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Catarina Martins: "Socialistas cederam à extrema-direita na Europa"

15 de setembro de 2019 às 08:14
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Coordenadora do Bloco de Esquerda considera que Rui Rio, líder do PSD, tem traços de autoritarismo e "desprezo pelo debate democrático" e acusou partidos de direita de "não ter nada para dizer" nestas eleições legislativas.

A coordenadora do BE, Catarina Martins, acusa o PS e outros partidos do centro europeus de terem falhado na luta contra a extrema-direita e considera que há "um sinal económico grave" na pasta atribuída a Elisa Ferreira na futura Comissão Europeia.

"O Partido Socialista em Portugal e outros partidos ditos de centro em outros países da Europa prometeram construir uma aliança que não permitisse à extrema-direita conduzir os destinos da Europa e, de facto, falharam em toda a linha e acabaram por ceder", afirma Catarina Martins em entrevista à agência Lusa.

A líder do Bloco usa palavra fortes e culpa os socialistas por "uma completa cedência à extrema-direita na Comissão Europeia" que vê as suas posições reforçadas.

Catarina Martins cita o facto de ter sido atribuído o nome de "modo de vida europeu" a uma pasta sobre migrações: "Isto não é só uma cedência a uma semântica da extrema-direita, até porque, como sabem, não existe um modo de vida europeu (...) modos de vida há muitos na União Europeia".

A coordenadora do Bloco acrescenta: "aquilo de que estamos a falar é da ideia de alimentar uma retórica xenófoba que é muito prejudicial e que não tem nada a ver com aquilo que consideramos que deve ser um espaço europeu, que deve ser um espaço de respeito pelos direitos humanos".

Programa do Bloco é essencialmente social-democrata

Catarina Martins disse ainda que as enormes desigualdades que se verificam na sociedade portuguesa estão a minar a democracia. - Portugal , Sábado.

Catarina Martins disse ainda que as enormes desigualdades que se verificam na sociedade portuguesa estão a minar a democracia. - Portugal , Sábado.

Outro exemplo citado foi o da pasta do alargamento atribuído à Hungria, com um regime "autoritário" e "traços protofascistas" de quem o Partido Popular Europeu se demarcou antes das eleições, "para fazer de conta", segundo diz.

Relativamente à pasta atribuída a Elisa Ferreira, Catarina Martins manifesta uma preocupação "mais vasta": "chama-se coesão e reformas".

Para a dirigente bloquista, há um entendimento muito diferente na Europa relativamente ao conceito de reformas: "em 'europês', digamos assim, reformas têm sido tudo aquilo que corta nos custos de trabalho e no Estado social".

"É por causa das reformas que nós fomos ameaçados quando tentámos subir o salário mínimo nacional, porque não era o tipo de reforma que a União Europeia quisesse, ou descongelar pensões porque queriam, pelo contrário, baixar os custos de trabalho em Portugal, cortar em salários e em pensões", afirma.

Segundo Catarina Martins, isto quer dizer que ao dar-se o nome de "Coesão e Reformas" à pasta de Elisa Ferreira, "o que nos estão a dizer é que querem fazer depender os fundos de coesão, o investimento público do que precisamos, de aceitarmos imposições sobre o que queremos fazer com as nossas pensões, os nossos salários, os nossos serviços públicos - e isso é muito grave".

"Nós fizemos um caminho diferente em Portugal e desse ponto de vista esteve em contra ciclo com os países europeus e, portanto, precisamos de compreender que quando os 27 estão a falar de coesão e reformas, não estão a falar do mesmo que Portugal. Porque nós estivemos em contra ciclo e ainda bem", reforça.

Neste sentido, para a líder do Bloco, Portugal "cedeu a uma ideia de uma Comissão Europeia que assume um discurso muito próximo da xenofobia da extrema direita, por um lado, e por outro lado, assume uma visão neoliberal para a economia e isso é muito grave do nosso ponto de vista".

"Estamos a andar para trás, estamos a retroceder, estamos a aceitar mais condicionalismos", reforça.

Catarina Martins refere-se ainda ao 'Brexit', que considera ser um desastre: "É preciso um acordo", apela a dirigente bloquista, para quem todo o processo foi "um dossiê muito mal gerido, em que, aliás, a irresponsabilidade e oportunismo político mostram os danos que podem causar".

"Voto útil dos socialistas que não querem maioria absoluta é no BE"

As maiorias absolutas foram um dos temas da entrevista de Catarina Martins à agência Lusa, na qual a líder do BE insiste na ideia de que "uma maioria absoluta é perigosa", até "pelas experiências passadas" que Portugal teve com este tipo de resultado eleitoral, um perigo que "toda a gente reconhece", incluindo o primeiro-ministro, António Costa.

"Se há um voto útil dos socialistas que não querem maioria absoluta nestas eleições é no Bloco de Esquerda", sugere.

Tal como se lê no programa eleitoral com que o partido se apresenta às eleições para a Assembleia da República, a líder bloquista defende que "o crescimento do Bloco de Esquerda pode ser o fator decisivo para impedir uma maioria absoluta do Partido Socialista".

"Quem saiba e se lembre de como as maiorias absolutas são perigosas, mesmo no PS, hoje sabe que o voto útil é no Bloco de Esquerda", reitera.

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Pode o nome mais votado pela distrital não ser o cabeça de lista às legislativas por Santarém? Pode e, por votação unilateral da Mesa Nacional do Bloco de Esquerda, assim será: Carlos Matias não liderará a lista por aquele distrito, apesar ter sido o nome votado por 68% dos aderentes na assembleia distrital de 29 de junho.

Pode o nome mais votado pela distrital não ser o cabeça de lista às legislativas por Santarém? Pode e, por votação unilateral da Mesa Nacional do Bloco de Esquerda, assim será: Carlos Matias não liderará a lista por aquele distrito, apesar ter sido o nome votado por 68% dos aderentes na assembleia distrital de 29 de junho.

Na perspetiva de Catarina Martins, "até às eleições de 2015 ficava muito a ideia de que só se escolhia entre um Governo do PS ou um Governo do PSD", paradigma que considera que se alterou com a atual legislatura, que mostrou que "as maiorias que são formadas no parlamento podem determinar que programas vão para a frente".

"E, portanto, hoje o voto útil não tem a ver com a escolha de um primeiro-ministro. Tem sobretudo a ver com o equilíbrio de forças, com o equilíbrio que queremos para puxar pelo país", aponta.

A dirigente do BE aproveita este argumento para apelar ao voto de "quem deseja que Portugal continue a avançar nas conquistas dos direitos do trabalho, de valorização de salários e de pensões, na defesa do Estado social, na defesa de investimento público".

Numa entrevista à TVI, Catarina Martins já tinha afirmado que o partido precisa "de mais de 10%" nas legislativas, mas quando instada a traçar uma meta eleitoral, a líder bloquista afirma apenas que "aguarda tranquilamente o resultado das eleições" e até lá vai trabalhar para tentar explicar o programa.

Aos perigos de uma maioria absoluta, para a deputada do BE, acresce o programa com que o Partido Socialista se apresenta a eleições.

"O PS apresenta um programa em que diz que quer fazer investimento, mas depois com contas que não permitem o investimento, que diz que quer recuperar os salários dos funcionários públicos, mas depois, com contas que não permitem sequer recuperar a inflação", exemplifica.

"Na espontaneidade de Rui Rio há desprezo pelo debate democrático"

A coordenadora do Bloco de Esquerda atacou ainda o líder do PSD, Rui Rio, que considera ter raços de autoritarismo e "desprezo pelo debate democrático", acusando a direita no seu todo de "não ter nada para dizer" nestas eleições legislativas.

Em entrevista à agência Lusa, a líder bloquista refere-se ainda ao PCP, lamentando não ter podido fazer um frente-a-frente com Jerónimo de Sousa, até porque os debates são importantes para esclarecer. Sobre o PAN, não o vê como concorrente, mas assume divergências quanto ao método.

Confessando que nunca debateu com Rui Rio, mas que conhece a sua prática no Porto, Catarina Martins reconhece que fica "um bocadinho desconcertada" com o seu discurso de "'eu penso isto, mas se for um bocadinho diferente também pode ser'".

"Não se sabe, afinal, o que o PSD pensa sobre cada matéria", o que "torna mais difícil o debate por [haver] falta de clareza do projeto para o país", diz.

"Rui Rio tem uma espontaneidade na conversa que é real, ele é mesmo assim e isso desperta alguma simpatia porque todos nós gostamos de estar a debater com alguém que tenha esse grau de espontaneidade", afirma Catarina Martins.

A coordenadora do Bloco chama, no entanto, a atenção para o facto de essa espontaneidade também ter "muitas vezes uma dimensão de um certo desprezo pelo debate democrático, ou de não o considerar muito importante".

E sublinha: "isso é perigoso porque com isso vem o autoritarismo que toda a gente que viveu no Porto conheceu tão bem".

Sobre a direita em geral, Catarina Martins não tem dúvidas de que tanto o PSD como o CDS ficaram "desorientados" e sem discurso: "lendo os programas do PSD e do CDS é até confrangedor. Por um lado, as suas contradições, por outro lado, a sua falta de capacidade de dizer como é que vão executar aquilo a que se propõem, porque não têm coragem de propor voltar atrás".

"Estes quatro anos mudaram o centro do debate político", declara. "O que a direita propõe são cortes como única forma de ter contas equilibradas no país e ficou sem nenhum programa (...), ou seja, provou-se que mais salário e mais pensão é importantíssimo para a economia (...), cria empregos. Portanto, a direita ficou à espera do diabo, [e isso] não aconteceu.", conclui.

E se, segundo a coordenadora do BE, há quatro anos, a direita dizia "claramente que queria baixar os custos de trabalho, hoje já não tem coragem de dizer, mas também não põe nada [nos programas] que resolva o problema dos baixos salários em Portugal".

Por essa razão, Catarina Martins considera que a tensão de debate se deslocou para a esquerda, deixando de existir com a direita": "a história desta legislatura é a tensão entre o Partido Socialista e a esquerda".

"Muito do que se debate agora é em condições diferentes, é um equilíbrio diferente, e o que se vai debater nestas eleições e aquilo que o resultado eleitoral nos dirá é se é possível um novo equilíbrio à esquerda ou não", refere, para destacar que "é por isso que este é um debate diferente do que era há quatro anos".

Tal facto não impede Catarina Martins de considerar que a direita "não deve ser menorizada" porque a sua base social existe e "deve ser respeitada nas suas ideias", fazendo parte "da pluralidade democrática do nosso país".

Quanto ao PCP, apesar de considerar que os debates teriam sido importantes, a coordenadora do BE pensa que as pessoas, de modo geral, conhecem as divergências e convergências entre os dois partidos.

Questionada sobre se o facto de nunca terem reunido em conjunto não fez os dois partidos perderem força negocial perante o PS, Catarina Martins concorda que "teria sido importante" que tal tivesse acontecido, porque sinalizaria "um equilíbrio à esquerda mais forte" e teria "existido uma posição maior de força".

"Não foi esse o entendimento do PCP, nós respeitamos", salienta.

Já sobre o PAN, o BE não se vê beliscado no seu eleitorado, e assinala o "maior foco" que têm hoje questões ambientais e de emergência climática, o que considera positivo.

"É verdade que surgem cada vez mais partidos temáticos, não só em Portugal, mas um pouco por toda a Europa, muito pelo falhanço do centro em responder à vida das pessoas", explica a líder do Bloco, para quem são as pessoas do espetro da "direita, mais do que centro", que "acabam por ver nos partidos temáticos uma forma de, não colocando em causa a estrutura, se dedicarem a causas a que se sentem ligadas".

Para Catarina Martins, é mais "preocupante" a ideia de que não é preciso "mexer na economia" para resolver os problemas ambientais.

"Esta a ideia de que tem tudo a ver com comportamentos individuais, que se tivermos políticas que se impõem às pessoas, seja pelas proibições sobre os comportamentos individuais, seja pela sensibilização das empresas por via fiscal, vamos resolver os problemas de emergência climática, isso não é verdade", afirma Catarina Martins, assinalando que é essa a maior divergência com o partido Pessoas, Animais e Natureza.

"O PAN acha que se fará a coisa um bocadinho pelos comportamentos individuais, nós achamos que é preciso uma mudança mais vasta", declara.

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