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Alexandra Leitão, a mulher que disse "não" a Costa e "sim" a Pedro Nuno

O Presidente da República vaticinou-lhe, ainda no meio académico, que se iria ouvir "falar dela, em vários tablados universitários e institucionais”. Assim tem sido. Do governo para o parlamento e agora para a corrida a Lisboa nas Autárquicas, Alexandra Leitão já disse "não" a Costa, enfrentou ondas de contestação na Educação, mas nunca se negou ao confronto. Quem é a mulher que se prepara para unir a esquerda e desafiar Moedas?

Quando deixou o cargo de ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, em março de 2022, Alexandra Leitão recebeu um telefonema do então primeiro-ministro, António Costa, a convidá-la para liderar a bancada parlamentar do PS. Recusou. "Numa altura em que receber um convite de Costa era quase irrecusável", enfatiza um deputado socialista, que recorda o episódio para mostrar que a candidata do PS à Câmara de Lisboa "não é alguém que se rende aos lugares". Na altura, Alexandra Leitão justificou esta decisão, à Lusa, considerando que tinha "um perfil mais executivo". Dois anos depois, aceitou este mesmo lugar, no Parlamento, já com Pedro Nuno Santos à frente do partido, numa direção em que a deputada assumiu maior preponderância e em nome da qual protagonizará nas Autárquicas deste ano uma candidatura de esquerda a Lisboa. 

Trabalha a um ritmo alucinante, como testemunhou a SÁBADO, numa reportagem publicada em outubro, e frequentemente o horário prolonga-se pela madrugada adentro para conseguir conciliar a vida parlamentar, com a partidária, com o comentário televisivo (há mais de dois anos que é presença assídua no "Princípio da Incerteza" da CNN), com a atividade como docente na Universidade de Direito de Lisboa e ainda com a vida familiar (é casada e tem duas filhas adolescentes). Os amigos e colegas no Parlamento falam numa mulher "tecnicamente excelente", empática e com o "dom da argumentação", que não foge do confronto.

"O que leva a que alguns até a interpretem mal por ser muito afirmativa. Esta vivacidade toda numa mulher no espaço público infelizmente ainda não é muito comum. Ela é frontal, mas sabe discordar", diz, à SÁBADO, o socialista Miguel Prata Roque, amigo e colega de trabalho no governo e na universidade. "Já chegou a ligar-me para dizer que não concordava nada com algo que eu tinha dito no meu espaço de comentário. Eu continuei a defender o mesmo e ela a defender o contrário, mas é possível sempre falar com ela, mesmo em desacordo". 

Aluna certinha e interventiva

Nasceu em Lisboa numa família de classe média-baixa, mas cresceu em Carcavelos. É filha única. A mãe, de Braga, era enfermeira e chegou a ser presa pela PIDE no Porto por causa do seu ativismo político; o pai, da Sertã, trabalhava numa empresa familiar. Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão, 51 anos, foi sempre boa estudante. Era a aluna bem comportada e "marrona", descreveram colegas de curso ao Expresso, em 2016. Mas já era interventiva e gostava de lutar pelas suas causas. Na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) liderou o movimento de contestação contra o professor Soares Martinez, acusado de marcar exames sem aviso prévio e de chumbar alunos de forma aleatória, tendo acabado por ser afastado destes momentos de avaliação pelo conselho científico da instituição, um ano antes de se jubilar.

Na Faculdade de Direito - onde hoje leciona um seminário de doutoramento em Direito Administrativo, sobre digitalização e inteligência artificial - Alexandra Leitão licenciou-se com 16 valores. Doutorou-se com 18 valores, o que lhe mereceu até um elogio público de Marcelo Rebelo de Sousa, seu professor e arguente nesta tese, numa crónica que este assinava então no Sol, em 2011: "Vai ouvir-se falar dela em vários tablados universitários e institucionais". E a relação entre ambos teve continuidade, com Alexandra Leitão a colaborar com o atual Presidente da República na área do Direito Admnistrativo. "Ele é talvez a pessoa mais incontornável do meu percurso académico", assumiu à Visão, em 2016.

É também na universidade - onde Alexandra Leitão se cruza com os colegas de bancada na Assembleia da República Marco Perestrelo e Sérgio Sousa Pinto e conhece ainda o marido, o colega de curso João Miranda, filho do constitucionalista Jorge Miranda - que se torna militante do PS. Estava no segundo ano da licenciatura, quando preencheu a ficha da Juventude Socialista e fundou e coordenou o Núcleo de Estudantes Socialistas da FDUL. Estes dois vínculos (ao partido e à faculdade) ficaram para a vida. "Na universidade, é muito bem vista e é muito querida pelos alunos", sublinha o colega Miguel Prata Roque. 

"Quando me perguntam qual é a minha profissão, eu digo que a minha profissão é professora universitária de Direito e jurista", dizia a líder parlamentar socialista, à SÁBADO, em outubro. 

Secretária de Estado vocal e polémica

Apesar de ter sido adjunta no gabinete do secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, entre 1997 e 1999, é no primeiro Executivo de António Costa (conhecido como a "Geringonça", entre 2015 e 2019) que assume as suas primeiras funções governativas. Foi Secretária de Estado Adjunta e da Educação do ex-ministro Tiago Brandão Rodrigues, que conheceu através do marido, amigo de infância.

Nesta altura, Alexandra Leitão chega a dar mais nas vistas que o próprio tutelar da pasta: o ministro ainda não havia dado entrevistas e já circulavam declarações polémicas da secretária de Estado, que defendia a escola pública, mas havia optado "por uma escola com currículo internacional", o Colégio Alemão, para as duas filhas. Todavia, o seu principal embate foi quando assumiu a maternidade da ideia de colocar fim aos contratos de associação com escolas privadas, em 2016.

Foi acusada de querer rever estes contratos por preconceito ideológico e defendeu-se com a despesa: "Nós temos já em muitas zonas do país oferta pública de qualidade. A manutenção de turmas em contrato de associação é uma irracionalidade financeira", afirmou, à Rádio Renascença. As posições da então secretária de Estado mereceram como reação manifestações e, no ministério, foram recebidos 374 cravos, condizentes com o número de turmas que deveriam ser encerradas.

Chegou a ser rotulada como conflituosa. E Alexandra Leitão negou-o, em entrevista à Visão. Disse antes que não receia o confronto. Prova disso mesmo foi a sua prestação no programa Prós e Contras, da RTP, a 16 de maio daquele ano, em que impressionou a opinião pública com uma postura confiante, segura e até irónica, sem o mínimo de hesitação, numa altura em que enfrentava uma tempestade política. 

"Sou bastante determinada, mas não me considero conflituosa. Nada mesmo. Não procuro o confronto. Assumo-o se tiver de ser. Há certas situações de conflito que me incomodam mesmo que tenha de aguentá-las no momento. Mas depois fico triste", autodescreveu-se na já citada entrevista à Visão

O braço direito de Pedro Nuno Santos

Na política, as referências maiores de Alexandra Leitão são Mandela, Mário Soares e Salgueiro Maia. Já na literatura, são os clássicos russos que a entusiasmam. O favorito é Turgueniev. Em português, gosta de Eça de Queiroz. 

Com um currículo extenso na política, mas também fora dela (que inclui ainda passagens pelo Conselho Superior de Magistratura e pelo Centro Jurídico da Presidência do Conselho de Ministros), Alexandra Leitão assumiu um papel ainda mais relevante no PS, com a eleição de Pedro Nuno Santos, a quem escreveu a moção estratégica na candidatura à liderança.

É o braço direito do líder do PS. Tem sido a líder parlamentar, destacando-se em momentos fundamentais como no debate do Orçamento do Estado para 2025. E fontes socialistas descrevem que é a principal responsável pela estratégia política do partido atualmente. Foi novamente a escolha do secretário-geral para enfrentar o desafio maior do ano eleitoral - candidatar-se contra Carlos Moedas à Câmara de Lisboa. 

O deputado do PS André Pinotes Batista afirma, à SÁBADO, que Alexandra Leitão é "ideal para uma candidatura destas, de união da esquerda, porque a Alexandra Leitão consegue fazer uma quadratura do círculo: consegue congregar a esquerda e granjear o respeito de gente de todas as classes sociais, sensibilidades políticas. Tem uma forma de estar na política muito leal, é competente e tem capacidade para lidar com os efeitos mediáticos". 

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