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Índia e China juntas: “As tarifas aceleraram a melhoria de relações”

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Os líderes da China, Rússia e Índia estão reunidos na cimeira da Organização para a Cooperação de Xangai mais participada de sempre. Cátia Miriam Costa e José Filipe Pinto explicam que a política externa dos Estados Unidos pode aproximar os seus opositores.

Uma semana depois de os Estados Unidos terem aplicado tarifas de 25% à Índia o primeiro-ministro Narendra Modi encontrou-se com o presidente chinês, Xi Jinping, à margem da cimeira da Organização para a Cooperação de Xangai, na China.  

Líderes da China, Rússia e Índia reunidos na cimeira da Organização para a Cooperação de Xangai
Líderes da China, Rússia e Índia reunidos na cimeira da Organização para a Cooperação de Xangai Indian Prime Minister's Office via AP

A China está a liderar quatro dias de encontros e cerimónias que vão ser encerrados com o desfile militar do “Dia da Vitória”, que marca o 80º aniversário do fim da II Guerra Mundial. Para a cimeira de Xangai juntaram-se cerca de vinte chefes de Estado contando com Narendra Modi, o presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente turco, Recep Tayyinp Erdogan. Kim Jong-un também está a viajar para a China, precisamente para assistir ao e reunir com Putin e Xi Jinping, tendo a guerra na Ucrânia no horizonte. Assim sendo, o líder norte-coreano vai a Pequim antes de responder ao convite de Trump para que se encontrem ainda “este ano”. 

No banquete de abertura da cimeira, Xi Jinping afirmou que “a Organização para a Cooperação de Xangai tem agora uma responsabilidade ainda maior para manter a paz regional e a estabilidade”, fazendo referência às instabilidades vividas por muitos dos seus membros originadas pelas tarifas norte-americanas ou pela invasão russa à Ucrânia.  

Xi Jinping utilizou a cimeira para denunciar o que considera como mentalidade de guerra fria e intimidação nas relações internacionais, praticada pelo bloco ocidental, e defendeu uma ordem internacional justa e ordenada e um sistema de governação do mundo multipolar e razoável.

A Organização para a Cooperação de Xangai foi criada em 2001 e nunca conseguiu assumir um papel central na geopolítica, ainda assim esta é a cimeira anual com maior número de chefes de Estado e Governo presentes desde a sua formação. Cátia Miriam Costa explica à SÁBADO que “Xangai nasce do entendimento entre a China e a Rússia da necessidade de uma cooperação para a segurança”. Ainda assim, a especialista admite existirem diferenças nos interesses das duas potências com a “China a puxar mais pelas questões económicas e a Rússia pelas da defesa”. Apesar da dificuldade em se assumir como um ator mundial “é um espaço onde são promovidos muitos diálogos no âmbito regional, como é o caso das conversações entre Paquistão e Índia”. 

A existência de múltiplas ordens  

José Filipe Pinto explica à SÁBADO que “a ordem liberal ocidental, liderada pelos Estados Unidos não está, nem vai, desaparecer”. Ainda assim o professor catedrático recorda o seu livro O Fim da Hegemonia Americana, Um mundo de múltiplas ordens (2023) para defender a existência de três outras ordens: “Existe a ordem da seda de Pequim, que naturalmente é liderada pela China, a ordem eurasiática, liderada por Moscovo e que levou Putin a invadir a Ucrânia numa tentativa de definir os limites que o separam do Ocidente, na altura referi o processo de formação de uma ordem que seria islâmica (liderada pela Arábia Saudita ou pelo Irão) ou muçulmana”. 

Passados dois anos, José Filipe Pinto acredita que esta terceira ordem se está mesmo a desenvolver e será “muçulmana liderada pela Turquia”. 

Este é um ponto fundamental, pois apesar da existência destas três ordens, “quem está a liderar todos os processos de oposição à ordem ocidental é a China”. Ainda assim, José Filipe Pinto defende que “quando a China afirma que pretende um mundo pós-hegemónico é a uma falácia, o que quer é unir o máximo de países contra os Estados Unidos”.  

A aproximação entre a Rússia e China pode ser outra falácia, uma vez que “existe uma aparente aliança entre a ordem da rota da seda e a eurasiática porque ambas querem diminuir o poder da ordem ocidental”, mas o especialista alerta que “se tal for alcançado aparecerão os problemas entre as duas potências, uma vez que ambas querem ser a principal influência na Ásia Central”.  

José Filipe Pinto refere que existem outros atores que são bastante importantes e têm o poder de influenciar a geopolítica mundial, mas que nunca vão liderar uma ordem como é o caso da Índia, África do Sul ou Brasil. Por norma estes países “têm um relacionamento momentâneo com cada uma das ordens”, dependendo dos vários temas.  

Trump, o agitador da geopolítica  

José Filipe Pinto acredita que “os Estados Unidos estão a conviver muito mal com o fim da hegemonia americana” e recorda até que o lema de campanha de Donald Trump, Make America Great Again, “tem presente o saudosismo do fim da Guerra Fria, que ditou um mundo unipolar onde os Estados Unidos ditavam a única ordem existente”. 

Um objetivo que não está a ser assim tão bem sucedido pois, além de fazer com que os seus opositores se unam, Trump “tem dificuldade na relação com os seus aliados naturais e tradicionais”, algo que ficou claro com “o aumento das tarifas e a pressão para aumentar as contribuições para a NATO”. A investigadora concorda com esta visão e reforça que “os aliados do Ocidente estão a ter muitas dificuldades em entenderem-se" uma vez que “Trump vê a Europa com um poder competidor, especialmente na área económica”.  

Cátia Miriam Costa sublinha que o presidente dos EUA tem tido a capacidade de juntar parceiros improváveis: “As tarifas aceleram a melhoria de relações. Quando as primeiras tarifas foram anunciadas, vimos a China a falar com a Coreia do Sul e o Japão”.  

China e Índia mais próximos que nunca 

Numa altura em que o Ocidente parece estar fragmentado ou a viver momentos de incerteza, os restantes atores mundiais unem-se e tornam-se mais fortes. Exemplo disso é a aproximação entre a Índia e a China, dois dos países que lidam com tarifas mais altas por parte dos Estados Unidos.  

Dois países que disputam o território dos Himalaias e que, em 1962, chegaram a estar em guerra direta. As tensões voltaram a aumentar em 2020 e originaram confrontos que levaram à morte de vinte soldados indianos e um número de baixas do lado chinês que nunca foi confirmado por Pequim.  

“Estamos empenhados em fazer progredir as nossas relações com base no respeito mútuo, confiança e sensibilidade”, afirmou o primeiro-ministro indiano, agora na cimeira de Xangai. Já o líder chinês considerou que “a escolha certa para ambos os lados é serem amigos”. Exemplo desta aproximação foi o anúncio de que os voos comerciais entre os dois países, suspensos em 2020, vão regressar.  

Cátia Miram Costa acredita que os dois países estão a fazer “uma tentativa de aproximação motivada pela velocidade com que as coisas estão a mudar”. A investigadora no Centro de Estudos Internacionais do Iscte considera que ambos “tomam as suas decisões com base no pragmatismo” isto porque “apesar dos seus muitos pontos de tensão viram aqui um desafio em comum”.  

José Filipe Pinto acredita que “as elites indianas estão agora a tentar decidir se querem liderar a sua própria ordem ou se querem relacionar-se com as outras”. Isto porque neste momento estão bastante próximos da Rússia, a quem compram a maior parte do petróleo que utilizam, mas também da China por questões económicas.  

O papel da União Europeia  

Para José Filipe Pinto, “a Europa não dispõe neste momento de uma política de defesa ou de indústria de armamento comum” que lhe permita “assumir-se como líder de uma ordem”. Por isso, deve optar por “contribuir para a unificação da ordem liberal ocidental” ao mesmo tempo que “trabalha dentro da ordem para diminuir a sua dependência sem querer substituir a potência principal nem opor-se a ela”.

Cátia Miriam Costa também acredita que a União Europeia (UE) se vai manter próxima dos Estados Unidos, ainda assim não acredita que isso possa ser prejudicial para os europeus nem que os faça perder parceiros entre os opositores de Trump: “Todos os países que estão agora na China têm muito interesse em aprofundar as suas relações com a Europa, continuamos a ter um mercado atrativo e é importante que nos apresentemos como uma alternativa complementar”. Um sinal disso é que “não houve nos últimos tempos nenhum movimento da Índia contra a UE”.  

A investigadora acredita que o bloco europeu já teve um papel mais ativo no panorama global, no entanto “enfrenta vários problemas de instabilidade provenientes dos seus vizinhos, incluindo a guerra na Ucrânia, mas também os problemas nos Balcãs ou a desorganização do Mediterrâneo no pós-primavera árabe”.

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