quando chegar a altura da reforma e como se deve manter ativo. E ainda: reportagem na Síria; ao telefone com o ator Rafael Ferreira.