O que se segue às eleições na Alemanha? "Há muita instabilidade"
As negociações para formar governo começaram na noite do domingo eleitoral, com Friedrich Merz a começar a fazer contactos com o SPD. Contudo, o processo deve demorar pelo menos "até à Páscoa", explica a especialista Mónica Dias.
Friedrich Merz deixou o aviso ainda na noite de domingo: "O mundo não espera por nós." Por isso, e apesar de o bloco conservador por si liderado ter sido o vencedor da noite eleitoral alemã, os próximos dias serão de intensas negociações para tentar formar governo.
O bloco conservador composto pela União Democrata-Cristã e pelo seu partido irmão União Social-Cristã na Baviera conseguiu 28,6% dos votos, elegendo 208 dos 630 lugares no Parlamento. O partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) tornou-se a segunda força política com 20,8% e os sociais-democratas do SPD, do atual chanceler Olaf Scholz, tiveram o pior resultado desde a II Guerra Mundial com 16,4% dos votos e 120 deputados, ficando em terceiro lugar.
Estes dados significam que se Friedrich Merz quiser manter o "cordão sanitário" relativamente à AfD, a grande coligação, como é conhecida na Alemanha a união feita entre os conservadores e os socialistas, pode ser uma das opções para formar governo. Mónica Dias, diretora do Instituto de Estudos da Universidade Católica, considera que "para a CDU este não deixa de ser um bom resultado, apesar de não ter conseguido chegar aos 30%". Os três partidos, CDU/CSU e SPD têm 328 deputados, mais do que os 316 necessários para assegurar uma maioria parlamentar.
Foi também a grande coligação que possibilitou a governação em 2013, quando Angela Merkel liderava a Alemanha. No entanto, Mónica Dias explica à SÁBADO que apesar de esta ser uma coligação que os alemães conhecem, "o contexto é diferente agora": "Em 2013 não havia forças extremadas no parlamento. Além disso, agora temos uma guerra na Ucrânia, os Estados Unidos estão desalinhados, a União Europeia fragmentada, há muita instabilidade".
As negociações devem ser especialmente difíceis uma vez que a campanha eleitoral expôs grandes divisões em temas como imigração, segurança e a forma como lidar com a extrema-direita AfD. Ainda assim, Merz e Scholz partilham visões semelhantes em temas como a guerra na Ucrânia e a necessidade de a UE deixar de ser tão dependente dos Estados Unidos. Merz garantiu no domingo à noite: "Os democratas-cristãos vão honrar a sua responsabilidade de formar um governo depois de ganharem as eleições. O mundo não está à espera da Alemanha e não está à espera de longas conversações de coligação em negociações".
Para que seja criada uma coligação na Alemanha "é necessário um acordo escrito e no caso do SPD tem de ser aceite pelos membros do parlamento", o que pode fazer com que o processo demore ainda mais tempo. Mónica Dias considera improvável que o governo seja formado antes da Páscoa.
O que reserva o futuro a Olaf Scholz?
Os atuais parceiros de Olaf Scholz, os Verdes e os liberais do FDP, perderam relevância com os Verdes a perderem 33 deputados (11,6% dos votos) e os liberais a ficarem mesmo de fora do Bundestag por não conseguirem chegar aos 5% necessários. O insucesso da coligação que ainda governa a Alemanha é a prova do insucesso de Scholz: "Esta é uma derrota do SPD, mas sobretudo uma derrota de Scholz".
O chanceler alemão já tinha afirmado, durante a campanha, que "não ia fazer parte de nenhuma negociação com a CDU, indo apenas cumprir o seu mandato de deputado". A Scholz deve seguir-se Boris Pistorius, atual ministro da Defesa: "É muito popular dentro do partido e entre a população em geral e é esperado que vá também ao encontro de Merz no que toca ao aumento do apoio à Ucrânia e do maior investimento na área da Defesa".
E o resto do Bundestag?
Em direção contrária ao SPD os extremos cresceram. Além da AfD que conseguiu mais 69 deputados e atingiu os 152, também A Esquerda (Die Linke) conseguiu o melhor resultado de sempre, chegando aos 64 deputados, mais 25 do que tem atualmente.
Apesar do ótimo resultado da AfD, Mónica Dias refere que "duplicou a percentagem de votos, mas não conseguiu chegar aos 30%, possibilitando a coligação entre a CDU e o SPD". Tal significa a manutenção de uma "constelação positiva, apesar de alguns tipos de leis necessitarem de ser aprovadas por dois terços do parlamento para passarem".
A especialista refere ainda que o crescimento da extrema-esquerda se deu "sobretudo nas últimas duas semanas", devido ao "antiamericanismo sentido pelos mais jovens e pelos novos eleitores": "Ao verem a entrevista que Alice Weidel deu a Elon Musk e a interferência que os Estados Unidos estavam a tentar ter nas eleições, muitos jovens decidiram posicionar-se no extremo oposto". É importante referir também que "A Esquerda e os Verdes juntos têm quase o mesmo número de deputados [149] do que a AfD [152]" o que prova que prova que a esquerda unida pode ter quase tanto impacto como a AfD.
Mónica Dias alerta ainda que "existem posições muito parecidas partilhadas pelos dois extremos", especialmente em temas como "o apoio à Ucrânia ou a proximidade à Rússia".
O último deputado foi atribuído ao partido regional do estado de Schleswig-Holstein SSW.
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