O problema de uma crescente individualização ou centração de cada indivíduo em si próprio e no seu mundo, sendo o outro visto como um atrapalho ou inconveniente, além de nos tornar pessoas mais desagradáveis no trato, tem impactos para cada um de nós.
My morning routine é uma das muitas tendências que têm existido em redes sociais digitais, em que normalmente uma pessoa publica um breve filme do seu início de dia. O grau de elaboração varia, mas podemos ver, por exemplo, um jovem bem parecido, que se levanta, toma banho, come algo (se não estiver a fazer um programa de jejum intermitente), faz exercício, vai à piscina para umas braçadas ou envolve-se numa outra qualquer ação de bem estar. Além do vídeo do ritual matinal de alguém que aparenta viver com algum conforto, uma característica que o define normalmente é referir-se a uma pessoa individual, isto é, sem que mais ninguém apareça.
No seu número de fevereiro, a revista The Atlantic publicou o artigo "The Anti-Social Century", de Derek Thompson, em que é analisada a transformação na convivência social e particularmente a tendência para um aumento do isolamento das pessoas que, em número crescente, desenvolvem atividades e vivem a sua vida de forma individual, numa espécie de bolha própria. Ainda que anti-social possa não ser a designação mais precisa para o que se pretende descrever, aquele trabalho sistematiza um conjunto de dados e incentiva a reflexão sobre como vivemos, como somos e no que nos poderemos estar a tornar.
Reflexões sobre a natureza humana sempre existiram, mas a magnitude das transformações sociais, institucionais e tecnológicas que o mundo tem vivido tornou o interesse ainda maior e tem-se expressado em diferentes vertentes, desde a designação de época da ansiedade e da falta de empatia, passando pela queda nas vendas de champanhe, porque as pessoas não têm muito para celebrar, até à ideia de estarmos todos conectados, mas sozinhos ou com ligações frágeis.
Antes de mais, é essencial distinguir isolamento ou estar sozinho de sentimento de solidão. Este último reflete algo mais denso que vai para além de uma mera condição. E importa também sublinhar que, independentemente do resto, todos nós precisamos de tempo para nós próprios e para estarmos sozinhos - uns mais do que outros, mas todos temos essa necessidade. Sem falar na ideia que mais vale sozinho que mal acompanhado. Em todo o caso, as estatísticas têm mostrado que a condição de estar sozinho tem aumentado, quer isso se expresse nos agregados familiares ou nas reservas em restaurantes feitas para um. E um aspeto assinalável é que cada vez mais pessoas preferem e veem isso como conveniente, independentemente de ser bom ou mau (e as pessoas terem consciência disso).
O problema de uma crescente individualização ou centração de cada indivíduo em si próprio e no seu mundo, sendo o outro visto como um atrapalho ou inconveniente, além de nos tornar pessoas mais desagradáveis no trato, tem impactos para cada um de nós, nomeadamente no desenvolvimento da personalidade, no sentimento de bem estar e na vulnerabilidade à psicopatologia. (Não esqueçamos que, como ser gregário, a interação social está na natureza do ser humano e é uma necessidade psicológica básica). E tem também impacto nos planos social, económico e político. Porque o desligamento do outro se associa a menos empatia e menos empatia se associa a maior probabilidade de antagonismo e polarização, em escala, isto tem consequências sociopolíticas dramáticas, como de resto já estamos a ver.
Se o crescimento da digitalização e o retrocesso do mundo físico presencial alimentam a "anti-socialidade" do mundo, então, para que possa haver mais equilíbrios, essas duas vertentes merecem ser consideradas, existindo contrapesos e sendo criadas oportunidades para que as pessoas se conectem de forma significativa com o mundo real. Isto inclui, não só a questão da promoção mais dirigida de competências, mas sobretudo da criação de condições de contextos que sejam favoráveis. Por exemplo, temos de reconquistar cada vez mais o espaço público presencial, incluindo no desenho do espaço urbano, e garantir infraestruturas e atividades que permitam às pessoas, incluindo os jovens que passam um terço do seu tempo em ecrãs (provavelmente como os adultos!), terem tempos livres e um ócio com qualidade, bem como oportunidades de se encontrarem e se relacionarem.
Várias experiências têm mostrado o impacto positivo de medidas neste âmbito, quer em contexto escolar, quer na área do ambiente e das cidades. E isto é especialmente relevante para pessoas que apresentem fatores de vulnerabilidade, por exemplo relacionados com a sua condição social, cultural ou individual, nomeadamente na esfera da organização da sua personalidade. No plano político e da coesão social, a ciência psicológica há muito que nos demonstra a vantagem de convivermos, incluindo com quem é ou pensa diferente de nós, que passamos a considerar de outra forma, comparativamente a um registo de distância psicológica e ausência física que se tem numa qualquer rede social, grupo online ou reportagem televisiva.
De entre o que é possível, que cada um de nós tenha a morning e todas as outras routines que considerar ser mais satisfatórias para si. E que simultaneamente isso seja uma opção, enquadrada num funcionamento mais adaptativo e não um sintoma de algo mais problemático, nomeadamente de uma incapacidade de se relacionar ou de uma realidade social em que tudo, incluindo as routines, é individual.
Como país, enquanto não formos eficientes e articulados nesta missão, por muito que se reforcem condições de tratamento continuaremos a lamentar-nos pela “elevada prevalência de perturbações psicológicas no nosso país”.
Num mundo onde muitas das profissões do futuro ainda nem existem, e em que a ideia de “curso com saída” perdeu sentido face à rapidez com que tudo muda, uma carreira só é verdadeiramente bem-sucedida quando está alinhada com a identidade, os valores e as motivações de cada um.
Há necessidade de mais literacia e capacidade de auto-regulação, para que os indivíduos sejam capazes de utilizar determinadas ferramentas. Mas também precisamos de regulação das plataformas.
Esta medida tem uma natureza complementar, devendo ser acessória ao que realmente importa e que é aquilo que a OPP defende: a existência, de base, de serviços de psicologia bem estruturados e com recursos nas instituições de ensino superior.
Os municípios portugueses têm tido um papel fulcral na promoção da saúde, do bem-estar e da inclusão. E é justamente neste âmbito que se destaca o contributo que a psicologia como ciência e profissão pode dar no cumprimento e na otimização dessa missão.
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