Sábado – Pense por si

Francisca Costa
Francisca Costa Gestora de projetos
15 de março de 2024 às 07:00

A vitória eleitoral ofuscada pela extrema direita

A iminência dos desafios ambientais deixaram cada vez mais claro a importância de trazer estes temas para o centro do debate político tanto ao nível europeu como ao nível nacional.

Os últimos dias têm sido marcados pela incerteza política decorrente dos resultados eleitorais. No meio de tanta instabilidade, onde o foco tem sido o novo tripartidarismo português, é importante também tirar outras ilações destes resultados. Além da enorme ascensão da extrema-direita, as últimas eleições trouxeram-nos outra certeza, os cidadãos portugueses depositaram mais esperança nos partidos verdes para responder à tripla crise económica, social e ambiental que atualmente enfrentamos.

Apesar deste aumento recente, os partidos verdes em Portugal não são novidade. Desde os primeiros anos da nossa democracia que o Partido Ecologista Os Verdes (PEV) tem avançado com as causas ambientais no parlamento. Este avanço esteve sempre associado ao Partido Comunista Português, com quem tem uma longa história de coligação. No entanto, importa reforçar o contributo inestimável que este partido teve ao trazer as questões ambientais para o centro do parlamento português numa altura em que os partidos políticos não estavam minimamente conscientes da importância que a ecologia deveria ter no desenvolvimento de políticas públicas.

Com o passar dos anos, outros partidos ambientalistas ganharam novo destaque não só em Portugal, mas também em toda a Europa, chegando mesmo a tornar-se parte integrante de soluções de governo em países como Áustria e Alemanha. A iminência dos desafios ambientais deixaram cada vez mais claro a importância de trazer estes temas para o centro do debate político tanto ao nível europeu como ao nível nacional. Em Portugal, tal refletiu-se no aparecimento de duas novas forças políticas: em 2009, o PAN, partido das Pessoas Animais e Natureza, e mais tarde, em 2014, o Livre, partido ecologista europeísta. Ambos comprometendo-se a trazer novas respostas políticas com o para alavancar as causas sociais e ambientais.

O crescimento destes dois partidos conduziu a uma reconfiguração dos partidos ambientalistas no espetro político português e os resultados eleitorais dos últimos anos foram a prova disso mesmo. Em 2022, o PEV, dependente da Coligação Democrática Unitária (CDU), perdeu os dois assentos parlamentares que tinha ao mesmo tempo que o PAN e o Livre asseguraram, através de deputados únicos, dois assentos parlamentares na Assembleia da República. Por um lado o PAN, posicionou-se ao centro como partido progressista, trazendo a causa animal para o debate político, por outro o LIVRE afirmou-se como a força ecologista e europeísta de esquerda.

Embora tendo ideologias e contributos distintos, estes dois partidos em conjunto arrecadaram o melhor resultado de sempre, 318 467 votos, na noite eleitoral do passado domingo (LIVRE com 199 888 e PAN com 118 579 votos), sem contar com os resultados dos círculos da emigração que ainda estão por apurar. Tal repercurtiu-se em quatro deputados eleitos por parte do LIVRE e na manutenção da deputada única do PAN, Inês Sousa Real, sendo que estes resultados em conjunto tiveram maior expressão que o Bloco de Esquerda (274 029 votos) e CDU (202 325 votos) individualmente. A falta de resposta da direita e a insuficiente resposta da esquerda, nomeadamente dos governos do PS, para trazer as questões ambientais para o centro do debate político nacional, podem ter sido razões que contribuíram para este fenómeno numa legislatura decisiva para a mitigação das alterações climáticas.

Segundo o barómetro da perceção da sustentabilidade em Portugal de 2023, 86% dos portugueses revelou uma grande preocupação com as alterações climáticas, estando cientes dos efeitos agravados que estas poderão ter no futuro. Numa altura em que os movimentos climáticos pedem urgentemente novas respostas ao sistema vigente, polarizando até a opinião pública, os portugueses confiaram nestes dois partidos para serem também a voz destas preocupações na Assembleia da República.

Numa corrida contra o tempo para responder à crise climática e social, os próximos anos serão desafiantes para estes partidos oferecerem uma resposta sólida ao seu eleitorado ao mesmo tempo que dão a volta ao descontentamento social de parte da população que, não se revendo mais no bipartidarismo português, decidiu apostar na extrema-direita.

Perante tempos de incerteza e descontentamento generalizado, é mais importante que nunca criar pontes com os movimentos sociais, ambientais e com os partidos democráticos para mostrar que estão à altura de dar uma nova resposta os problemas atuais ao mesmo tempo que garantem uma resposta para as gerações futuras, co-criando uma sociedade mais justa e sustentável.

Deixo aos leitores o convite para se juntarem ao Encontro Nacional por Justiça Climática, que decorrá nos dias 5 e 6 de abril em Boticas, contando com a participação alargada de diferentes associações e coletivos para discutir o futuro do movimento climático em Portugal.

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