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Regra dos penáltis pode mudar. A ideia foi dos portugueses?

Pierluigi Collina veio defender o fim da recarga na marcação dos penáltis, pois considera que é "injusto" para os guarda-redes. Ora, isso já tinha sido sugerido, há 18 meses, pelo ex-árbitro Jorge Faustino. Um caso de "roubo" da ideia? A verdade é que o penálti nasceu cheio de polémica, e no século XIX havia quem falhasse de propósito.

Sempre que um árbitro assinala hoje um penálti, os adeptos da equipa que beneficia desse lance festejam como se fosse golo – esquecendo-se que é possível falhar. Este é um cenário muito diferente do que acontecia há quase 150 anos, quando se começou a discutir a introdução dessa regra – havia jogadores que se recusavam a marcar ou falhavam propositadamente, considerando que o futebol era "jogado apenas por cavalheiros" e os cavalheiros "não faziam batota nem faltas de propósito". Aliás, nem havia árbitros (só iriam surgir em 1868, passando a apitar dentro do campo apenas em 1891).

As "Leis do Jogo" que definem o futebol foram criadas em 1863, mas o penálti só passou a existir em 1891, em Inglaterra (o primeiro a marcar assim um golo foi John Heath, numa vitória por 5-0 do Wolverhampton sobre o Accrington).

Nos primórdios do futebol, as faltas eram marcadas no local onde aconteciam, sempre com barreira. Por isso, os livres junto à baliza raramente davam em golo. Em 1879, num encontro da Associação de Futebol de Sheffield, discutiu-se pela primeira vez a hipótese de haver um penálti a punir lances que ocorressem a menos de 2 metros da baliza. Mas só em 1890 é que haveria avanços, graças à perseverança de William McCrum.

O empresário, jogador do Milford (Irlanda do Norte), fez uma exposição à Federação Inglesa. O caso não foi logo aceite e até gerou críticas dos jornais, que vaticinaram uma "sentença de morte" ao jogo. Só que um lance numa partida da Taça de Inglaterra iria mudar tudo: no último minuto, Hendry, defesa do Notts County, evitou o golo do empate do Stoke City ao cortar com a mão em cima da linha de baliza. No livre, o guarda-redes colocou-se junto à bola e defendeu com facilidade. Na Escócia surgiu outro caso semelhante e a 2 de junho de 1891 foi aprovada a regra do penálti, sendo que no início não havia um ponto certo na linha de 11 metros – o batedor podia chutar de qualquer zona numa linha que era traçada à frente da baliza (como se faz no snooker).

Em 160 anos, as regras do futebol foram sofrendo várias alterações e acrescentos – no início não havia guarda-redes (só foram permitidos em 1871 e apenas passaram a usar camisolas diferentes dos colegas de equipa em 1912), nem áreas de baliza (surgiram em 1902), substituições (começaram em 1958, mas só uma, e em caso de lesão) ou cartões (apareceram em 1970, inspirados nos semáforos do trânsito). Mas a regra do penálti manteve-se relativamente estável (em 2019, uma pequena alteração permitiu que os guarda-redes passassem a poder ter apenas um pé em cima da linha de baliza, em vez dos dois).

Essa mutabilidade está agora ameaçada por um antigo árbitro, Pierluigi Colinna, atual presidente do Comité de Árbitros da FIFA. Na sua opinião, devia acabar-se com a recarga na marcação dos penáltis, pois isso deixa o guarda-redes em desvantagem. "Há uma diferença excessiva entre as oportunidades do atacante e do guarda-redes. Em média, 75% dos penáltis são concretizados", aponta, acrescentando que "como se isso não bastasse, o marcador tem a oportunidade de voltar a rematar na recarga".

O ex-árbitro italiano adianta que deverá ser assinalado pontapé de baliza se o penálti for falhado. "Defendo a regra de um só remate, como no desempate por penáltis. Ou marcas ou o jogo recomeça com pontapé de baliza", apontou, notando que isso também iria "eliminar o espetáculo que vemos antes de cada penálti, em que toda a gente se amontoa à volta da área, parecem cavalos antes da partida para uma corrida".

Ora, essa mudança já foi sugerida ao IFAB, o organismo que supervisiona as leis de jogo, há um ano e meio por dois portugueses. "Eu e um colega decidimos fazer essa proposta", contou à SÁBADO o ex-ábitro Jorge Faustino, adiantando que isso surgiu numa altura em que se discutiam as repetições de penáltis por invasão da área pelos jogadores. "Assim acabava-se com essas confusões", nota, revelando, divertido, que não acredita que se trate de um "roubo" por parte de Colinna, frisando que também não quer arrogar-se como o "pai" da ideia. "Há outras pessoas a pensar a arbitragem e que poderão ter a mesma opinião", diz. "Há propostas de mudança que não fazem sentido, mas penso que esta alteração seria acertada", reforça.

Para Jorge Faustino, a regra nem seria das mais impactantes. "Uma alteração brutal foi aquela de proibir o guarda-redes de agarrar a bola num atraso de um colega feito com o pé [1992]. Até levou os treinadores a mudar a tática das equipas. É importante que se façam pequenas alterações, no sentido de ir melhorando as coisas, mas não de forma radical, pois aí passaríamos a ter outro jogo", diz, referindo-se à hipótese do fim do fora de jogo.

Ao longo dos anos, houve sempre sugestões ou experiências para se mudarem as regras e leis do futebol, mas algumas não saíram do papel e outras, apesar das tentativas, não foram bem sucedidas. Em 2021, o holandês Marco Van Basten propôs o fim do fora de jogo – para haver mais golos e menos polémicas. A ideia do ex-avançado não colheu, mas a FIFA chegou a por em prática algumas experiências: como o golo de ouro (no prolongamento), para evitar os penáltis; ou marcar os lançamentos laterais com o pé (testado em 1993, no Mundial sub-17).

Jorge Faustino desvenda que há uma regra que poderá sofrer alterações em breve. Trata-se do tempo em que os guarda-redes podem ter a bola na mão. "A regra diz que são seis segundos, mas ninguém cumpre. Está em análise a hipótese de esse período ser alargado para 8 ou 10 segundos, mas em caso de incumprimento a equipa sofrerá uma penalização, como um canto a favor do adversário".

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