A manifestação, organizada pelo grupo Muslim Interaktiv, teve várias reações, com políticos a pedir à proibição do grupo. Uma semana depois outro grupo de muçulmanos saiu às ruas em defesa da democracia, o que motivou um novo apelo aos protestos este sábado.
Cerca de mil islâmicos manifestaram-se nas ruas de Hamburgo, na Alemanha, no dia 27 de abril, contra o que dizem ser uma política e cobertura mediática islamofóbica, tendo apelado à introdução de um califado no país. "Um califado é a solução", diziam vários cartazes erguidos pelos manifestantes, que também gritaram "Allahu Akbar", que significa "Deus é grande", em árabe.
YouTube Muslim Interaktiv
Em resposta, mais de mil pessoas pertencentes também a grupos muçulmanos estiveram nas rua, no sábado seguinte, dia 4 de maio, contra a manifestação islâmica. "Nem califado nem patriarcado, apenas unidade, justiça e liberdade", referiam alguns cartazes.
É possível que este sábado o grupo da primeira manifestação regresse às ruas. O grupo partilhou nas redes sociais um apelo a um novo protesto pelas 16h deste sábado, dia 11, "contra a censura dos nossos valores islâmicos. Apareçam em grande número e não se deixem intimidar pelos políticos e pelos media".
Quem organizou a manifestação?
Com o título "Não obedeçais aos mentirosos", a manifestação foi organizada pelo grupo, considerado extremista pelo Gabinete Federal para a Proteção da Constituição da Alemanha, Muslim Interaktiv. O seu grande objetivo passa pela promoção do islão e o modo de vida islâmico na Alemanha.
Este grupo acusa principalmente a política alemã de ser assimilacionista e de estar na origem do ataque contra os muçulmanos, exigindo também o isolamento comunitário.
Um dos organizadores da manifestação foi identificado como Joe Adade Boateng, de 25 anos, conhecido como Raheem Boateng. O jovem é um cidadão alemão que se converteu ao Islão em 2015, e que atualmente se auto-intitula imã – líder religioso muçulmano. É retratado como "pop-islamista" pelos meios de comunicação alemães, pela sua presença nas redes socais Instagram e TikTok ao incentivar à prática do islão na Alemanha.
Apesar de ser considerado um grupo extremista, a sua proibição não é automática na Alemanha. No entanto, as autoridades mantém os membros do grupo sob vigilância.
Além disto, de acordo com o Gabinete de Proteção da Constituição de Hamburgo, o Muslim Interaktiv é uma ramificação ideológica do grupo islâmico Hizb ut-Tahrir – organização internacional que pretende unificar os estados islâmicos num califado. Este grupo está proibido de atuar desde 2003.
De acordo com a imprensa alemã, Raheem Boateng e o Muslim Interaktiv visam especificamente jovens muçulmanos na Alemanha, abordando problemas como a discriminação. Apresentam a solução, de escolher entre duas questões – a Lei Fundamental alemã ou o Alcorão muçulmano.
O que exigiram?
Durante o protesto, os manifestantes exibiram cartazes contra os meios de comunicação social alemães, como o Bild, WELT, DerSpiegel, Focus e o Tagesschau, acusando-os de serem "cegos, surdos e mudos". Raheem Boateng já tinha apelado a uma "manifestação contra os meios de comunicação social" na sua rede social Instagram.
Os porta-vozes dos grupos acusaram os políticos de "mentiras baratas" e de "reportagens cobardes" pelo facto de "classificarem todos os muçulmanos na Alemanha de islamistas", tendo como pano de fundo a guerra de Israel contra o Hamas em Gaza.
Desta forma, vários participantes exigiram, durante a manifestação, a imposição da lei da Sharia e a introdução de um califado, de forma a substituir a democracia germânica.
O que é a lei Sharia e um califado?
Sharia, cuja tradução literal é "o caminho claro para a água", é um sistema jurídico do Islão, que consiste num conjunto de normas. O objetivo é ajudar os muçulmanos a compreender como devem conduzir as suas vidas de acordo com os desejos de Deus. Estas passam por orações diárias, o jejum (Ramadão) e doações aos mais pobres. Determina também que os homens e mulheres têm que se vestir de forma modesta, o que inclui o hijab, usado pelas mulheres para cobrir o cabelo.
No cumprimento da lei, a punição corporal também é permitida em crimes como roubo, onde pode ser mutilada uma mão, ou adultério, onde é permitido o apedrejamento.
A Sharia não é o mesmo que a lei islâmica. Os muçulmanos acreditam que a Sharia se refere aos valores perfeitos e imutáveis compreendidos apenas por Deus, enquanto as leis islâmicas são aquelas baseadas em interpretações da Sharia. Para impor a Sharia não é necessário um califado.
Já um califado consiste numa estrutura de governo islâmico. Tendo sido definido e aplicado de diferentes formas ao longo dos séculos, trata-se da ideia fundamental de uma justa ordenação da sociedade de acordo com a vontade de Deus.
É um estado político-religioso, que surgiu após a morte do profeta Maomé. É governado por um califa, que detém a autoridade temporal e um grau de autoridade espiritual, que tem o poder de aplicar a lei islâmica.
Quais foram as reações?
"Ninguém prejudica mais a religião islâmica e os muçulmanos do que os próprios islamistas", afirmou Ali Ertan Toprak, presidente federal da Comunidade Curda, que organizou a manifestação de resposta, juntamente com as associações Kulturbrücke Hamburg e Säkularer Islam.
Cerca de mil pessoas saíram à rua contra o islamismo e o antissemitismo e a favor dos valores liberais e da Constituição alemã. "Muitos muçulmanos fugiram para a Alemanha de regimes ditatoriais para poderem viver aqui em segurança e livremente numa democracia", afirmou Ali Ertan Toprak. "Qualquer pessoa que apelasse a um califado aqui estava a apelar a uma ditadura fascista. Se não gostam de viver aqui, podem viver no Afeganistão, no Iémen ou no Irão."
Ali Ertan Toprak acusou ainda os políticos de terem escondido por demasiado tempo "o problema do islão político", por receio dos sentimentos anti-muçulmanos, tendo-os deixado para "os populistas de direita".
Dirk Kienscherf e Dominik Lorenzen, os líderes dos grupos parlamentares do SPD e do Partido Verde, no poder em Hamburgo, salientaram que os políticos estão a levar o islamismo muito a sério e que o problema é uma questão importante no parlamento da cidade. Manifestações como as organizadas pelo grupo muçulmano não devem ser proibidas por si só, de acordo com a lei atual, lembrou Dirk Kienscherf. Enquanto Dominik Lorenzen referiu que o Estado de direito se aplica a todos, "mesmo àqueles que são contra o Estado de direito".
Já o chanceler alemão, Olaf Scholz, afirmou que estes apelos à introdução da Sharia e de um califado têm de ser enfrentados: "Todas as atividades islamistas que estão a ter lugar devem ser tratadas no âmbito do Estado de direito."
Repetição do apelo ao califado
Esta não foi a primeira vez que o grupo Muslim Interaktiv convoca e realiza um comício islâmico na Alemanha. Em março de 2023, o grupo reuniu-se em Hamburgo, tendo gritado "Allahu Akbar" e com o tema: "O futuro pertence ao Alcorão."
E em outubro do mesmo ano, após o ataque do Hamas a Israel, o grupo manifestou-se com bandeiras islâmicas inspiradas nas bandeiras dos talibãs e da Al-Qaeda. A manifestação terminou em confrontos com a polícia, com os manifestantes a atirarem garrafas e pedras aos agentes.
Este sábado o grupo pode regressar à rua, depois da resposta que tive a primeira manifestação, a 27 de abril.
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