Há uma ação decisiva que pode ser feita pelos responsáveis públicos e privados neste âmbito: aumentar e melhorar a oferta. E que tal as pessoas poderem ter mais acesso aos serviços de que necessitam?
Uma questão que é frequentemente colocada em diferentes fóruns é se, numa época em que tanto se fala sobre saúde mental, ainda há estigma em relação às perturbações psicológicas e a este assunto em geral. A resposta a esta questão é sim. Mas assumindo esse sim, resta compreender como é que o mesmo se expressa e o que é preciso fazer para o transformarmos tendencialmente em não.
Apesar de tudo, podemos começar por dizer que há alguns argumentos que dão apoio à ideia de uma redução do estigma. Temos, desde logo, a experiência da elevada procura por serviços de psicologia e outros serviços em saúde mental, o que sinaliza que as pessoas os percepcionam como úteis para ajudar a lidar com as questões que enfrentam na sua vida e têm cada vez menos problemas em os procurar. E bem sabemos que, em saúde, existindo serviços disponíveis, existe procura pelos menos. Têm também ajudado as diversas campanhas de promoção da literacia em saúde mental e o facto de se falar sobre este tema no espaço público - ainda que se fale mais sobre doença do que sobre saúde. Isto traduz-se numa maior proximidade das pessoas em relação a este assunto. Há até quem já fale numa suposta banalização do tema, dizendo que há uma psicopatologização da vida quotidiana e que, para qualquer coisa, é invocada a necessidade de intervenção profissional. Ou até que a saúde mental se tornou uma espécie de assunto pop, uma tendência em redes sociais e tópico para influencers.
Mas isto não nos deve distrair do que realmente importa. Se o facto de haver procura e de se falar mais em saúde mental sinaliza uma evolução no domínio da forma como olhamos para este tema, isso não significa a ausência de problemas, de estigma ou que esteja a ser feito o que precisa de ser feito. Na verdade, persistem representações erróneas acerca da saúde e da doença, e uma falta de compreensão do que significam as perturbações. Por exemplo, se é comum reconhecer-se que "a saúde mental é muito importante" ou que a ansiedade e a depressão são problemas sérios, também ainda são frequentes os "isso é uma questão de força de vontade" ou de "fraqueza", "isso passa com o tempo" ou "no meu tempo não havia nada dessas coisas". Ou, noutros registos, a romantização de problemas de saúde (que, do que precisam, é de ser tratados), ou então que temos de estar sempre muito sorridentes, positivos e otimistas (a isto voltaremos noutra ocasião).
Há ainda quem coloque as perturbações mentais no campo do obscurantismo e quem estabeleça relações de causalidade entre perturbações mentais e determinados comportamentos, por exemplo, de violência, algo perigoso e incorreto, já que é mais provável uma pessoa que tenha uma perturbação ser vítima do que ser agressor. E não esqueçamos que nem todos os grupos e pessoas estão em condições de igualdade no que se refere à literacia em saúde mental, o que significa que, para muitos, o básico ainda precisa de ser reafirmado e consolidado. Frequentemente, todas estas representações sociais e crenças levam à internalização do estigma por parte das pessoas que vivem com alguma perturbação, com efeitos muito significativos na sua capacidade de lidar com as suas circunstâncias.
Mas há um aspeto que é controlável e que é um contributo decisivo no combate ao estigma. Mais acima nesta reflexão, referimo-nos à questão da procura, isto é, ao facto de as pessoas consistentemente procurarem serviços de psicologia e outros serviços de saúde mental por sentirem essa necessidade. Ora, há uma ação decisiva que pode ser feita pelos responsáveis públicos e privados neste âmbito: aumentar e melhorar a oferta. E que tal as pessoas poderem ter mais acesso aos serviços de que necessitam?
Assumindo que ainda existe estigma, não esqueçamos que esse estigma é tão maior quanto mais as pessoas que necessitarem de intervenções não conseguirem aceder às mesmas, devido a barreiras e questões de (des)organização. Paralelamente à necessidade de uma abordagem de saúde mental em todas as políticas, procurando-se evitar que as pessoas adoeçam - o que significa olhar para as condições em que vivemos, trabalhamos, ocupamos os tempos livres, nos relacionamos com o ambiente em nosso redor - , não é possível eliminar o estigma enquanto não for fácil e prático aceder a um serviço de psicologia. Precisar de intervenção profissional, desejá-la, procurá-la, mas não a ter ou não a ter nas condições adequadas, até poderá ser muito mais estigmatizante do que viver ou estar com a própria perturbação.
Numa realidade em que uma em cada quatro pessoas tem um problema na esfera da saúde mental, e recordando a magnitude das consequências individuais, sociais e económicas que isto tem, a nossa comunidade necessita de uma ação efetiva, expressa em investimento e na alocação e organização de recursos no campo da saúde mental. Algo que, é sempre bom recordar, deve existir por razões humanistas e civilizacionais, de saúde pública, e também porque é uma questão de racionalidade económica e de garantia de uma sociedade mais coesa e desenvolvida.
Há necessidade de mais literacia e capacidade de auto-regulação, para que os indivíduos sejam capazes de utilizar determinadas ferramentas. Mas também precisamos de regulação das plataformas.
Esta medida tem uma natureza complementar, devendo ser acessória ao que realmente importa e que é aquilo que a OPP defende: a existência, de base, de serviços de psicologia bem estruturados e com recursos nas instituições de ensino superior.
Os municípios portugueses têm tido um papel fulcral na promoção da saúde, do bem-estar e da inclusão. E é justamente neste âmbito que se destaca o contributo que a psicologia como ciência e profissão pode dar no cumprimento e na otimização dessa missão.
Se os desafios enfrentados por muitos rapazes são reais e não devem ser ignorados, também é perigoso transformá-los numa narrativa de vitimização que ataca os progressos das mulheres na sociedade, para mais quando persistem indicadores de desigualdade entre sexos, com prejuízo para o feminino.
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