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Portugal-Alemanha: mas porque é que o engenheiro não levou os filhos de Conceição?

Carlos Torres
Carlos Torres 19 de junho de 2021 às 12:16
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A seleção nacional soma quatro derrotas consecutivas contra a Alemanha, a última foi o humilhante 4-0 no Mundial do Brasil. Desde 2000 que não vencemos o conjunto germânico, com aquele hat-trick mágico de Sérgio Conceição. Por isso, com os quatro filhos do treinador do FC Porto em campo, de certeza que agora conseguíamos uma goleada das antigas.

Eu sei que é lamentável, mas não me consigo lembrar onde é que estava no dia 20 de junho de 2000, quando Sérgio Conceição decidiu fazer um hat-trick e arrasar os panzers alemães no estádio De Kuip, em Amesterdão, no terceiro e último jogo da fase de grupos do Euro 2000.

Lembro-me dos golos (o primeiro foi só confirmar à boca da baliza, de cabeça, um ressalto, chocando com o guarda-redes), em especial do 2-0, em que Sérgio Conceição vai fletindo da direita para o meio e, à entrada da área, tira um defesa da frente e remata de pé esquerdo, com a bola a passar por baixo de Oliver Kahn. Aliás, outra imagem de que não me esqueço é do carismático guarda-redes do Bayern Munique deitado no relvado, desolado, depois do extremo português ter completado o hat-trick com um remate cruzado já dentro da área, após uma tabelinha.

Nesse dia, uma terça-feira, tenho a certeza de que não estava de férias. E porquê? Porque no final de julho estive uma semana no sul de França e tive de aguentar o sarcasmo dos franceses ao perceberem que erámos portugueses – eles achavam-se os melhores do mundo, e na realidade eram mesmo, pois tinham conquistado o Mundial 98 e o Europeu em 2000, algo que só os espanhóis iriam conseguir repetir (e até prolongar), pois foram campeões europeus em 2008 e 2012 e pelo meio arrebataram o Mundial 2010, na África do Sul. E, adivinhem, tanto em 2010 como em 2012, foi à custa dos portugueses.

Não estando de férias nessa histórica tareia à Mannschaft, e dependendo da hora do jogo, poderei tê-lo visto com amigos, em casa ou nalgum café ou esplanada. Mas também pode ter acontecido assistir a essa partida no local de trabalho.

Lembro-me bem de uma imagem caricata num dos jogos de Portugal no Euro 96 (penso que foi na vitória sobre a Turquia), que se verificou na redação do jornal A Capital (onde trabalhava), com uma nuvem de pessoas em volta da única televisão e depois um ou outro jornalista (na maioria mulheres) sentados em frente ao seu computador, a escreverem tranquilamente os seus textos (bem-aventurados aqueles que continuam placidamente a trabalhar, mesmo quando está a decorrer um Europeu de futebol).

Há um jogo marcante de que me lembro bem onde estava: a almoçar com dois colegas de trabalho num restaurante, na zona de Sintra. Devido à diferença horária, foi à mesa que vimos João Vieira Pinto perder a cabeça e agredir o árbitro do Portugal-Coreia do Sul, o argentino Angel Sanchez, logo aos 26 minutos. Portugal só precisava de empatar, e foi mantendo o 0-0, mas a 20 minutos do fim, e quando a seleção nacional já só tinha 9 homens em campo (Beto vira o segundo amarelo), Parl ji-sung marcou o 1-0 e pôs um ponto final na participação portuguesa no Mundial de 2002.

A questão é que não me lembro exatamente onde estava nesse dia em que goleamos a Alemanha, capaz de entrar para o top 10 dos jogos míticos da seleção das Quinas. Mas recordo bem outros jogos memoráveis (exceção feita ao Portugal-Coreia do Norte do Mundial 66, em que Eusébio e companhia transformaram um 0-3 em 5-3, pois aí ainda não existia).

No topo da pirâmide está o momento-Éder na final do Euro 2016 (estava no Stade de France). Depois, há o milagre de Estugarda, em outubro de 2016, com aquele golo monumental de Carlos Manuel (tinha 14 anos e lembro-me que o treinador da equipa de futebol onde eu jogava deixou-nos sair mais cedo do treino e fui para o café com dois colegas, o lateral esquerdo e o lateral direito, ver o jogo. Íamos ver só até ao intervalo, mas não resistimos em ficar até ao fim, e lá tive de chegar a casa atrasado para o jantar).

Também fascinante foi o momento-Figo no Euro 2000 (o seu remate a 30 metros, que acabou na gaveta da baliza de Seaman, foi o sinal de que era possível dar a volta à má entrada e ao 0-2 contra Inglaterra desde os 17 minutos). Aí, estava em casa com vários amigos (aliás, chegamos ligeiramente atrasados, e quando ligámos a televisão já Scholes tinha feito o 1-0 – logo aos 2 minutos).

Emocionante foi ainda o momento-Ricardo no Euro 2004. Já estava na SÁBADO, e tínhamos uma equipa no estádio e outra na redação (onde eu me incluía), pois em caso de vitória íamos ter um suplemento especial. E vivemos o desempate por penáltis de forma incrível (achámos que íamos morrer quando Hélder Postiga decidiu marcar à Panenka e desatamos todos a gritar que nem loucos, aos pulos e abraços, quando o guarda-redes português, depois de ter defendido o remate de Vassel, já sem luvas, converteu ele próprio o penálti que apuraria Portugal para as meias-finais).

A seleção, nos últimos 45 anos (os que contam para mim, que é o período em que me lembro de ver futebol), deu-nos essas alegrias (a maior foi, claro, o Euro 2016), mas também muitas tristezas. Como esquecer a derrota na final do Euro 2004 contra os gregos, a meia-final perdida para a França no Euro 84 aos pés de Platini (o que eu, com 13 anos, me fartei de chorar), as desilusões nos Europeus de 2000 ou 2012 ou no Mundial de 2006 (sempre à conta de malditos penáltis, frente a França e Espanha) ou a má prestação nos Mundiais de 2010 (estava lá quando Ronaldo reagiu à derrota com a Espanha com a célebre frase "perguntem ao Carlos") e no México 86 (o meu pai foi-se deitar ao intervalo do 1-3 com Marrocos, quando já perdíamos por 2-0, mas eu, crédulo, ainda sonhei com um 2-2 que nos daria a qualificação).

Mas há mais: os fracassos nos apuramentos para o Mundial de 1994 (em que já andávamos a fazer as habituais contas, pois precisávamos de ganhar por 4-0 à Estónia e depois empatar na Itália – mas nada disso aconteceu, só batemos os estónios por 3-0, apesar do autêntico massacre, com um Futre endiabrado – lembro-me porque estava no estádio da Luz - e depois perdemos 1-0 na Itália quando tínhamos de vencer), e para o Mundial 98 (a polémica expulsão de Rui Costa pelo árbitro Marc Batta no empate frente à Alemanha, com os jornais franceses a titularem na capa "Batta tira Portugal do Mundial").

Tenho ainda mais pena de não me lembrar com pormenores dessa vitória sobre a Alemanha porque foi a última vez que aconteceu. É verdade, já lá vão 21 anos. Não que tenhamos muitos triunfos sobre os germânicos. Desde 1936 até 2014, defrontamos a Alemanha (ou RFA) por 18 vezes, conseguindo apenas três vitórias (e ainda nove derrotas e três empates). Portugal jogou ainda três vezes contra a RDA (em 1959 e em 1986), somando duas vitórias e uma derrota.

A primeira vitória frente à Alemanha aconteceu em 1983, num jogo particular disputado em Lisboa (1-0, golo de Dito). A segunda foi a do milagre de Estugarda (em outubro de 1985, com o monumental golo de Carlos Manuel e uma grande exibição de Bento na baliza). E a mais recente aconteceu no Euro 2000 (3-0, com o tal hat-trick mágico de Sérgio Conceição). Portugal, que tinha batido a Inglaterra e a Roménia, já estava apurado, mas a Alemanha, em caso de vitória sobre Portugal, ainda podia seguir para os quartos de final. Não o conseguiu e foi um choque para o País (ainda hoje, foi a primeira e única vez que a Alemanha não passou a fase de grupos).

Ribbeck, o seleccionador da Alemanha da altura, lembrou em 2014, numa entrevista antes do Portugal-Alemanha, do Mundial 2014, no Brasil, essa noite de pesadelo: "Confesso que fui deitar-me mas não consegui dormir. Estava tudo ainda muito fresco".

O problema é que desde 2000 Portugal só averbou derrotas contra a Alemanha: 3-1 no Mundial 2006, no jogo de atribuição do 3º lugar (golo de Nuno Gomes); 3-2 nos quartos de final do Euro 2008 (marcaram Nuno Gomes e Hélder Postiga); 1-0 no Euro 2012, na Ucrânia (uma derrota que acabaria por não ser dramática, porque a seguir Portugal iria triunfar sobre Dinamarca e Holanda e seguir para os quartos); e 4-0 no traumatizante jogo de estreia no Mundial 2014, no Brasil (um desaire com consequências, porque o grande número de golos sofridos iria ser fatal, pois Portugal a seguir empatou com os EUA e no último jogo teria de golear o Gana, mas apenas venceu por 2-1).

Perante isto, temos a questão fulcral: sabem quem foi o jogador português com mais golos marcados à Alemanha? Sérgio Conceição. O atual treinador do FC Porto é o único, entre 13 jogadores diferentes que já faturaram contra a Mannschaft, que conseguiu fazer mais do que um golo no mesmo jogo. Depois, há o caso de Nuno Gomes, que marcou duas vezes (nas derrotas de 2006 e 2008).

Ora bem, e tendo em conta esse momento mágico de Sérgio Conceição, será que Fernando Santos não deveria ter pensado em levar os filhos dele para este Europeu? O treinador dos dragões tem cinco filhos, mas o mais pequeno, José, só tem 6 anos, e ainda não pode entrar nestas contas. Mas todos os outros quatro são futebolistas seniores.

O que parece ter mais potencial é Francisco Conceição, que apesar de ter apenas 18 anos já está na equipa principal do FC Porto (esta época participou em 17 jogos, quase sempre como suplente). Depois, há ainda Rodrigo Conceição (21 anos), que depois de uma época nos sub-23 e equipa B do Benfica, na última esteve na equipa B do FC Porto (30 jogos e um golo); já Sérgio Conceição (tem o mesmo nome do pai), de 24 anos, esteve na última época no Estrela da Amadora, no Campeonato de Portugal (31 jogos); por último, referência a Moisés Conceição, de 20 anos, que em 2020/21 fez dois jogos na equipa B do Rio Ave e 23 nos sub-23.

A minha opinião vale o que vale, mas quando vi a notícia de que a UEFA ia estender o número de convocados de cada seleção de 23 para 26 jogadores, por causa da Covid-19, pensei logo que o mais acertado era Fernando Santos aproveitar essa extensão e levar os filhos de Sérgio Conceição. Acho que assim tínhamos boas hipóteses de derrotar a Alemanha. Afinal, se só um Conceição conseguiu fazer três golos, quatro Conceições conseguiriam muitos mais... 

Fernando Santos até podia adotar uma estratégia semelhante à que se pratica nos jogos de andebol, em que há jogadores que entram só para atacar e outros só para quando é preciso defender. Isto é, punha os quatro filhos de Sérgio Conceição de início contra a Alemanha – porque quando os alemães vissem nas camisolas aquele nome aterrador, Conceição, entrariam logo em pânico.

Depois, nos jogos contra a Hungria e a França, o selecionador até poderia deixar os rapazes do clã Conceição na bancada, porque já teriam cumprido a sua missão: vencer a Alemanha. Depois, se apanhássemos a Alemanha outra vez mais à frente, nas meias-finais ou na final, lá vinha o quarteto de Conceições outra vez para dar cabo de Neuer, Müller e companhia.

Reconheço que devia ter escrito esta crónica mais cedo, ainda antes de Fernando Santos ter feito a convocatória (podia ser que ele tivesse visto o texto e tomasse essa atitude sensata de levar os filhos de Conceição, ou, se não fossem os quatro, ao menos um ou dois).

Agora já não há nada a fazer, mas se nos apurarmos para o Mundial 2022, no Qatar, e voltarmos a ter a Alemanha no nosso grupo, aí o engenheiro Fernando Santos já estará avisado e de certeza que levará na comitiva os filhos de Sérgio Conceição, o último português a arrasar os alemães.

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